Encontro Sensorial de Terça-Feira no Cherry Road, 2017. Foto: Steve Hollingsworth

Explorando lentamente os sentidos: Centro de Aprendizagem Cherry Road

Steve Hollingsworth

Arte diz respeito a experiências transformadoras, a vermos o mundo refletido por meio de registros estéticos e emocionais. Ela nos permite reconsiderar nosso lugar no mundo. Nesse contexto, arte não significa ruminar acerca de objetos estáticos colocados sobre cubos brancos. Trata-se de criar experiências estéticas através do tempo, produzindo novas memórias que têm repercussões sutis e poderosas. Ela revela narrativas novas criadas por pessoas consideradas sem valor, deficientes demais. Aprender sobre maneiras de ser com pessoas que têm deficiências de aprendizagem complexas e severas pode ser considerado como uma forma de pedagogia reversa. É a criatividade contraintuitiva e libertadora que está VIVA e que existe em níveis mútuos. Alguns chamam de “arte relacional”, mas — longe dos rótulos acadêmicos — a criatividade aqui se refere, na verdade, a criar catalisadores para mudanças positivas em diversos níveis.

Para muitas pessoas com deficiências de desenvolvimento complexas, tudo acontece rápido demais para ser percebido por elas, o mundo e os acontecimentos se desenrolam muito mais rápido do que elas conseguem assimilar. Na tentativa de decifrar as mentes e as memórias, o tempo precisa ser “dilatado”, “texturizado” ou “solidificado” de alguma forma, a ponto de se tornar lento o suficiente para poder ser apreciado. Nós precisamos nos equiparar a essas pessoas, desaprendendo nossas percepções rápidas e tentando nos desvincular dos nossos próprios hábitos sensoriais, do nosso próprio “normal”. Quando aprendemos a estar com pessoas com deficiências complexas no tempo DELAS e estabelecemos conexões significativas com elas, abrem-se portas interessantes para novas formas de pensar a respeito de quem somos nós.

Nesse sentido, está o trabalho do artista britânico John Latham (1921-2006) e do coletivo Artist Placement Group (APG).1 Latham acreditava firmemente que a arte poderia ser uma ferramenta para a mudança social: “Na perspectiva de Latham, o pré-requisito para a mudança sociopolítica é o aperfeiçoamento da comunicação entre disciplinas individuais e contextos mais amplos”.2

Em sua teoria Time Base Theory (Base de Tempo), Latham discordou do modo tradicional da física, que enfatiza a compreensão cada vez mais complexa de partículas subatômicas. Ele sustentou que, por sermos criaturas dotadas de memória, nossa percepção do tempo como um “Evento” deveria ser nossa unidade fundamental de compreensão do mundo. Do ponto de vista humanístico, argumentou que uma “Estrutura de Evento” ou um “Evento Mínimo” poderia nos ajudar a entender o mundo. Um “Evento Mínimo”, para Latham, era o menor intervalo entre o nada e uma memória perceptível, uma unidade fundamental antifísica de ser.

Isso se assemelha a Ben, pois com a criação de novas experiências (ou unidades de memória) nós preenchemos sua existência com significado para ele que vai além das estruturas institucionais de cuidado. Ben tem deficiências físicas e de desenvolvimento complexas. Considerando o nível dessas deficiências, é melhor descrevê-lo como: “alguém que tem barreiras substanciais à aprendizagem e à participação na vida comunitária, o que resulta da combinação de deficiências orgânicas com um ambiente que, em geral, é indiferente e não oferece apoio”.3


Ben, 2017. Foto: Steve Hollingsworth

Conheci Ben no Centro de Aprendizagem Cherry Road, em Bonnyrigg – um centro público diurno para adultos com autismo e com deficiências cognitivas e de desenvolvimento complexas 4. Ele parecia estar à margem de tudo, passivo, com seu potencial inexplorado. Semana após semana, por mais ou menos uma hora a cada vez, Ben me levava em uma jornada. Eu, como artista, absorvia seu mundo. Isso começou com a ideia de que eu poderia, de alguma forma, possibilitar que Ben tivesse uma escolha, provê-lo da capacidade de agir, empoderá-lo com maiores habilidades para fazer ou não fazer. Eu sabia alguns dados básicos sobre Ben — ele enxergava, ouvia e gostava de sons agudos. Eu era aluno de Ben e meu aprendizado aconteceria por meio da criação de experiências estéticas para ele. Eu combinava sons e luz usando um amplificador e um projetor de vídeo para ver como ele reagia. Com a minha voz, eu fazia sons como se fossem o eco dele. Na tentativa de encontrar formas de empoderá-lo, eu priorizava o que Ben realmente conseguia fazer em vez do que ele não conseguia. Percebi que ele conseguia usar a mão direita, pois ela se levantava quando ele ria ou estava animado. Nós gritávamos e fazíamos barulhos juntos; todas as vezes eu reparava quando ele ria de alguma coisa ou reagia sutil ou intensamente. Junto com a sua equipe de cuidado, nós tentávamos entender o porquê.

