Nº6 VIDAS ESCONDIDAS
Twenty Three. De(mock)racy, Cidade do México, México 2018.

Editorial: Vidas escondidas

Jessica Gogan e Luiz Guilherme Vergara

Por todas as vidas escondidas e perdidas
Em memória das 300 mil mortes por Covid-19 no Brasil (até 27 de março 2021)
Com solidariedade a todas as famílias das vítimas da pandemia no mundo inteiro
A todes que estão em buscas, indagações e conclamações
Por uma arte que provoca e habita

Escondido (part. de esconder). Adj. 1. Oculto, encoberto, recôndito, abscôndito. Esconder [do latim. Abscondere). 1. Pôr em lugar oculto; encobrir, ocultar. 2. Guardar consigo; não revelar; não enunciar; reservar. 3. Não manifestar; disfarçar, encobrir, dissimular. 4. Furtar às vistas; 5. Não revelar; não enunciar; reservar; guardar. 6. Subtrair-se às vistas alheias; 7. Mascarar-se. 8. Proteger-se, resguardar-se.

A 6ª edição da Revista MESA, “Vidas Escondidas”, é dedicada aos múltiplos sentidos de “escondido” na sociedade. A busca por trazer luz às questões que atravessam e ameaçam nossas vidas é recorrente como uma vontade crítica e (re)generadora do indagar – o que pode a arte no mundo contemporâneo? A edição é composta por estudos de casos, artigos, entrevistas, diálogos, filmes e ensaios fotográficos das interfaces entre arte e práticas contemporâneas socialmente engajadas, reunindo-se como corpo coletivo das múltiplas vozes de contra narrativas e diferentes estratégias poéticas e políticas. As vidas escondidas são abordadas como parte das lutas por justiça restaurativa, democracia e igualdade social: recuperação de memórias, investigando esconderijos e des-escondendo engrenagens de silenciamentos; questionando os sistemas escolares, religiosos e psiquiátricos; gerando outras perspectivas de manifestações artísticas, muitas não-ainda arte ou além; habitando e transformando adversidades em reencantamentos de outros mundos possíveis.

Projetada como plataforma viva para documentação, colaboração e reflexão, MESA é uma escultura social que mobiliza seu devir revista-escola ao atuar como ponte e “mesa” entre artistas, pesquisadores, instituições, universidades, comunidades, professores e estudantes de diversas áreas dentro e fora do Brasil. Estes processos teceram fios essenciais para a introdução às complexas cartografias do escondido neste número. Desenvolvida ao longo de 2019-2021, a partir da semente geradora da exposição “Baía de Guanabara: Águas e vidas escondidas” (2016) no MAC Niterói, esta edição conecta iniciativas locais desde as periferias do Morro do Bumba, Niterói e São Gonçalo, ao Vale de Jequitinhonha; da busca pela verdadeira história racista e sexista por trás das mulheres internadas em asilos brasileiros às mães em luto pelas suas crianças desaparecidas na cidade de Juárez no México; das revelações de abusos cometidos contra os povos indígenas ao sempre presente legado transgeracional da repressão política e perdas de vidas durante as ditaduras no Brasil, Argentina, e Chile; e por sua vez, a confluência entre arte e ativismo desde a Pequena África, pequena comunidade “escondida” na zona portuária do Rio de Janeiro, às práticas socialmente engajadas em diferentes contextos geográficos e socioculturais e organizações na Irlanda, Escócia e Chipre.

Reconhecemos que as iniciativas de pesquisa-ação, encontros e conversas com e entre os colaboradores foram fundamentais para o projeto editorial. Assim se reafirma a base ética defendida em todas as edições anteriores com ênfase na criação coletiva, nas práticas artísticas dirigidas à formação de redes de colaborações como geradoras de conectividades e vínculos entre diferentes setores e organizações sociais locais e elos afetivos. Literalmente como uma “mesa”, tanto faz uso quanto reinventa o formato de revista como um dispositivo para iniciar, investigar e conectar diferentes mundos, conversas, pesquisas e práticas, mapeando, documentando, debruçando em ressonâncias estéticas e éticas dentro e através de diferenças. Cada edição ao mesmo tempo que constrói também se volta como bumerangue às questões das edições anteriores. Atuando como uma membrana constantemente evoluindo de micropolíticas, contato e reciprocidade, muitas das contribuições das “Vidas Escondidas” são resultados de longas e ainda em processo conversas e colaborações.

