Cuba WallPapers
René Francisco Rodríguez e Coletivo Cuarta Pragmática. Ciudad Generosa. Havana, 2012.

René Francisco e as pragmáticas pedagógicas

Felipe Moreno

Tudo ou quase tudo o que faço em relação à minha vida tem muito a ver com a arte. Talvez a maior parte da minha vida profissional tenha girado em torno de conciliar arte e pedagogia.”

René Francisco Rodríguez, Havana, Cuba, 20111

René Francisco Rodríguez nasce em Holguín, Cuba, em 1960. É um artista cubano contemporâneo reconhecido internacionalmente. Sua obra se expande através de diversas linguagens (pintura, escultura, instalação, vídeo, fotografia, performance), incluindo seu projeto pedagógico, em que são explorados contextos pessoais e sociais.

Sua trajetória reúne diferentes etapas e experiências: o trabalho em duo com o artista Eduardo Ponjuán, o trabalho pessoal e as Pragmáticas Pedagógicas. O interesse de René Francisco neste projeto era reformular a interação aluno-professor e os métodos tradicionais de educação artística, nos quais as ideias se constituíam como o foco principal, e não simplesmente as técnicas. René quis levar seus alunos a participar no “mundo real”, fora do ateliê e das salas de aula. Sob uma identidade coletiva chamada Galeria DUPP, as atividades de René como artista e professor convergem. O foco deste ensaio é uma exploração dessa última inovação híbrida de arte e pedagogia.

René Francisco Rodríguez. <i>Adios</i>. Óleo sobre tela. 180x120cm, 2009
René Francisco Rodríguez. Cubo-Cuba. Óleo sobre tela, 180x120cm. 2009.

René Francisco ingressa na ENAP (Escola Nacional de Artes Plásticas) para estudar pintura em 1977 e cursa gravura no ISA (Instituto Superior de Arte) de 1982 a 1987. A partir desse momento, integra o corpo docente do ISA até hoje. Assume a combinação do binômio aluno-professor desde sua adolescência, fazendo parte de uma equipe de atletas e depois cantando em uma orquestra charanguera2 na ENAP. O sentido do coletivo, cultivado desde sua infância em uma família numerosa, emergiria posteriormente em sua obra.

Arte e pedagogia: métodos, influências e contexto cubano

Como professor, experimenta com novas metodologias e, entre muitas referências, admirava a prática artística de Joseph Beuys, uma das instâncias mais conhecidas de educação como forma de arte.

Uma das coisas que fiz por anos foi sair da sala de aula, não ter um espaço fixo. Apesar das magníficas instalações do ISA, me parecia mais interessante sair para que os alunos encontrassem os conteúdos diretamente na rua. Isso me dava a possibilidade de conhecer muitos aspectos do contexto cubano. Dava aulas e ao mesmo tempo fazia uma pesquisa para o meu trabalho pessoal, a ponto de não encontrar diferença entre uma coisa e outra. Para mim, a pedagogia tem sido uma forma de fazer arte.”3

Sua metodologia consiste em criar campos de criação coletivos. O professor-criador nivela sua relação com os alunos desmontando a relação vertical que supõe o status de professor como detentor do conhecimento. Para René a pedagogia é um tipo de transação capaz de subverter essa verticalidade sobre a base de uma relação interpessoal para além das hierarquias acadêmicas. Por isso, elimina as provas e tenta evitar os conteúdos designados pela instituição. Estes devem surgir dos desejos dos alunos.


Pulling the Rug. San Francisco, Estados Unidos, 2001. Trabalho realizado durante sua estadia nos Estados Unidos quando recebeu o Doutorado Honorário em Belas artes do San Francisco Art Institute, em 2001.

René acredita que o professor precisa dos vazios que o aluno lhe apresenta, e isso produz a exigência de que ele seja tão ávido quanto um estudante pode ser. Deve reconhecer seus vazios, que serão preenchidos no intercâmbio com seus estudantes. O desejo vai tecendo os vínculos interpessoais, e as circunstâncias vão apontando os conteúdos. A transmissão do conhecimento circula dentro do grupo, proporcionando uma experiência coletiva que também fortalece o indivíduo. Para René, é muito importante ouvir para onde o estudante quer ir: há muita flexibilidade e abertura para as provocações da vida; por vezes recorre ao I Ching para pedir orientação.

