Kelly Dobson. Initial sketch, [Esboço inicial] 2015.
Terreno Incomum
Kirsten Lloyd
Kelly Dobson está tentando descobrir como construir máquinas do tempo. Vinda de uma família de mecânicos e maquinistas, ela se interessa há muito tempo por tecnologia e seu impacto no cotidiano. Sua própria carreira como artista/engenheira transcorreu em paralelo ao surgimento dos dispositivos pessoais que prometem aos usuários poderes especiais que vão desde conectividade constante até otimização rápida e fácil de memória. Mas, mesmo no final da década de 1990, Kelly percebeu rapidamente que os telefones celulares e os computadores portáteis eram voltados em geral para determinadas metas: criar maneiras inovadoras de aproveitar a produtividade das pessoas e conseguir alto desempenho dos empregados. Acreditando que coisas interessantes podem acontecer entre pessoas e máquinas sem que sejam impulsionadas pelo lucro, ela adota uma abordagem diferente projetando aparelhos personalizados que atendem às nossas necessidades diárias. Provavelmente, suas máquinas do tempo serão em forma de veículos, mas elas não terão capacitores de fluxo. Em vez disso, elas serão projetadas para manipular e distorcer o tempo; acelerando, desacelerando ou até mesmo tentando dobrá-lo. Por entender que pessoas com profundas dificuldades de aprendizagem podem vivenciar o tempo de formas muito diferentes, Kelly vai projetar cuidadosamente os espaços para que atendam aos ritmos e modos específicos de cada um. Ela espera que essas máquinas, ao ajudar a criar um terreno comum entre seus habitantes, funcionem como um facilitador de “encontros” – no sentido de “encontro de vontades” ou “encontro em um ponto em comum”.
Esse trabalho engloba temas recorrentes nas minhas discussões com a equipe de artistas da Artlink nos últimos tempos, ou seja, a forma do tempo e a forma dos relacionamentos. O que se segue é uma tentativa de entender como o processo criativo é calibrado dentro de cada projeto e como o envolvimento com o programa de trabalho sensorial da Artlink impactou as próprias práticas dos artistas. Eu quero tratar das diversas respostas desses artistas por meio dos temas interligados do tempo e dos relacionamentos, assuntos que trazem à tona ideias como cuidado, troca e atenção. Desde o início, ficou claro que é necessário uma estrutura diferente para entender as abordagens que eles adotam. Além dos objetos de arte convencionais serem escassos, nossas concepções usuais de tempo cronológico ou linear simplesmente não se encaixam nesse contexto. Isso levanta uma questão crucial: quais outras estruturas de análise estão disponíveis? Uma resposta poderia ser a seguinte: em vez de pensar em “produção” como geralmente é usada nas sociedades industriais e no mundo da arte (em outras palavras, a criação de “objetos”), talvez seja mais útil pensar em termos de “reprodução”, ou seja, a criação de relacionamentos e tecidos sociais.
Em geral, a reprodução é uma ideia muito mais associada à gravidez e à criação de filhos, mas também foi ampliada para incluir o trabalho necessário para criar e manter a vida familiar doméstica (por meio de atividades como comunicação, cuidado e trabalho doméstico). Qual é o valor de pensar através da prática artística a partir dessa perspectiva? Por um lado, transferir a atenção dos produtos de arte para os relacionamentos: o importante aqui é o trabalho emocional e a materialidade do cuidado. Por outro, apresentar uma maneira diferente de abordar o tempo. Em vez de tempo de turno ou tempo de projeto (cada um com início e fim determinados), a reprodução traz a ideia de duração. Isso não quer dizer que o trabalho da Artlink dure uma vida inteira, mas sim que é um trabalho duracional – ele consegue progredir organicamente em vez de ser forçado a se adequar a cronogramas definidos. A experiência do tempo é conduzida pela própria relação: às vezes lenta, às vezes repetitiva, às vezes sentida como explosões de intensidade. Reflexões detalhadas sobre trabalhos específicos ajudarão a descrever o que isso significa para o processo de criação de arte. Mostrarão, também, como suas abordagens experimentais criativas podem contribuir para o pensar sobre a “prática social” em geral. Esse tipo de trabalho, que se difundiu recentemente no campo da arte, levou os artistas a intervirem no tecido social de várias maneiras; desde a criação de escolas ou empresas temporárias até a reencenação de reconstituições de eventos da história recente. Apesar de estarem conectadas, as metodologias da Artlink podem abrir espaços para o questionamento desse tipo de prática – espaços que são muito necessários em termos do discurso da arte contemporânea na Escócia.