O processo foi a chave para o aprendizado: não saber aonde aquilo iria nos levar; trabalhar de forma intuitiva, ética, divertida, sensível e criativa; olhar cada mínimo detalhe das reações e perceber o que as fez surgir. Tentar ser o mais criativo possível sem impor minha própria narrativa a Ben. Ser sensível e receptivo à realidade dele em todos os momentos.

Nesse contexto, a arte está na alegria de uma jornada conceitual, em adentrar novos reinos sensoriais que levam Ben para além do confinamento físico da sua cadeira de rodas e apresentam a ele novas percepções. Com essa finalidade, eu comecei a trabalhar com Lauren Hayes, uma pesquisadora Ph.D. do departamento de música da Universidade de Edimburgo que tem interesse em háptica. 5 Lauren fez alguns software capazes de manipular sons e imagens estáticas — deixar os sons mais lentos e acelerá-los, aumentar e reduzir a escala das imagens, bem como invertê-las. Capazes, também, de mudar a cor pela variação das velocidades em uma fita de LED. Tudo isso contribuiu para que Ben pudesse ter uma experiência sensorial imersiva, controlada por um joystick. Eu baixei imagens do telescópio espacial Hubble e os sons dos campos magnéticos dos planetas convertidos em frequências audíveis, possibilitando a Ben uma jornada às estrelas. Ele provavelmente não tem entendimento do espaço sideral, mas os sons e as cores de outros mundos representam um volume sensorial enorme que ele consegue manipular e aproveitar. Certa vez, Ben riu muito durante uma sessão e pressionou tanto e com tamanha alegria o apoio de pés que quebrou a sua cadeira de rodas. Essa não é uma experiência remota para Ben como um videogame. Ela envolve todos nós — Ben e as pessoas que cuidam dele, todos nos divertindo juntos.


Esquerda: Sensorium, 2017. Foto: Steve Hollingsworth | Direita: Ben e o Sensorium, 2017. Foto: Steve Hollingsworth

Quando mostrei à mãe de Ben, Brenda, uma gravação de Ben usando o sensorium, ela ficou impressionada, pois pensava que seu filho já não era mais capaz de aprender. Era impensável para ela que Ben pudesse acionar, motivar e controlar seu próprio estímulo em atividade.

No sentido da identidade narrativa definida pelo filósofo francês Paul Ricoeur, Ben reescreveu sua história pessoal e abriu um novo caminho para ser seguido por mim e por outros.6

 

***

 

Steve Hollingsworth
É um artista de Glasgow. É Mestre em Belas Artes pela Escola de Artes de Glasgow. Também colabora com a Artlink, e os trabalhos resultantes dessa parceria influenciaram seus estudos para PhD no Royal Conservatoire da Escócia. Mantém uma prática colaborativa – intitulada Two Ruins – com Jim Colquhoun, escritor e artista que também colabora com a Artlink. Eles utilizam performance, neon, som, instalação, texto e filme.
________

1Disponível em: <http://www.tate.org.uk/art/art-terms/a/artist-placement-group>.

2CONZEN-MEAIRS, Ina et al (Orgs.). John Latham: Art after Physics. Edição Hansjorg Mayer. Oxford/Stuttgart: Museum of Modern Art Oxford, 1991, 30.

3 SHEEHY, Kieron; NIND, Melanie. “Emotional Well-Being For All: mental health & people with profound & multiple learning disabilities”. In: British Journal of Learning Disabilities – BILD, v. 33, no 1, mar. de 2005, 34-38, 33.

4 O Centro de Aprendizagem Cherry Road oferece experiências customizadas e personalizadas para dar suporte a adultos com dificuldades de aprendizagem e a adultos com autismo. Antes baseado em um modelo mais tradicional de cuidado, o serviço se reformulou em colaboração com a Artlink, organização líder em artes e assistência a pessoas com deficiências. Isso possibilitou o desenvolvimento por parte do serviço de experiências criativas e enriquecedoras para as pessoas e melhorou significativamente a forma do suporte dado a pessoas com necessidades muito complexas, levando a uma mudança positiva prolongada e contribuindo para a diminuição do uso de serviços de saúde e cuidado.

5 A comunicação háptica ou cinestésica recria a sensação do toque pela aplicação de forças, vibrações ou movimentos no usuário.

6 “Paul Ricoeur (1913-2005)”. In: Internet Encyclopedia of Philosophy: A Peer-Reviewed Academic Resource. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/ricoeur/>.