As apresentações que se seguem introduzem alguns temas e fios condutores sugeridos pelos próprios conteúdos das contribuições. Embora organizados aqui em tópicos específicos, todos dialogam entre si.

Às margens: “Do-in” artísticos, ecossistêmicos e pontos de acupuntura social

Quanto mais nos debruçamos nestas margens, mais se multiplicam as descobertas de vidas escondidas emergindo juntamente com exemplos de comunidades de afetos e ativismos socialmente situados estrategicamente ocultos dentro de que pode ser abordado como microgeografias de “do-in”, pontos de acupuntura ativados criticamente. Este conceito chave foi apresentado por Gilberto Gil como “do-in antropológico”, no qual se enfatiza uma prática “celular” que alimenta e catalisa a potencialidade que já existe nas localidades periféricas – fora dos grandes centros. Reconfiguram-se agenciamentos e ativismos em bases afetivo-comunitárias, desafiando os discursos, os circuitos e territórios pré-estabelecidos dos circuitos da arte. 

Este é o caso do “do-in” da arte ambiental da Casa Museu Rancho Verde na favela do Bumba em Niterói, RJ. Inspirada na casa do Sr. Hernandes José Silva (HJS), “um jovem de 92 anos”, como ele é afetivamente conhecido pela sua arte de reciclagem de lixo e restauro de objetos achados, o projeto igualmente está em constante processo de mutação e expansão em diálogo com a visão e fluência criativa de HJS. A vida e artesania imersiva de HJS integra transformações existenciais, espirituais e poéticas que em princípio, poderiam ser vistas como uma versão do Bispo do Rosário, mas, não apenas pela apropriação/reciclagem a que submete os materiais que chegam até ele, como também pela metafísica que opera entre escuta de vozes, sistemas e visões em sonhos. Ambos foram conduzidos pelo fenômeno da criação artística que transborda a razão humana como casos excepcionais de transformação mútua entre arte, ser e habitar imerso na confluência entre estado poético existencial-espiritual. A Casa Museu Rancho Verde nasce do carisma-fenômeno do Sr.Hernandes catalisando de imediato a formação de redes de solidariedades em ação ambiental como um “do-in” ecossistêmico que se torna um caso muito especial de vidas escondidas em transformação.

Maria Ignês Albuquerque e Priscilla Grimberg, coordenadoras, criadoras e cuidadoras do projeto Casa Museu Rancho Verde, contam como foi se construindo o conjunto de redes de colaborações da vida, da casa e da obra do Sr. Hernandes. A genealogia desse projeto é conduzida por duas raízes dramáticas de mortes e reinvenção regenerante de vidas. Assim, o descaso trágico do deslizamento de encosta sobre o antigo lixão da cidade e a perda de muitas vidas no Bumba em 2010 faz um contraponto existencial restaurativo com o início das coletas e reinvenções de vida-função para os objetos achados na rua pelo Sr. Hernandes. Assim também, no mesmo ano ampliam-se as ressonâncias a partir do programa de parceria experimental entre o Núcleo Experimental de Educação e Arte do MAM Rio com o Tribunal de Justiça, através da CPMA (Central de Penas e Medidas Alternativas) coordenada por Ignês Albuquerque. A dimensão experimental restaurativa atravessava a colaboração entre educação e o programa de justiça e redução – penalidades e medidas alternativas do CPMA – o que levou as duas a visitarem a casa em “gestação de futuros” do Sr. Hernandes. Nesta sequência de sinergias e encontros, Ignês e Priscilla também se aproximam reconhecendo interesses comuns nas questões ambientais e os impactos dos resíduos no meio ambiente. Neste artigo, Ignês e Priscila buscam abordar a importância restaurativa das redes solidárias conjugando práticas artísticas, ecossistêmicas e clínicas dentro de um processo de transformação existencial e ambiental – “inspirando práticas para transições voltadas a pessoas comuns, em lugares comuns, em especial nas periferias, como é o nosso caso, no Morro do Bumba em Niterói”.

