Nº6 VIDAS ESCONDIDAS
  • Leandro Almeida. Assim falou HJS. Casa Museu Rancho Verde, frame (documentário em processo).

Assim falou H.J.S

Leandro Almeida

Assim falou H.J.S, é um documentário, em processo de montagem/finalização, que propõe apresentar o universo do personagem “Seu Hernandes”, um jovem com mais de 90 anos que embarcou, quando menino, em um trem na sua cidade natal, para o Rio de Janeiro em busca de novas experiências de vida, mas sobretudo movido pela motivação da ideia de felicidade que tanto almejava.

Hernandes José da Silva, mais conhecido como seu Hernandes, é um ser humano encantador com uma incrível capacidade inventiva e produtiva de reinventar objetos, de criação artística, de contar histórias e filosofar sobre o mundo.  A sigla HJS é a assinatura abreviada do senhor Hernandes José da Silva e a expressão é usada por ele nas suas obras, textos e falas.

Sua casa, chamada de Rancho Verde, e também denominada Casa Museu Rancho Verde, fica próxima ao Morro do Bumba no bairro de Viçoso Jardim-Niterói, e é toda feita de pequenos gestos, onde em todos os cantos habitam um objeto, um conto, histórias e memórias. O que Seu Hernandes encontra nos lixos ele transforma em obras de arte, em esculturas, assemblagens e os impregnam de significados. No Rancho quase tudo é verde ou foi esverdeado, a partir do prenuncio em um sonho, que indicou a Hernandes o verde como a cor da sua esperança diante das adversidades da vida. Seu Hernandes é poeta, inventor, artista, sobrevivente, sábio e uma bela história de muitas histórias que tanto afaga, preserva e potencializa nas suas invenções e reinvenções.

O jovem Hernandes completou 92 anos em 2020, e a experiência continuamente em processo da Casa Museu Rancho Verde traduz importância cultural, artística, educativa, ambiental e representa uma filosofia de vida materializada. É um espaço de produção e compartilhamento de saberes artísticos-culturais e socioambientais; todos catalisados a partir das práticas do Seu Hernandes – H.J.S – existe ali uma protocooperação entre artista e atividades, visitantes e espaço. O documentário não será apenas uma obra sobre um personagem interessante, mas sobre um Patrimônio Cultural, de natureza material e imaterial da cidade de Niterói e irá colaborar no desesconder desta experiência e dar luz as práticas desenvolvidas e assim ampliar conexões possíveis.

Com uma abordagem que privilegia o caráter documental e observacional, o documentário apresentará também imagens produzidas pelo próprio senhor Hernandes com sua câmera de vídeo, apresentará histórias narradas por Seu Hernandes explorando o caráter artístico e de cunho ambiental de suas práticas; apresentará atividades desenvolvidas na Casa Museu Rancho Verde e, sobretudo, o universo subjetivo, sensível e inventivo de HJS permeados por uma mística e filosofia que singularizam sua existência. 

Hernandes reforça em suas falas que o Rancho Verde, assim como suas criações, resultam de amor. O amor que é traduzido através da mística a qual ele referência como sistemas.

O sistema de amor é um sistema imaginário, segundo Hernandes, entre ele e sua companheira, um homem e uma mulher que se amaram muito, que estavam muito ligados em tudo na rota do dia, ambos não podiam ficar um dia sem se verem e assim viveram esse amor em terra.

Com o tempo que segue, sua companheira adoece e, como diz Hernandes, “ –  o sistema da vida nós não podemos dominar”, um dia, depois de 55 anos vivendo juntos, eles tiveram que se separar, em 2009 o sistema a levou e o manteve aqui. Mas mesmo assim ela sempre está com ele em tudo que faz e ele sempre a exalta nas coisas que cria. O sistema de amor é esse, o de dividir a existência juntos.

Hernandes ressalta também em suas falas, a importância de um outro sistema, um sistema que o rege, segundo ele deduz, todas as suas palavras são atribuídas ao sistema, sistema que lhe dirige, lhe controla, que lhe dá tudo que deseja. É um sistema santificado que vem de longas alturas. Esse sistema lhe dá coragem, inteligência e sabedoria, foi isso que ele pediu, e assim, segundo ele, venceria todas as barreiras ultrapassando as montanhas. Assim, tudo que ele pediu, o sistema lhe deu. E hoje seu Hernandes é um sábio, pois relata que nem escrever ele sabia, mas sozinho ele conseguiu aprender a escrever, a colocar para fora um fantasma que trouxe de berço. Um fantasma de um historiador, um poeta, que permanecia dentro de sua alma e o provoca a sentir vontade de escrever, e que trazia dentro dele uma grande ambição; fazer poesias, poemas e contar suas histórias. Tudo real, nada que não seja da própria imaginação. Pois imaginação, para ele, é realidade. Ele criou um mundo, o seu mundo.

Concluo essa breve apresentação da abordagem do documentário com um poema escrito por Seu Hernandes, ou como ele mesmo assina, HJS:

“Assim escreveu HJS”

No infinito e na saudade sem fim, na magia do infinito,
no verde, na floresta e na natureza.

Num sonho verde, no império da imaginação.
No mundo da saudade, no lixo que não vale nada,
tudo que é velho, pode ficar novo,
mas tudo que é novo, pode ser velho um dia,
será velho.

Restou, restauração, imaginação,
ou buscar mais uma terapia,
buscar na verdade, porque, você não sabes quem é você.

Conheça quem é você para ser feliz.
Do lixo nós vivia, difícil é não saber viver.

Um império e o tempo.
Por longo tempo.
Para me ensinar,
coragem, esperança e sabedoria.

Obrigado ao tempo.
Que esperou que eu ficasse de cabelos brancos
Para dar me sabedoria.

Hernandes José da Silva – HJS

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Leandro Almeida
Com formação na área de produção cultural, educação, artes e produção audiovisual, é professor da Ong Bem Tv. Coordenou projetos sociais do Museu de Arte Contemporânea de Niterói mediando relações entre arte, cultura e comunidade e atuou como Arte-Educador; coordena o Cineclube do Décimo na FCS/Uerj. É sócio proprietário da produtora PROVISÓRIO PERMANETE PRODUÇÕES CULTURAIS e Coordenador Técnico do Laboratório de vídeo da FCS/Uerj. Dentre outras produções autorais, hoje conduz e dirige o processo de produção do documentário Assim Falou H.J.S. É carioca e pai presente dos incríveis Nuno de 10 anos e do Jonas de 2 anos.