Sua intenção é que o aluno retorne a uma arqueologia de si mesmo, a um estado que chama de “grau zero do conhecimento”. Desta forma se alcança um estado de clareza coletiva que gera resultado muito potente. O professor se torna uma caixa acústica receptora dos desejos de uma nova geração:

Minha forma de fazer pedagogia sempre foi tentar arqueologizar os desejos dos estudantes. Eu sempre quis estar aberto ao desejo dos estudantes, e não ser um professor que transmite suas próprias ideias. Todo o meu trabalho é de caráter interpessoal, tanto docente como social, e se baseou em processar ideias em voz alta, sem guardar fórmulas ou segredos de uma aparente descoberta.”4

04 Colectivo Cuarta Pragmática. Trust.
René Francisco Rodríguez e Colectivo Cuarta Pragmática. Exposição Trust. Factoría Habana, Havana – Cuba, 2011.

Existe uma tradição pedagógica muito forte em Cuba.5 Na década de 1980, Flavio Garciandía, Consuelo Castañeda, Lupe Álvarez, entre outros, propõem romper as distâncias para que o aluno se descubra e extraia suas próprias harmonias: cada qual contém uma música interior, e o professor simplesmente acompanha seus estudantes no caminho para revelar essas sonoridades. Em 1989, há uma abertura no ISA para que os professores realizem projetos a partir de suas experiências pessoais como artistas. Era a primeira vez que isso acontecia, antes havia apenas programas codificados na tradição dos estudos de arte em Cuba. A proposta pedagógica de René não tinha antecedentes.

De Joseph Beuys chega uma informação a Cuba de maneira informal, quase como um rumor: “Beuys varreu as ruas…, seus alunos assaltaram a escola com ele…, põe em suas aulas os desaprovados pela academia…”.6 Não havia catálogos, nem revistas, eram informações que estavam relacionadas com a subversão do formato tradicional da pedagogia. Joseph Beuys e Ana Mendieta são dos grandes artistas que influenciaram a concepção dos projetos pedagógicos de René Francisco. A performance pública, por um lado com Beuys, e o íntimo, com Ana Mendieta, que se internava no bosque para misturar-se com a terra e com a natureza de suas origens. A artista trabalhava a questão do primigênio, da origem, e Beuys, o equivalente ao partidarismo, da massa.

A influência de Beuys faz com que eu me veja como um facilitador, como alguém que mobiliza e coordena, como essa pessoa que tenta servir para que todo mundo esteja bem na mesa. O que mais me estimula a fazer pedagogia é agregar as pessoas e fazê-las sentirem que cada geração tem um compromisso consigo mesma. O artista tem de acreditar em si mesmo e ser valente.”7

No espaço pedagógico proposto por René se pensa em voz alta e se comprova ao longo do processo; fragmentos de pensamento individual se completam e articulam no coletivo. “Pragmática Pedagógica é facilitar uma caixa de ferramentas com um amplo espectro de utensílios, cuja utilidade será ditada pelas circunstâncias e demandas do outro.”8

Por mais de dez anos o artista formou um duo com Eduardo Ponjuán, com o qual assumiu criticamente as formas de representação do realismo soviético e refletiu sobre a relação arte-mercado que começava a estabelecer-se em Cuba. A concepção do trabalho de grupo começa com a amizade com Ponjuán no ISA. Eles tinham muitas diferenças, Ponjuán estava no quinto ano quando René entrou no ISA. Um era de Holguín e o outro de Pinar – duas cidades diferentes, em extremos opostos da ilha. São dois polos que pensam quase as mesmas questões no mesmo momento, e se produz um tipo de mística que termina em amizade. Em 1986 começam a fazer desenhos, e a partir daí a colaboração se desenvolve por mais dez anos. A parceria com Ponjuán chega a um ponto no qual René sente a necessidade de compartilhar seu trabalho com outras pessoas, e daí surge a ideia da Pragmática. Esse início se dá com a relação direta com Ponjuán como professor e artista: “acho que foi como uma multiplicação dessas relações interpessoais, dessa intersubjetividade”.9

