Ensaio Fotográfico: Caras do Palácio
Josemais Moreira Filho
Colaboração: Paulo Batelli
Nota editora: Josemais Moreira Filho participou no projeto Arte Ação Ambiental do Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC) desde seu início, em 1998/99. Junto com os amigos e colegas do Morro do Palácio recebeu uma formação em papel artesanal e diversas linguagens artísticas e sob a orientação da artista educadora Eliane Carrapateira passou a dar oficinas em colégios e espaços públicos. O projeto catalisou a realização do centro cultural e comunitário nomeado Macquinho em 2008. Por problemas de ameaças de deslizamento do prédio pelas fortes chuvas de janeiro de 2009, e a falta de recursos, os primeiros anos do Macquinho foram muito restritos em termos de atividades. Josemais trabalhava como vigia e quando podia colaborava com as iniciativas do museu. Em 2014, o Macquinho passou a ser uma Plataforma Urbana Digital sob gestão da Secretaria Municipal de Educação e Ciência e Tecnologia e Josemais assumiu uma nova posição junto com Eleilton Rocha (também participante do projeto Arte Ação Ambiental) de co-coordenadores de arte, educação e cidadania. Em 2015/2016, participou do curso de fotografia oferecido pelo fotógrafo Paulo Batelli (parte de sua pesquisa de mestrado da UFF) e um novo olhar sob seu entorno se deslanchou. Batelli colaborou com Josemais na produção, tratamento e seleção das imagens para este ensaio. A seguir, os dois conversam sobre a trajetória, aprendizagem e práticas da fotografia.
Paulo Batelli: Josemais, o que te fez despertar para as linguagens artísticas?
Josemais Moreira Filho: Começou numa ida ao MAC, em 1998. E nessa visita o Vergara [Guilherme Vergara, então diretor de educação] nos propôs de fazer algumas intervenções no espaço do museu e, percebendo que o grupo era criativo, sugeriu mais encontros com ele. Iniciamos o projeto Arte Ação Ambiental em 1999 com a intenção de pegar o dinheiro da bolsa, que na época significava uma boa quantia: R$50,00. Ia pra baile funk, comprava roupas e ainda sobrava algum. Com o decorrer do projeto/curso, nos apresentou os trabalhos da Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica e alguns outros artistas que estava expondo no MAC na época, como os irmãos Campana, também o Rubem Gerchman. Tenho até foto com ele. Achávamos tudo isso muito maneiro. Tinha um trabalho lá que era muito simples mas, que eu achei muito impactante, que era um… uma meia parede de azulejos com um buraquinho [Obra exposta em 1999 era de Ivens Machado da Coleção João SattaminiMAC Niterói].
PB: Os azulejos eram de qual cor?
JMF: Brancos, todos brancos com um buraquinho preto. Eu gostava muito porque eu percebia como nós, favelados do morro, que somos um pontinho negro num local muito grande.
PB: Diante desta experiência e todas as outras informações que absorveu junto às oficinas de papel, jogos neoconcretos e agora com a fotografia, tens possibilidade de diversificar todos esses conhecimentos hoje?
JMF: Gostaria de ser professor do Macquinho, [quando inaugurou] surgiram quatro vagas para vigia mas, não me interessava. Eu insistia e dizia: quero ser professor do Macquinho! [Como parte do projeto Arte Ação] eu era monitor da Oficina de Papel Artesanal [coordenada pela Eliane Carrapateira] e fui dar aulas de papel reciclado em outros lugares, outras comunidades. Com esse trabalho, o do papel reciclado, com alguns componentes do meu grupo, capacitamos mais de mil pessoas. (….)
Queria ensinar aquilo que aprendi e passar para alguém. Por quê? Porque se eu guardar isso pra mim e não passar adiante, esse conhecimento poderia morrer, para dar continuidade desse conhecimento. Tudo que aprendemos tem que ser passado adiante, penso assim.
Outro projeto que eu fiz era de cinema. Tive a oportunidade de acessar um laptop e, navegando na rede, descobri filmes e comecei a baixar alguns. A partir daí, criei um projeto de cinema – onde se localiza o atual estúdio de som do Macquinho – chamado Cine Um Olho (risos). Eu percebi que estava ficando muito maneiro, muita gente, um público variado; havia de morador a bandido, todo mundo vinha para o cinema.(…) Eu quero passar filmes para a comunidade, aqueles que eles não têm dinheiro para ver no cinema. (…) Vamos acostumá-los com cinema no Macquinho.
PB: A fotografia vem de lugares que não são dela. A sua forma de escrever é com a câmera fotográfica. E a sua narrativa será através das suas imagens.(…)
JMF: E, gostaria de ficar mais tempo com a minha câmera, lapidar mais o meu olhar. Observar antes de clicar. A fotografia me trouxe de novo para a arte. Fico um pouco preocupado de sair com a câmera por conta dessa violência que estamos vivendo. Anteriormente, saía a qualquer hora pra fotografar, ia pra praia da Boa Viagem à noite e clicava os barcos na água fazendo longas exposições, agora, não me sinto seguro para isso. Até a rua que eu moro está perigosa. Mas, quero retomar. Me lembro de uma foto das crianças correndo na praia…
Na fotografia, eu não penso em trabalhar em festas, eu faço porque vou mais para ajudar as pessoas, cobro um preço muito abaixo. Não gosto, quero tirar fotos daquilo que me interessa, daquilo que eu tiro um sentimento, daquilo que eu olhei e achei maneiro. Quero guardar pra mim, porque fotografia é isso, guardar na lembrança, né?…
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Josemias Moreira Filho
Fotógrafo e educador, atualmente trabalha, desde 2014, como coordenador de arte, cultura e cidadania do MACquinho (Plataforma Urbana Digital) no Morro do Palácio. Foi envolvido do início no programa Arte Ação Ambiental, ativo no Museu de Arte Contemporânea de Niterói em colaboração com a comunidade do Morro do Palácio e o Programa Médico de Família entre 1998 e 2014.
Paulo Batelli
Natural de São Paulo, capital. Formação: FAAP-SP; Instituto Metodista Bennett; mestrando UFF. Docente de Fotografia: no MEMÓRIAS DO PAC na comunidade Pavão / Cantagalo através da Secretaria de Estado da Cultura do Rio de Janeiro e a ONG Observatório de Favelas, SENAC-Rio, Ateliê da Imagem, Espaço Figura, Ateliê Oriente e A Casa Foto Arte. Colaborador para as revistas: Flash, Quem Acontece, Caras, Exame, Você S.A., Época, Carte Capital, ISTO É, Veja, Veja-SP, Casa Vogue, Vogue R.G., Kaza, Per Decorare, Casa & Jardim e Criativa. Jornais: Extra, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Valor Econômico. Colaborador para o site: www.chic.com.br , com Glória Kalil. Agências de Publicidade: Lewlara, com Banco Real e TIM Telefonia. DPZ, com DECA Metais e CASACOR-SP.