Agora
Laura Aldridge e Laura Spring trabalham em colaboração com a Artlink há cerca de sete anos. Embora tenham práticas criativas independentes como artista visual e designer, respectivamente, a experimentação com materiais é fundamental para o processo de trabalho de ambas. No contexto de suas oficinas semanais no Cherry Road Resource Center, em Midlothian, essa abordagem é conduzida a nova direções, por vezes inesperadas. Centradas nas pessoas com algumas das necessidades mais complexas – e, portanto, muitas vezes com pouquíssimas oportunidades de interação –, as oficinas assumem a forma de sessões individuais ou em pequenos grupos. No entanto, apesar de trabalhar com as mesmas pessoas por longos períodos, Laura e Laura muitas vezes não conhecem os históricos médicos dos coparticipantes. Em vez disso, elas tentam manter cada relação tão aberta quanto possível, entendendo que inevitavelmente evoluirá e se transformará com o tempo, seja esse tempo medido em meses ou minutos: uma atividade que deu certo para um participante em uma semana, pode não parecer nada demais para ele na semana seguinte. Apesar de parecer óbvio, isso está intimamente ligado a um respeito fundamental pela atividade, um desejo de continuar explorando o potencial e uma tentativa de nivelar uma dinâmica de poder desequilibrada. Para isso, as oficinas são concebidas como ciclos de respostas instantâneas. Nada é fixo ou pressuposto.
Na prática, isso significa que as inibições devem ser deixadas de lado. Na busca por “estímulos” materiais que possam colocar em movimento ciclos de resposta, Laura Spring descobriu que se fantasiar era especialmente produtivo, dando aos encontros cotidianos um toque imprevisível e levemente surreal. Ela começou com a simples ideia de descobrir o que aconteceria se um participante com deficiência visual severa se esfregasse em algo peludo, apenas para alcançar esse algo e descobrir que é um avental amarrado em um corpo humano. O experimento acabou levando ao comissionamento de um estudante de moda para fazer uma série de fantasias para todos usarem. Nesse contexto, aprender a interpretar as respostas e manter uma sensibilidade às reações é crucial. Os significantes convencionais não se aplicam necessariamente (por exemplo, o riso nem sempre equivale a alegria) e conhecer o idioma próprio de cada pessoa é um processo longo. As oficinas usam materiais para possibilitar o desenvolvimento de formas alternativas de comunicação através de luzes, sons, cores e toques.
A capacidade de permanecer alerta e abrir o espaço que possibilita que as coisas aconteçam é essencial para qualquer processo criativo. Assim como Laura e Laura usam esse conhecimento no contexto do trabalho com a Artlink, as experiências obtidas através das oficinas, por sua vez, influenciam suas próprias práticas. Em nossas discussões, elas fizeram questão de salientar que isso não se limita a uma abordagem quanto a materiais, mas se estende ainda mais: “nós nos tornamos mais confiantes, mais livres e até mais fortes”. Nas suas duas esferas de trabalho, elas valorizam que um minuto possa ser tão poderoso quanto uma sessão de duas horas e que paciência e perseverança são essenciais na busca por algo significativo.
Atenção
Wendy Jacob é uma artista encantada pelas interações entre os corpos e os objetos que usamos ou os espaços onde vivemos, desde arquitetura e paisagens urbanas até paisagens mais abertas. Ela trabalha frequentemente com outras pessoas para ajudá-la a atravessar essas interações e, então, desenvolve intervenções criativas estimuladas por questões aparentemente excêntricas: o que significa andar por uma sala sem tocar no chão? Ser abraçado por uma cadeira? Apesar de viver em Boston, Wendy está envolvida em um projeto de longo prazo no Cherry Road. Essa longa distância significa que ela passa períodos intensos no Centro e confia nas relações de trabalho estreitas que tem com a equipe de apoio de lá. Nesse caso, as perguntas dela podem ser: o que significa trabalhar com alguém que acha quase impossível se comunicar vivendo em um país a mais de 5 mil quilômetros de distância? Colaborar com uma equipe de apoio que não tem um interesse prévio em arte? Fazer um prédio cantar?