Era um momento difícil na economia cubana, quando tudo ficou escasso. Os artistas se viram obrigados a buscar novas formas de fazer arte sem confrontar diretamente o Estado. Diante da difícil situação, muitos artistas e intelectuais da chamada ”geração dos 80” começaram a migrar. René reflete sobre esse momento:

Para mim foi um momento muito duro porque meus amigos partiram. Havia uma fissura profunda na cena cubana e toda a atmosfera patética de um mundo em crise. Estou falando de ir à cinemateca e não ver ninguém. Os “sócios” (amigos) começam a ser os estudantes. Tenho certeza de que o drama geracional do qual eu participava foi transferido a meus alunos como um processo de recuperação compartilhado. Tínhamos de salvar-nos juntos, resgatar juntos a autoestima e usar como escudo a honestidade diante da realidade crua que nos colocava à prova como indivíduos e não somente como criadores. E sinto que, finalmente, juntos conseguimos isso. Os que aqui estão reconstruíram uma história.”10

Existia um desejo, das pessoas que ficaram, de mudar as coordenadas da vida em Cuba, e novas formas de fazer arte começaram a configurar-se. Não é em vão que Jorge Luis Borges, um dos escritores censurados em Cuba, escreve sobre a importância da censura por ser a motivadora da criação de novas metáforas. O clima do fim dos anos 1980 em Cuba inclui a Perestroika e a Glasnost, políticas de abertura e diálogo na União Soviética.11 São eventos que os artistas mais jovens discutiram e terminaram incorporando em suas obras. Foi uma mudança radical, dado que o controle da liberdade de expressão e da crítica ao governo foi fundamental para a manutenção do Sistema Soviético. Em Cuba, a geração viveu a Glasnost à sua maneira.

Pragmáticas Pedagógicas

No meio de tal clima de mudança e incerteza, as pragmáticas pedagógicas, como foram chamados os cursos do René no ISA, eram o resultado da necessidade de trabalhar coletivamente para discutir a realidade do contexto cubano e as possibilidades da arte como ferramenta poderosa de transformação da sociedade. Não eram cursos regulares, e a duração dependia das condições específicas de cada projeto e dos desejos dos alunos e do próprio René. Alguns duraram um ano e outros, cinco anos, sempre com o mesmo grupo de alunos. Nas pragmáticas, os grupos procuravam formas de inserção no mundo real. Não era uma questão de populismo, senão de chegar de forma não invasiva a setores da sociedade que não frequentam espaços culturais e sentem que não pertencem ao mundo da arte.

Primeira Pragmática: Desde uma pragmática pedagógica (setembro de 1989 – junho de 1990)

René visita com um grupo de estudantes do primeiro ciclo do ISA o que em Cuba é conhecido como casa de vecindad ou solar12, em um bairro da Havana Velha. Era uma edificação antiga e arruinada, fragmentada em diversos habitáculos que foram se multiplicando com os anos, enquanto crescia o número de seus habitantes. Geralmente, as pessoas que habitam os solares em Cuba são pessoas muito humildes, com recursos limitados.

06 La Casa Nacional
René Francisco Rodríguez e Coletivo 1ª Pragmatica.La Casa Nacional, 1990.

Batemos à porta dos moradores daquele solar e lhes oferecemos um serviço: cada aluno trabalharia em uma casa atendendo às mais diversas demandas da vida cotidiana. Alguns pediram a restauração do sistema elétrico, da carpintaria e vidraria de portas e janelas; ajustes de encanamento, limpeza, alvenaria e pintura, objetos pessoais e decorações interiores, conjuntos de imagens religiosas e também patrióticas. Houve inclusive um caso em que uma aluna assumiu completamente as tarefas domésticas de uma das habitantes do lugar. Nós chamamos esses vizinhos de “interlocutores cúmplices”, pois nos subordinávamos a suas fantasias e a suas necessidades práticas. Os objetos resultantes fabricados pelo artista não teriam uma finalidade contemplativa – embora fossem realizados com rigor – e seu critério de beleza seria aprovado por meio de uma transação produtor-cliente, considerando gostos e interesses. Os inquilinos geralmente pediam de maneira ingênua, espontânea e poética, e nós o fazíamos de maneira racional, consciente e refinada. No plano docente os produtores não ignoravam o fato de que os objetos criados eram pinturas, esculturas, ambientes, embora tivessem uma finalidade prática. O curioso era que as demandas individuais dos inquilinos estavam filtradas por um grupo de tradições populares, de rituais de coletivos, de experiências sociais e faziam parte de um universo simbólico.”13