Em Um conto como ferramenta a participação da artista Sandrine Teixido traz sua prática artística dedicada a gerar mobilizações e memórias em lugares marcados por catástrofes através de duas tragédias – na realidade e na ficção literária. O conto de Edgar Allan Poe “Uma descida no maelström” é adotado como ferramenta a/efetiva e crítica de lidar com os impactos emocionais e traumas (ecopsicológicos) das vítimas de uma tragédia. O artigo de Sandrine amplia as abordagens sobre a Casa Museu Rancho Verde como um ponto gerador e indagador de “diferentes potenciais” gerando “formas de arte que exploram e questionam as possibilidades de uma ‘arte em comum’”. O Bumba e a trajetória comunitária das transformações solidárias em torno do Sr. Hernandes alimentam os interesses de Sandrine por uma “arte que combina pesquisas e práticas partilhadas numa época em que o ‘antropoceno’ nos obriga a aprender a viver.”

O ensaio imagético Assim falou H.J.S é um recorte do vídeo documentário em processo de Leandro Almeida, educador e vídeo documentarista, capturando afetivamente o universo do personagem “Seu Hernandes” através das transformações recíprocas entre vida e Casa Museu Rancho Verde. Leandro vem acompanhando a história dos dez anos desse projeto através das diferentes fases e colaborações que foram se envolvendo como partes pulsantes da casa viva de corações doadores em torno do Sr. Hernandes, Ignês e Priscilla. Nesse sentido, Leandro também investe na produção desse vídeo como instrumento de registro e reconhecimento da “importância cultural, artística, educativa, ambiental e representa uma filosofia de vida materializada.” Leandro faz parte dessa rede de colaboradores investindo na sustentabilidade e futuro desse “personagem interessante cuja capacidade inventiva e produtiva de reinventar objetos, de criação artística, de contar histórias e filosofar vida escondida renasce aos 80 anos, sendo hoje já um Patrimônio Cultural, de natureza material e imaterial da cidade de Niterói.”

A contribuição da escritora Cris Seixas conclui com chave literária as leituras da Casa Rancho Verde apontando para uma ressonância intuitiva entre duas forças poéticas vitais ou “poetas de resgate” aproximando os escritos de HJS da poesia de Manoel de Barros. 

O sentido de “do-in” cultural se aplica a uma ação focal específica e local que pode irradiar sua potência afetiva e ecossistêmica para o seu entorno, catalisando ressonâncias e efeitos restaurativos e terapêuticos do sentido de lugar. Assim reconhecemos essa dimensão clínico-restaurativa nas periferias remotas da Irlanda, descrita no diálogo com o artista Willem Van Goor, sua esposa Doutsje Nauta e o Reverendo Val Rodgers, relatando uma cerimônia religiosa de reconciliação interdenominacional realizada em 24 de setembro de 2011, na Igreja de St. Thomas, em Dugort, no extremo norte da ilha remota de Achill, no oeste do pais. A cerimônia contou com leituras interreligiosas, músicas tocadas por Van Goor no órgão da Igreja de St. Thomas e uma homenagem aos túmulos sem lápide de católicos e protestantes enterrados no terreno da igreja. Contar a história da antiga missão protestante da Igreja de St. Thomas significa revisitar as memórias escondidas da época dos conflitos entre protestantes e católicos datadas da Grande Fome na Irlanda do século XIX. Apesar das transformações no país nas últimas décadas, essa história remete a uma longa e dolorosa memória ainda velada e enraizada na política colonial, na pobreza, nas lutas contra o domínio britânico e na guerra civil.

