sudario multi camera corte4
Entrevista parte 1 (Sudário). O artista Carlos Vergara falando de seu processo de monotipia e a importância do acaso, 2014.

Um artista viajante

Entrevista: Carlos Vergara, artista

Descobrir o desconhecido não é uma especialidade de Simbad, de Érico o Vermelho, ou de Copérnico. Não há um único homem que não seja um descobridor. Ele começa descobrindo o amargo, o salgado, o côncavo, o liso, o áspero, as sete cores do arco-íris e as vinte e tantas letras do alfabeto; passa pelos rostos, mapas, animais e astros; conclui pela dúvida ou pela fé e pela certeza quase total de própria ignorância.”

Jorge Luis Borges, Atlas1

Descobrir o desconhecido, como diz Borges, não é uma especialidade única de um viajante, mas um estado de estar e se posicionar no mundo – movido pela curiosidade, engajamento e um sentido permanente de ser aprendiz. Assim, o artista Carlos Vergara reflete sobre sua produção através de três projetos recentes, Sudário, Liberdade e Farmácia Baldia, dando especial ênfase à vocação para viajar como uma reverência às singularidades que coabitam cada lugar. Da experiência como artista-viajante, Vergara se reinventa como coadjuvante por um impulso estético-ético que resgata múltiplas narrativas e vozes pelo velar e revelar de seus vestígios do invisível do visível. Mesmo usando formatos e meios diversos, entrelaçam-se “jogos de dados e dardos”2 por uma intuição palpável no ato (ritual) de aprofundar o olhar, desvendar as realidades sociais e acordar cumplicidades nos outros.

Esta entrevista dura aproximadamente 20 minutos e é apresentada aqui em três partes:

1. Sudário. Explora a prática de viajar do artista por meio de suas monotipias de lenços apresentadas recentemente numa exposição no Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói (13 de dezembro de 2013 até 9 de março de 2014).

2. Liberdade. Reflete sobre a instalação Liberdade, inspirada no acompanhamento e registro da implosão, em 2010, da histórica penitenciária Frei Caneca, do Rio de Janeiro, fundada ainda no regime colonial no século XIX.

3. Farmácia Baldia da Boa Viagem. Inaugurada como parte da sua recente exposição no MAC de Niterói, a Farmácia Baldia da Boa Viagem é uma ação coletiva no entorno do museu e na comunidade do Morro do Palácio, integrando arte e saúde por meio das plantas medicinais.

Vergara nasceu na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 1941. Em 1965, participou da mostra Opinião 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, um marco na história da arte brasileira, colocando em evidência a postura crítica de uma nova geração diante da realidade social e política da época. A partir dessa exposição, formou-se a Nova Figuração Brasileira, movimento que Vergara integrou junto com Antonio Dias, Rubens Gerchman e Roberto Magalhães, entre outros artistas. Nos anos 70, seu trabalho acompanha as grandes transformações de uma década polarizada pela repressão e pela experimentação ético-estética, realizando diversas séries de fotografias e instalações. A partir dos anos 80, Vergara enfrenta e trabalha em resposta à crise da pintura, dando início às primeiras monotipias e viagens descobrindo lugares, matéria e pigmentos da memória do Brasil profundo. É daí que o artista-viajante Carlos Vergara passa a trilhar um caminho totalmente singular de experimentação em diversas mídias, buscando sempre expandir as possibilidades e o sentido da pintura e da arte no mundo contemporâneo. Vergara, ao cruzar o Pantanal (Mato Grosso), as escadarias do Pelourinho (Bahia), Minas Gerais e, ainda, as Missões de São Miguel (Rio Grande de Sul), não somente descobre as raízes do Brasil, mas faz da crise do sentido da pintura ao final do século XX arqueologia existencial e espiritual da arte e do artista para o contemporâneo.

Em sua trajetória, Vergara é incansável: realizou até hoje mais de 180 exposições individuais e coletivas. Mas ressaltam-se ainda os traços éticos da generosidade e a sua permanente busca sobre o coletivo – o que significa viver junto.

Para mais informações sobre o artista: http://www.carlosvergara.art.br/pt/

_
1 Jorge Luis Borges em colaboração com Maria Kodema. “Atlas”. Obras Completas v. 3. São Paulo: Globo, 1999, p. 455.

2 Entrevista Carlos Vergara, fevereiro, 2014