La Casa Nacional (A Casa Nacional) foi o nome dado a esta Primeira Pragmática; chamou-se assim porque geralmente as cores usadas nas paredes e nas pinturas propostas pelos artistas a pedido dos inquilinos tinham a ver com símbolos nacionais e atributos religiosos – o kitsch em sua variante cubana –, e também as demandas dos moradores testemunhavam as essências de um corpo psicossocial e de um sistema de valores desse período. Daí esse caráter de transação: os inquilinos recebiam a mesa solicitada, a área de serviço, o salão restaurado, enquanto os estudantes adquiriam outro tipo de conhecimento no contato com um acervo cultural que não era programado pelas academias e com o qual poderiam ir esboçando um trabalho futuro, uma forma, um estilo. Como professor, René aprendeu junto com os estudantes os ofícios de manutenção hidráulica, alvenaria, carpintaria.

Enquanto trabalhávamos, debatíamos sobre perguntas como quem era o autor, quem era o emissor, quem concebia a obra. Existiam questões teóricas dessa época que se discutiam em filosofia, semiótica e estética que conseguíamos resolver na prática.”14

Segundo René, foi uma experiência muito forte porque se tratava de meter a mão no coração da vida das pessoas e extrair conteúdos que normalmente a faculdade não ensinava: de cunho religioso, das pessoas que não estavam de acordo com a revolução e de outros que eram extremamente revolucionários.

La Casa Nacional é considerado um projeto social, mas, segundo René, tem também um grau elevado de intimidade. Foi uma época em que ele passava 24 horas do dia com seus estudantes. A fusão de sua atividade como docente com sua vida cotidiana produz um estado de alumbramento, de inocência e contato direto com a vida. Essa relação intersubjetiva afeta diretamente os vínculos aluno-professor: “Pela primeira vez digo que não sou o professor, e sim mais um membro do grupo que, a partir de sua experiência, vai modelando as demandas do coletivo”.15

No contato com seus alunos, René compreende a importância de encurtar as distâncias que há entre professores e alunos no ensino tradicional. Interessado em preservar essas relações construídas ao longo do curso, às vezes dos anos, o artista/professor começa a trocar cartas com seus alunos como uma forma de manter os vínculos de afeto. Através dessas cartas René percebe como esses vínculos são mais transcendentais do que as próprias aulas, mesmo com todo o dinamismo e importância que tinham. Elas alimentavam uma comunidade espiritual e uma sensibilidade interpessoal fértil.

07 La Casa Nacional
René Francisco Rodríguez e Coletivo 1ª Pragmática. La Casa Nacional , 1990

Dago,

Ultimamente, muitas coisas me confirmam a certeza deste trabalho de laboratório, ainda que renascentista, que vamos iniciando. Hoje, por exemplo, o fato de ter começado a ler o livro do construtivismo russo indicado por você (ou seja, o aluno me indica o livro, me diz: ‘Ouça, René, tome, você tem que ler isto porque tem a ver com as suas ideias’) e por essa misteriosa e estranha intuição que vai nos levando às coisas de que precisamos. Parece que alguém que está entre nós e que não vemos vai nos indicando, pondo em nossas mãos os elementos. Isso é ver juntos. Na última aula (e ponho entre parênteses: aula? Porque… La Casa Nacional era uma aula? Era uma performance de um mês) eu senti essa comunicação entre todos, apesar do silêncio de Pilar (Pilar de los Reyes era uma aluna que sempre aparentava estar retraída), que é um silêncio duchampiano. Sem essa comunicação não nos será possível tudo o que queremos. Que este livro dos grandes utópicos se estenda entre nós.