Para resolver essas questões e lançar as bases para o projeto, Wendy introduziu diários de som com a ajuda da colega Miriam Walsh. Nas páginas do diário, a equipe registra cuidadosamente as vibrações e os barulhos que ressoam com Nicola e Donald, dois jovens adultos com fortes necessidades de auxílio que usam o Centro. As experiências deles no edifício em que passam a maior parte do tempo são nitidamente habituais, cada um retorna exatamente ao mesmo lugar, dia após dia. Wendy está, em última instância, planejando criar “músicas” para Nicola e Donald, fragmentos de som que são inseridos em pontos arquitetônicos nas paredes, nos pisos ou ao longo dos corrimãos. Eles são experimentados pelo toque e podem inspirar movimento, talvez pela sala, pelo corredor ou pelos cantos. Por enquanto, o enfoque está em reunir ruídos atraentes. Referindo-se à equipe do Cherry Road como seus “tradutores especializados”, Wendy ressalta que Dawn, John e Kingsley são especialistas em ler e interpretar as nuances dos gestos próprios de Nicola e Donald. Manter os diários exige muita atenção e escuta ativa: os hits até agora incluem o barulho da máquina de venda automática quando libera uma lata de Coca-Cola na bandeja e o sussurro do secador de mãos quando está ligado. Enquanto a equipe acumula um monte de informações úteis, a atividade de coleta também se torna uma maneira de criar novos tipos de troca e conversa. Novas visões e perspectivas estão sendo formadas dentro dessas relações preestabelecidas, e os dados cotidianos dentro dos diários estão se encaixando para formar retratos surpreendentemente poéticos de Nicola e Donald.
Senso Comum
Ir além do visual e usar as experiências sensoriais como uma maneira de tentar alcançar – ou habitar – o espaço do outro é o cerne da prática de Steve Hollingsworth. As oficinas acústicas imersivas que ele realiza semanalmente, com o artista Jim Colquhoun, são feitas como apresentações conjuntas com os participantes que os envolve em um som em desenvolvimento que eles ajudam a criar. “Apenas usar a voz já pode ser algo muito poderoso”, diz ele. “Eu uso muito amplificação. Ouvir seu próprio som projetado em uma sala pode ser muito libertador ou irritante para uma pessoa”, completa. Como muitos artistas da Artlink, a abordagem da estética adotada por Steve tem uma semelhança maior com o significado original dessa palavra em grego do que com seu uso mais recente. Em vez de priorizar o visual (ou mesmo a beleza), ela se referia de forma mais geral a “coisas perceptíveis aos sentidos”. Dedicado a uma compreensão da arte como meio de interação, Steve está aberto a muitos formatos e mídias na sua busca pelo tipo certo de estrutura de comunicação em uma determinada relação.
Os mesmos traços de adaptabilidade, atenção e capacidade de resposta são necessários para seu trabalho intensivo com essas pessoas. No mesmo sentido de Steve, a diretora artística da Artlink, Alison Stirling, descreve o objetivo geral como uma tentativa de reunir diferentes perspectivas, que provém desde membros da família até profissionais da área médica, a fim de encontrar um caminho para adentrar o mundo de pessoas com deficiências de aprendizagem profundas. De forma evocativa, ela relaciona isso às aventuras do explorador marítimo Jacques Cousteau em territórios desconhecidos. “Como uma pessoa com danos cerebrais tão extensos percebe o mundo?”, pergunta ela. “Obviamente, tudo é muito diferente, as percepções sensoriais muitas vezes são exacerbadas – o que algumas vezes pode ser aterrorizante e outras vezes encantador –, e os detalhes se tornam incríveis. Mas esses entendimentos alternativos do nosso mundo compartilhado são ignorados ou, se recebem atenção, são medicados. A questão é: o que todos nós podemos aprender sobre o mundo e sobre nós mesmos se encontrarmos uma maneira de nos comunicarmos?” Apesar de parecer simples, essa é a ideia que sustenta todo o trabalho experimental da Artlink, assim como a prática de Steve. Atualmente, ele está trabalhando com a equipe de cuidado, pais, Dr. Bob Walley e Dr. Gordon Dutton para criar um sensório com o qual seja possível interagir e que possa ser controlado pela pessoa com quem estiverem trabalhando, permitindo criar ativamente novos tipos de experiência. Dar valor igual às contribuições de cada membro do grupo, dessa forma, levanta questões fascinantes sobre a produção criativa e a produção de trabalhos artísticos. Steve prontamente reconhece que os desafios pelos quais ele passou nas suas experiências com a Artlink causaram um impacto significativo em sua própria prática, abrindo possibilidades em torno de abordagens colaborativas e dando incentivo para que ele passasse a usar performance e música para criar projetos duracionais que se desdobram no tempo.
Curadoria do cuidado
Esses três exemplos sucintos revelam uma mistura diferente de pragmatismo e criatividade. No entanto, todos os artistas com quem falei enfatizavam a natureza e o valor singular da abordagem da Artlink orientada pelo relacionamento – claramente, é impossível conceber esses projetos individuais como entidades inteiramente separadas e, em vez disso, é muito mais esclarecedor pensar na infraestrutura e no ethos que os sustentam e conectam. Para terminar, quero considerar o que mantém esses projetos vivos. Ou, em outras palavras: como eles são reproduzidos? A equipe do Artlink pode não tratar a si mesma como curadoraes, mas esse é um descritor bastante útil nesse caso. A raiz do termo é “curare”, que significa “cuidar”, e, embora hoje isso signifique geralmente cuidar de objetos em uma coleção ou organizá-los nas paredes de uma galeria, também vem sendo usado historicamente para aqueles que se importam com as pessoas, suas vidas e comunidades.