A potência de uma poética de “do-in” pode ser tomada como uma prática ética e estética que atua justamente nas cicatrizes históricas e sociopolíticas, sendo reconhecida em diversas margens do mundo na busca daquilo que Silvia Federici escreve como “um reencantamento”, na contramão dos sistemas capitalistas e dos legados coloniais de injustiças e desigualdades. Podemos constatar esta potência “do-in”, no contexto da ilha do Chipre (visto tanto através de sua geografia periférica quanto de seu conflito político não resolvido entre dois dos principais grupos étnicos que lá vivem, os cipriotas turcos e os cipriotas gregos), em uma prática socialmente situada, investida no local, mobilizando ações coletivas e criando pontes entre arte e ativismo. Como o que apontam as historiadoras da arte Esra Plumer-Bardas e Evanthia Tselika – coeditoras do estudo do caso Conversando através da Zona Tampão cipriota: tornando visível o invisível – na arte que insiste “em criar fluxos através da divisão e em moldar ainda mais pontos em comum entre nós.” O estudo de caso “polivocal” oferece um mapeamento dessas práticas abraçando uma variedade de metodologias e ações incluindo intervenções públicas, residências artísticas, projetos coletivos, espaços gerenciados pela comunidade. Nele, contribuíram as seguintes organizações e iniciativas: AA&U, Associação Europeia de Arte Mediterrânea (EMAA), Free School, Hands on Famagusta Initiative, NeMe, Pikadilly, Re Aphrodite, Rooftop Theatre Group, Sidestreets Culture, Studio 21, Urban Guerillas, Visual Voices e Xarkis. Como organizações, elas se concentram não apenas em questões relacionadas às interfaces interétnicas e à transformação de conflitos, mas também em tópicos universais de direitos humanos, plataformas feministas, LGBTQI e ação sindical, bem como na construção de diálogos entre cipriotas e a segunda e terceira geração de migrantes e outras comunidades que vivem no Chipre. O estudo também destaca algumas contribuições artísticas especificas que operam nessa tessitura sociocultural. Os vídeos da artista Alev Advil Architecture of Forgetting: Journeys into the Dead Zone (Arquitetura do esquecimento: Jornadas às zonas mortas), as intervenções de Twenty Three e os desenhos de Hüseyin Özinal são justapostos na seção Arte, Ativismo e Política de Resistência, a fim de extrair, como as coeditoras observam, “as experiências comuns de como os artistas criam obras sobre – e com – aqueles que não são vistos e não são representados, transformando vozes ocultas em um reino de visibilidade.”

Devolvendo o mundo ao mundo

São Gonçalo à frente! Assim conclama a Renata Bazílio com Laura Lima, para dar luz ao escondido no agir social pela coleta de relatos de mulheres resistentes: Marisa Chaves, Oscarina Siqueira, Cristhiane Malungo, guerreiras do Movimento de Mulheres em São Gonçalo e do Fórum Estadual de Mulheres Negras RJ e a grafiteira Aila Ailita. Entre tantas repressões e distorções políticas escondidas, a vida das mulheres de São Gonçalo é uma saga heróica da solidariedade desse movimento que enfrenta novos desafios com a pandemia. Onde “a realidade periférica” é “impressa sobre o chão das ausências e negligências do poder público”, estes movimentos e suas redes de solidariedade “revertem o terror em acolhimento, a desinformação em presenças públicas.”

Gabriela Bandeira, artista-pesquisadora, desenvolve sua pesquisa e processualidade artística pelo habitar-vida-transformação recuperando histórias e memórias locais e familiares como estratégia de resistência ecossistêmica que abrange o inventário de saberes e fazeres da ameaçada pesca artesanal na comunidade de Gradim, sua terra natal nas margens do fundo da Baía de Guanabara em São Gonçalo. Gabriela vem descobrindo no bioma dos mangues um cosmos de diferentes modos de existência e ancestralidades escondidas. Assim, busca “conferir visibilidade à comunidade caiçara nessa localidade e tensionar suas lutas e reivindicações.” Através da Atenção às redes de si, Gabriela vem abrindo caminhos e afirma que “vale conferir a minha localização de fala, sou filha de pescador, nascida e criada em uma região urbana pesqueira, em São Gonçalo, que sofre com os legados da industrialização, em um município às margens da Baía De Guanabara, no Rio de Janeiro.” Entende-se a si mesma como “agente do sensível”, e se pergunta: “como fabricar ideias que nos façam agir?”