O profe.”16

Nos anos seguintes vieram outros exercícios e outras pragmáticas. Os Quadros por encomenda grátis, de 1990, realizados em Santa Cruz del Valle, Ávila, Espanha, são um desdobramento de La Casa Nacional, desta vez dando continuidade a seu trabalho pessoal, porém mantendo o interesse na inserção social da arte. Nesse trabalho, pessoas comuns, alheias em sua maioria ao mundo da arte, são convidadas a fazer parte de uma ação em que o artista pinta um quadro a pedido dos participantes, com temáticas sugeridas por eles. Desta forma os artistas abandonam-se ao desejo do outro que concebe a obra dentro do formato estabelecido pelo artista. Depois, quando o artista entrega o quadro gratuitamente, percebem-se as relações de afeto que são construídas. Recentemente, repetiu essa ação no Rio de Janeiro: em 2012, para uma exposição na Caixa Cultural, e em 2014, na Casa Daros, com um grupo de estudantes de pintura da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.

Segunda Pragmática: Taller de debates y exposiciones (Fevereiro-Junho de 1992)

A Segunda Pragmática, chamada Taller de debates y exposiciones (Oficina de debates e exposições), realizada em 1992, tentou buscar novos caminhos criativos para jovens que vinham com um desejo potente de criticar e questionar tudo, que era muito diferente do romantismo de La Casa Nacional. Era uma época de muita incerteza. O novo grupo de alunos trouxe ironia e debate. O foco estava em criar um contexto para debater a arte em si mesma. Começaram a organizar exposições em colaboração com o centro cultural Casa del Jóven Creador. Criaram um microdepartamento institucional do qual os artistas eram os funcionários. Muitas das exposições foram acompanhadas de um debate, e dentro do mesmo grupo de estudantes houve quem se dedicasse a realizar os cartazes, à gestão para conseguir os espaços, etc. Dessa forma, os artistas se inserem no mundo profissional da Arte.

Terceira Pragmática: Galería DUPP (setembro de 1997–2001)

A Terceira Pragmática chamou-se Galería DUPP (Desde una Pragmática Pedagógica). De fato não tem nada em comum com uma galeria de arte. Não tem um espaço físico, e o objetivo não é vender arte. Refere-se mais a um coletivo facilitando uma identidade e uma atuação artística fora do contexto de um curso e ao mesmo tempo fortalecendo as individualidades dos alunos. Começa em setembro de 1997 e termina em 2001. Foi o grupo com o qual René compartilhou mais tempo e com o qual realiza diversos cursos. A experiência com a Galeria DUPP começa com uma expedição a Jaruco em busca das marcas que a artista Ana Mendieta deixara nessa zona rochosa do país. Mais tarde, organizariam duas edições do Festival de Performance de La Habana, em 1998 e 1999.

Nesse mesmo ano (1999) a Galería DUPP realiza duas intervenções públicas. A primeira, conhecida como La Época (A Época), foi realizada dentro de um shopping center de mesmo nome. Em Cuba são poucas as pessoas que têm poder aquisitivo para comprar em shopping centers, mas esses lugares geram muita curiosidade e são frequentados muitas vezes só para olhar. Nesse trabalho, as obras se combinavam ironicamente com os produtos do local e desatavam toda uma gama de respostas nos usuários e no público que frequentava o lugar.

05 Baño público, 2002
René Francisco Rodríguez. Baño Público. Instalação com dimensões variáveis, 2002.

A segunda intervenção se intitulou Con un Mirar Abstraído (Com um olhar abstraído) e foi realizada em La Rampa, importante avenida de Havana. Foi uma homenagem aos artistas cubanos abstratos dos anos 1950. A performance foi um tributo a esse espírito e aos mosaicos nas calçadas de La Rampa que esses artistas realizaram nos anos 1960. Mais do que uma questão de formalismo, o evento era uma reflexão sobre abstração e arte em Cuba. Nos anos 1950 os artistas abstratos foram criticados duramente por membros do Partido Socialista Popular que desempenhavam papel de destaque na crítica durante esses anos. Com o triunfo da Revolução, a cena artística em Cuba sempre tendeu ao conservadorismo em relação à recepção das vanguardas. Apesar ou talvez por causa disso a abstração foi uma tendência artística que ainda teve muita vitalidade dentro de Cuba.