Então, aqui vão duas ideias: curadoria como cuidado e curadoria de projetos de arte de cuidado pleno. Um dos maiores sucessos de Artlink tem sido desenvolver um modelo de financiamento que possibilite a experimentação artística duracional, dando às relações o tempo para crescer e o conhecimento adquirido com base em experiência para informar ativamente longos ciclos de trabalho. Wendy Jacob expressa isso melhor ao descrever seu trabalho no Cherry Road: “O tempo é percebido de forma diferente aqui”, diz ela. “O progresso é medido nos mínimos avanços. Não é possível andar rápido. Para fazer algo significativo nesse contexto, é fundamental ter tempo para que as ideias amadureçam e se desenvolvam lentamente.” Conseguir isso certamente não é uma tarefa fácil no contexto atual de financiamento em que os resultados de projetos temporariamente fixos precisam ser definidos com antecedência: capacidade aberta de resposta é um atributo difícil de ser incorporado. A confiança dos patrocinadores e financiadores é absolutamente fundamental aqui, pois apenas a partir de uma posição de entendimento e crenças compartilhadas é que o impulso necessário pode ser gerado para realizar aventuras e construir metodologias de trabalho pioneiras.
Nos próximos anos, parece que o amor e o cuidado serão tópicos relevantes nos discursos que cercam as práticas artísticas com engajamento social que estão na moda. No entanto, a maior parte desses trabalhos segue um modelo comum: a convite de uma grande instituição de arte, um artista internacional realiza um projeto temporário que faz parcerias com organizações não governamentais (ONGs) locais para engajar ativamente “comunidades não artísticas” carentes ou vulneráveis em diferentes aspectos. As questões importantes a respeito desse tipo de prática estão sendo intensamente debatidas em outros lugares. Talvez o mais interessante aqui seja considerar as maneiras pelas quais o mundo tradicional da arte teria que ser reconfigurado para se envolver de verdade com o trabalho da Artlink. Seria possível vislumbrar um campo da arte que possa abarcar processo e duração, valorizar modelos de autoria dispersos e ao mesmo tempo pensar projetos que alcançam mudanças de longo prazo em “ritmo lento”? O que suas metodologias experimentais significam para o futuro de artistas, de obras de arte, de curadores e da nossa compreensão do cuidado como um conceito e uma prática?
Vale lembrar que valorizar o cuidado e as relações de uma forma tão crucial não é simplesmente uma questão ética – em um contexto em que os prestadores de cuidados são rotineiramente desvalorizados, ela se torna cada vez mais política. Dentro desse contexto, as circunstâncias pressurizadas que produzem intervenções bem informadas, práticas e radicais são uma tarefa urgente. Nesse ponto, as reivindicações anteriores da arte por autonomia e sua aversão à funcionalidade parecem estar realmente desatualizadas. No entanto, se o momento da “arte” é difícil de definir nas interações de cuidado pleno das quais a Artlink é curadora, isso não significa que ele esteja ausente: pelo contrário, ele continua sendo a força motriz. Quando nos pedem para imaginar prédios que cantam, máquinas que distorcem o tempo e um dispositivo que possa dar a alguém – talvez pela primeira vez – a habilidade para transformar seu mundo, é importante lembrar que não são simplesmente ideias, mas que serão realidade em termos concretos em um futuro muito próximo. São respostas criativas duracionais que têm o compromisso de mostrar que obras de arte importantes podem ser úteis e que, ao mesmo tempo, nos convidam a pensar sobre nossa relação com o mundo e com aqueles que nos rodeiam de maneiras diferentes. Por meio de autoria compartilhada, elas exploram como a arte e o cuidado podem ser direcionados a objetivos genuinamente emancipatórios.
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Kirsten Lloyd
É professora da Escola de História da Arte da Universidade de Edimburgo. Seu foco de pesquisa é a arte e a mediação curatorial no final do século XX e no século XXI, incluindo lentes, obras participativas e realismo. Entre suas publicações recentes estão If You Lived Here…: A Case Study on Social Reproduction in Feminist Art History”, em Feminism and Art History Now (I.B. Tauris, 2017), e uma edição especial coeditada do periódico Third Text sobre reprodução social e arte (2017). Ela é a Chefe Acadêmica da Coleção de Pesquisa de Arte Contemporânea da Universidade. Ver http://www.fabric.eca.ed.ac.uk.