Jeff Medeiros, artista igualmente nascido em São Gonçalo, expressa abertamente no título de seu trabalho a inquietação: Quem nos desvelará se não nós? Sua resposta se dá pela fricção contundente entre a cidade vista como lugar de serviço e, por outro lado, no seu avesso escondido, como lugar da vida. Nessa dobradura, Jeff traz e transforma a sua produção artística em engajamento na história da complexidade circundante de São Gonçalo, onde cresceu e testemunha até hoje tanta violência. Em suas peças Jeff aponta para a condição serviçal de origem e destino da maioria dos moradores de São Gonçalo. Ao mesmo tempo molda resistência do habitar-vida-luta como arte e argamassa do seu ativismo ético-estético e pedagógico. “O que condeno é a exploração e o entendimento de que determinados lugares só possuem força de trabalho a ser subjugada, tendo suas epistemologias e suas produções de vida negadas.”

Começar pelo meio: por uma escola que não cabe. Assim colaborativamente nomeamos o foco especial em educação ainda parte do estudo de caso Cartografias de São Gonçalo. A chamada por pedagogias democráticas são ativadas pelas perguntas da Madalena Vaz Pinto – professora da UERJ em São Gonçalo, e que leciona também no Mestrado Profissional de Letras – “porque tem vida lá fora. isso não dá para negar. tem vida naqueles seres que habitam a sala, que falam com você, inquirem você com o olhar. então? o que vamos fazer?” buscando romper com o silêncio das salas de aula, os modelos do que cabem ou não aos regimes escolares. Essas inquietações e desassossego provocam a todos; quanta vida escondida tem lá fora! A busca por escutas diretas da vida deu partida a esse projeto de colaboração tripartite com Madalena e suas ex-alunas e professoras da rede estadual do Rio de Janeiro, Raquel Danielli e Renata Targino, seus alunos do ensino médio e estudantes do curso de Cinema da UFF, Mariana da Lima Silva, Cintya Ferreira e Gabriel de Souza Vieira, também moradores de São Gonçalo. Começar pelo meio inclui três breve ensaios de Madalena, Raquel e Renata, respectivamente: Somos árvore: escrevivências e (des)construção;  Leituras e reflexões em voz alta: exercícios de uma cidadania plena das “vozes do sul”; e Um texto, três tempos. Cada uma refletindo e indagando sobre práticas pedagógicas mais democráticas e plurais na sala de aula, além do curta-metragem Um breve inventário de pequenos deslizes, realizado durante a pandemia através de filmagens, imagens e áudios compartilhados por Whatsapp. Existe vida escondida lá fora.

Esconder, Escondido e Esconderijo

Três distintas experiências que são reunidas aqui propõem inflexões entre esconder, escondido e esconderijo e apontam para importantes portais e passagens para outros imaginários, marginalidades e perspectivas. A adolescência, como adolescer que pode ser transformador ou repressor é contada por uma escrita a quatro mãos entre o professor Luiz Guilherme Barbosa e a estudante secundarista, Joyce Maravilha. Em sua entrevista, os artistas Maurício Dias e Walter Riedweg abordam seu último projeto em processo, as questões de religião e fé e os esconderijos da mente. Angela Mascelani traz o artista popular Ulisses Pereira Chaves que se esconde em lugares remotos do Vale de Jequitinhonha para estabelecer seu universo de criação, co-criação e conexão com outros imaginários.

No diálogo a quatro mãos, para não escrever escondido, o professor Luiz Guilherme Barbosa e Joyce Maravilha, sua aluna no segundo grau do Colégio Pedro II, apresentam um sentido de esconderijo através da passagem da adolescência, do “adolescer”, pela iniciação à literatura como instrumento de “resistência à erosão da atenção duradoura, da concentração reflexiva, da leitura silenciosa” ou refúgio contra a “tendência psicotizante” da imaginação técnica dominante. Na produção de enigmas e esconderijos em seu drama policial, Joyce presta atenção à sua volta como dobra reversível entre realidade e ficção. Seu conto, “Mistério na escola”, surpreende a própria escola por deslocar o protagonismo para o professor, esse sujeito em geral visto com estranhamento pelos estudantes, quase invisível fora da escola, sem vida no cotidiano. Assim como os jovens de São Gonçalo, a adolescência é descoberta como esconderijo e forma fluida entre infância e vida adulta, um entrelugar da existência que também está ameaçado.