08 (1,2,3 probando)
René Francisco Rodríguez e Colectivo 3ª Pragmática. 1, 2, 3, …probando (1,2,3…testando). Havana – Cuba, 2000.

No ano 2000 a Galería DUPP foi convidada a participar da VII Bienal de La Habana com a obra 1, 2, 3… probando (1, 2, 3… testando). A instalação, montada nos muros do Castillo del Morro, em Havana, consistia em 100 “microfones” de ferro fundido e pinturas sobre cortinas no interior do edifício. Um dos principais objetivos do grupo era realizar uma arte cubana de caráter mais aberto e universal e, para eles, o microfone era o elemento ideal para fazer um comentário sobre o isolamento. Representa a voz do Estado com seus longos e impetuosos discursos, e ao mesmo tempo a possibilidade de muitas pessoas levantarem sua voz para expressar o que sentem; o microfone era um símbolo mais do que reconhecível dentro do âmbito do processo revolucionário. 1, 2, 3… probando ganhou o prêmio da UNESCO no ano 2000. Com esse projeto os artistas da Galería DUPP aprenderam que a arte deve ser um caminho aberto a tudo o que é possível.

Quarta Pragmática (setembro de 2009 – junho de 2013)

01 Colectivo Cuarta Pragmática. Classpool.
René Francisco Rodríguez e Colectivo Cuarta Pragmática. Class Pool, Havana – Cuba, 2010.

A Quarta Pragmática começa em setembro de 2009 e mantém o conceito do professor que tenta manter relações horizontais com seus estudantes, em concordância com os interesses e demandas de seus integrantes. Dentro da Quarta Pragmática é realizada Ciudad Generosa (maio-junho de 2012). Essa intervenção pública desenvolveu temas de trabalhos prévios que se propunham ocupar lugares na cidade como Class Pool (setembro-outubro de 2010), onde abordaram a água como metáfora do elemento originário e procriador, fazendo proposições artísticas dentro de uma piscina de um antigo condomínio de luxo.


René Francisco Rodríguez e Coletivo Cuarta Pragmática. Class Pool. Havana, 2010

Plancalle (dezembro de 2010) se debruça sobre os acidentes do asfalto das ruas 11 e 74 em Havana, Banca Rota (fevereiro de 2011) toma como referência a arquitetura do antigo Royal Bank of Canada e sua marca como centro hegemônico das finanças em Cuba, e Trust (maio de 2011) é apresentado na Factoria Habana, espaço para a criação e a experimentação na cidade.


René Francisco Rodríguez e Coletivo Cuarta Pragmática. Trust. Havana, 2011.

Ciudad Generosa foi o projeto com o qual a Quarta Pragmática participou da XI Bienal de La Habana. A proposta de René e seus estudantes consistiu em levantar uma cidade dentro dos limites de um parque no bairro El Vedado, da capital. O projeto tem como princípio construir uma comunidade solidária, que favorece as boas relações humanas e a preservação da natureza. Um moinho dá as boas-vindas aos visitantes com a mensagem “Trabalhar conjuntamente nos faz felizes”. Cada estudante cria seu projeto, consegue os materiais necessários e constrói uma casa em diálogo direto com seus vizinhos, propiciando a criação de um espaço de desfrute coletivo como o viveiro de minhocultura, metáfora do trabalho conjunto em benefício de todos, incluindo o entorno.

11 Ciudad Generosa (detalle)_copy
René Francisco Rodríguez e Coletivo Cuarta Pragmática. Ciudad Generosa. Havana, 2012.

Ciudad Generosa foi uma proposta de solução ideal para uma comunidade real e uma amostra do que é possível fazer com escassos recursos materiais: uma cidade generosa, sempre aberta, com a capacidade de expandir seus limites e acolher os recém-chegados. Emprega mãos de todo tipo para alçar-se sobre a terra, para ser visível e existir. Dentro da cidade habitam outras, reconhecíveis, ocultas, efêmeras. Todas legítimas.


René Francisco Rodríguez e Coletivo Cuarta Pragmática. Ciudad Generosa. Havana, 2012.