Nossa entrevista com os artistas Maurício Dias e Walter Riedweg é centrada no trabalho em processo explorando questões de religião e fé que remetem aos seus vinte anos de carreira juntos sempre trabalhando com populações marginalizadas – jovens moradores de rua, pacientes psiquiátricos, prisioneiros, dentre outros casos. Desde o primeiro encontro ficamos completamente tomados pela generosa partilha de um projeto/processo ainda em gestação – ou que “não está escondido, mas é um embrião, ainda não aconteceu”. Nessa entrevista são tecidos alguns dos fios críticos de suas trajetórias, pautadas pelo envolvimento com pessoas em “situação marginal à razão, (…) pacientes psiquiátricos” diante dos quais o “hospício é um esconderijo. A própria psiquiatria, o conceito da psiquiatria, talvez seja um esconderijo, porque é um lugar de separação”. Destas passagens pelo “universo da psiquiatria” foram revelados inúmeros “esconderijos da mente”, observando que “a religião é um tema onipresente entre eles”. Para esta obra ainda em processos eles planejam a produção de uma obra que evoque a diversidade das experiências contemporâneas entre religião e fé formando “janelas”, como uma vídeo instalação com múltiplas entradas nas quais se podem ver “questões territoriais da crença e da religião” no Brasil e no mundo. As janelas abertas sobre os mundos da religião e da fé revelam como “esconderijos tomam forma de sobrevivência” e se configuram como “uma forma de inteligência e uma forma de interação social.”

Angela Mascelani, através do artista popular Ulisses Pereira Chaves do Vale do Jequitinhonha, aborda não apenas uma vida escondida, mas também seu habitat ecossistêmico como esconderijo, como portal para outros imaginários e cosmogonias. Ao abordar as dimensões complexas do que se esconde e do que se mostra, Angela expõe com clareza o que está escondido ou excluído pela cegueira de uma razão elitista regente das noções de “arte popular brasileira” por fatos e fatores de caráter “sociocultural, territorial e com datação e contornos históricos”. Ao mesmo tempo provoca o reconhecimento de complexidades metafísicas que perpassam as relações entre Ulisses e seu esconderijo. O esconderijo da civilização aproxima o artista, como um demiurgo, do portal do visível e do invisível, das visões de raízes imemoriais de origens cósmicas e ancestrais que habitam e transitam sua criação com e através da Natureza remota. Eu sou Ulisses! Eu falo com o sol, com a natureza,(…) Eu tenho a visão.

Dando luz a estigmas sociais e abusos institucionais

Coorganizado com Helen O’Donoghue, curadora e Head of Engagement & Learning, Irish Museum of Modern Art, em Dublin na Irlanda, o estudo de caso Desvelando o escondido: Arte socialmente engajada na Irlanda Prática oferece uma genealogia das práticas artísticas socialmente engajadas na Irlanda nas últimas duas décadas, em conjunto com um mergulho nas práticas de três artistas sob diferentes dimensões do escondido.

Ao longo de três décadas, Bernie Masterson trabalha com prisioneiros no serviço prisional irlandês contando suas histórias de marginalização e revelando situações de abuso institucional no intuito de chamar atenção para a “realidade de outros que foram deslocados e destituídos”, para “aqueles à margem da sociedade que não são vistos nem ouvidos”, a partir das pautas “de direitos humanos, dignidade, justiça e respeito”. Entrelaçando práticas artísticas e pedagógicas, Bernie tanto estimula a criação dos outros, resultando em várias exposições de seus trabalhos, quanto incorpora as narrativas e perspectivas dos prisioneiros como agente de justiça social através de uma escuta sensível e profunda por dentro de sua produção.