Depoimentos dos alunos

O trabalho pedagógico do artista René Francisco Rodriguez tem sido uma oportunidade única de experimentar as ideias crescerem e melhorarem rapidamente quando elas são colocadas em uma mesa comum. Desde meus dias em DUPP, sinto falta da intensidade de nossas discussões, e agradeço a colaboração generosa que ajudou a conhecer-nos melhor como indivíduos com os inevitáveis atritos que se dão em uma experiência de grupo.
Graças à sua prática pedagógica acredito em um trabalho de arte aberto para as provocações da vida. Em resposta a essa curiosidade e interesse, o trabalho se transforma em uma vívida conversa que acaba se tornando algo inegavelmente essencial.”

Inti Hernández17

Falar de René Francisco através de um prisma puramente profissional é difícil para mim. Começou como um artista muito admirado à distância por todo o trabalho realizado por mais de 20 anos. Depois comecei a ter reuniões e discussões sobre arte, encontros com outros colegas e artistas, exposições de arte coletivas e conversas íntimas da vida em geral. Cada um desses momentos tem sido uma troca e um aprendizado, e é muito difícil determinar até que ponto tem me influenciado mais, se como amigo ou como um artista.
René tem sido parte inevitável da minha formação como artista, e eu posso mencionar uma interminável lista de dicas de todos os tipos que compartilhou comigo e que fala da sua honestidade em relação à arte. Tudo isso, para simplificar de alguma forma, me fez olhar René quase como meu irmão mais velho, como artista e como pessoa.”

Esterio Segura18

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As Pragmáticas Pedagógicas geram seu próprio contexto artístico-pedagógico e se inserem na realidade sociocultural do país. A criação coletiva, a imbricação das mais díspares subjetividades e necessidades artísticas muitas vezes importa mais do que a autoria das peças. São mais gratificantes o trabalho coesivo e o debate coletivo. A diferença entre cada uma das pragmáticas se explica pelas diferentes necessidades dos grupos e pelo contexto de cada época. A missão do professor em todas elas: integrar-se, receber as demandas dos estudantes e a partir daí orientar o grupo no sentido em que este queira chegar a suas próprias consequências.

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1 René Francisco Rodríguez. Entrevista disponível em: http://youtu.be/gCo70v_Ktss

2 Conjunto de música popular composto por instrumentos de sopro (madeira e metal) e de percussão.

3 RODRIGUEZ, René Francisco. Havana Cultura: Entrevista com René Francisco Rodríguez, 2011. Disponível em: http://havana-cultura.com/en/visual-arts/rene-francisco-rodriguez/. (Acessado em setembro de 2014. Tradução livre do original.)

4 FIGUEROA Eugenio.Valdés. “Horizontal Interactions: Pedagogy and Art in Contemporary Cuba.” Parachute nº125. Special Issue: La Habana, 2007. Tradução livre do original.

5 http://www.ilustrados.com/tema/6436/tradicion-pedagogica-cubana- Tradução livre do original.

6 TONEL, Antonio Eligio. “René Francisco. Del arte a la pedagogia.” Entrevista realizada dentro del encuentro organizado por Magaly Espinosa en el Centro de Desarrollo de las Artes Visuales, La Habana. Maio de 2010. Tradução livre do original.

7 TONEL, Opcit p.23.

8 FIGUEROA, Opcit.

9 TONEL, Opcit p.22

10 TONEL, Opcit p.21.

11 http://en.wikipedia.org/wiki/Perestroika. Tradução livre do original.

12 Casa que contém muitas moradias reduzidas, geralmente com acesso a pátios e corredores. (N.T.)

13 FIGUEROA. Opcit p.3.

14 TONEL. Opcit p.23.

15 Ibid

16 Ibid

17 Depoimento disponível em http://www.cubartecontemporaneo.com/review/rene-francisco-answers-questionnaire/ informação sobre o artista disponível em: www.intihernandez.com/index.html (Acessado janeiro 2015)

18 Depoimento disponível em http://www.cubartecontemporaneo.com/review/rene-francisco-answers-questionnaire/ Informação sobre o artista disponível em: www.saltfineart.net/esterio-segura/ (Acessado janeiro 2015)