O artista Seamus McGuinness lança luz sobre estigmas sociais dolorosos através de suas colaborações com as famílias de jovens vítimas de suicídio. Seu projeto Lived Lives começou como uma plataforma de pesquisa interdisciplinar em 2005 com o cientista Kevin Malone, professor de psiquiatria do Hospital Universitário de St. Vincent/University College Dublin (UCD), e acabou por conferir a Seamus McGuinness um PhD em 2010 pela Faculdade de Medicina (UCD). Desde então o projeto se desdobrou em iniciativas expositivas, programas de diálogo, registros em vídeo e fotografia das experiências, e um arquivo de objetos doados pelas famílias continuando a geração de debate sobre o suicídio, assunto na maioria das vezes velado e estigmatizado, mas lamentavelmente presente e crescente na realidade brasileira.

Vukašin Nedeljković documenta a experiência de refugiados e requerentes de asilo na Irlanda, apresentada aqui por um ensaio visual do artista e um artigo de Anne Mulhall, codiretora de Centre for Gender, Feminisms & Sexualities, na University College em Dublin. Em 1999, o estado irlandês instituiu o sistema de Provisão Direta e Dispersão. No âmbito desse sistema, as pessoas são espalhadas em centros de acomodação, geralmente em locais remotos que, na verdade, aprisionam as pessoas em abrigos. Como refugiado, Nedeljković começou fotografar e organizar um arquivo, desdobrando com um projeto colaborativo a partir do qual foram agregados materiais – textos, imagens, depoimentos – dos impactados. No seu ensaio, Mulhall traça uma narrativa de abuso institucional, muitas vezes velada por uma arbitrariedade burocrática e estratégica. Um contexto entrelaçado por uma longa história de encarceramento específica do estado-nação irlandês e hoje filtrado através das lentes devastadoras da situação do Covid-19 e seu impacto especialmente nas populações migrantes no mundo inteiro.    

No caso dos três, a arte não cura o trauma, é mais, como Nedeljković coloca, “um mecanismo de enfrentamento”, um dispositivo de expor o não dito e o não visto e, como McGuinness observa, um “catalisador” de conversas, desvelando experiências muitas vezes omitidas ou estigmatizas de nosso dia a dia, das histórias oficiais e das políticas públicas. O compromisso a longo prazo com comunidades e contextos específicos dos três artistas aponta para uma práxis artística social baseada na ética, na construção de vínculos e no convívio complexo. É uma prática tanto crítica quanto restaurativa – criando espaços de escuta para enfrentar questões, experiências e dores na maioria das vezes escondidas da vida social e expondo o escondido através da construção de arquivos na contramão da história oficial. 

Do invisível ao visível: Contra narrativas e conclamações por comunidade

Por um lado, o desenvolvimento da prática socialmente engajada na Irlanda pode ser atribuído, em parte, à sua condição periférica; por outro, no Rio de Janeiro, essa prática se faz em meio ao cruzamento de submundos e bolsões periféricos, onde pulsam simultaneamente uma cidade partida e uma cidade cheia de vitalidade. Nesse segundo caso, essa prática se faz questionando velhas cartografias de centro e periferia, enquanto entrelaça arte e ativismo numa afirmação da potência de criação e resistência do lugar. Vidas escondidas que revelam vidas escondidas na Pequena África é um diálogo entre os artistas/ativistas Diego Zelota, Sandro Rodrigues e Thiago Haule, moradores da Pequena África na região portuária da cidade, e a curadora/pesquisadora Izabela Pucu. Em suas práticas de resgates históricos, de mobilização coletiva, Diego, Sandro e Thiago usam registros fotográficos e a impressão em lambe-lambe dos personagens locais destacando vidas escondidas abrindo, como Izabela sugere, “possibilidades para as pessoas mudarem suas concepções sobre seu lugar de origem e sobre elas mesmas”. Assim, para eles, a arte opera pelo habitar e pertencer a uma comunidade de resistência como instrumento gerador de “contra narrativas”. Neste caso, arte e estratégias de re-existência convergem como formas de lutar, habitar e consciência coletiva, deflagrando outros modos de vida juntos. Como Diego anota: “Quero reverenciar gente igual a mim, gente do meu território”.

A conclamação por comunidade em Não tire as crianças da sala! Sobre a Biopolítica das Mães Solteiras em tempos de Covid-19 é mais uma inscrição nas demandas regenerantes por novos modelos de futuro. O diálogo entre duas mães solteiras, a artista brasileira Lívia Moura e a pesquisadora cipriota Chrystalleni Loizidou, se desenvolve com ênfase na desvalorização da mulher, mãe e crianças como sintomas e heranças do que se arrasta e do que sufoca a humanidade em seu percurso de autodestruição da cultura de violência dominada pelo patriarcalismo e capitalismo globalizado. A partir das residências realizadas em 2016 e 2019 entre Chipre e Brasil, as duas identificaram como violências escondidas nas complexidades do mundo contemporâneo: a condição de isolamento e sua diretiva paradoxal que “marginaliza e oprime as crianças”; e a infantofobia e a biopolítica dessas condições. Assim apontam como possíveis “guias” de saída dessa crise um modo inclusivo e comunitário de pensar e atuar, (des)escondendo e abraçando a adversidade e o fluxo natural da vida – como diz Ailton Krenak “não tirando as crianças da sala”.

Testemunho como prática poética

José Santos, no seu artigo Vidas/Mortes Escondidas: Rumo a uma ontologia do desaparecimento forçado no Chile ditatorial, traz complexidades extremamente inquietantes ao sentido do esconder – o escondido do não encontrado morto, mas também o não vivo, como observa, aquilo que “não está, mas supostamente continua sendo e, então, se espera que volte a estar presente.” José se debruça sobre essa condição paradoxal ontológica de uma existência escondida ou exterminada que paira entre o ser e o não-ser. Através de testemunhos dos viventes cativos dos fragmentos de memórias, José configura a potência existencial e psíquica do estado infinito (não finito) de quem vive entre presença/ausência marcando o incontornável destino de “habitar o luto”. Nesse artigo, José não deixa de tecer questões políticas e filosóficas amparadas pela experiência vivida de dor das famílias dos desaparecidos e seu legado social e emocional na história do país.

Como lidar com esses lutos e lutas? Que práticas artísticas poderão abrandar essas feridas na recuperação e transformação de memórias e histórias da dor, violência do estado, trauma, estigmas e seus impactos familiares e socioculturais? Em paralelo com as questões levantadas por Santos no contexto chileno, o estudo de caso Testemunho como prática poética reúne projetos recentes envolvendo ações e reversões contínuas entre estética e ética, política e clínica. São quatro distintas abordagens a época da ditadura no Brasil de 1964 a 1985, e seu legado transgeneracional; as atrocidades cometidas pelo estado contra os povos indígenas; e a questão da loucura como um dos maiores dispositivos de silêncio-esquecimento, racismo, opressão e apagamento das mulheres, especialmente mulheres negras, atingindo seu extremo com a internação compulsória no manicômio.

No seu artigo Agenciamentos ético-estético-políticos na reparação dos danos causados pela violência de Estado, a psicanalista e analista institucional Tania Kolker relata o encontro entre arte, clínica e política da mostra “Destempos: Testemunho como prática poética”, que deu também o título deste estudo de caso. A mostra foi proposta no contexto do Projeto Clínicas do Testemunho, uma iniciativa para “garantir o atendimento psicológico e produzir subsídios para a construção de uma política pública voltada para a atenção aos afetados pela violência do Estado.” Na sua escrita ricamente entrelaçada com as experiências dos afetados, Tania mostra como esse “devir testemunha”, mobilizado em atos fundamentalmente coletivos de “testemunhar”, oferece “a possibilidade de dar sentido a experiências há tanto tempo silenciadas” refazendo “os laços entre as palavras e o mundo”, restituindo “a capacidade de fundar novos mundos”.

O projeto-exposição-manifesto “Destempos” realizou-se em colaboração com o Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça. A artista Anita Sobar, filha de preso político e co-curadora do evento “Destempos”, traz Kênia Maia, psicóloga-professora-ativista, filha de desaparecido político, para compartilharem experiências e reflexões lidando com a transferência da dor emocional, física e social sofrida pelo pai e pela família, e as tentativas de transtornar e transformar a dor através de ações estético-políticas em contextos urbanos. O devir clandestino <entre aproximações e desvios> é tanto uma genealogia dessa dor transgeracional, quanto construção de si como artista que, pelo ativismo, reconhece também a clandestinidade como dobra ético-estética, e política, pelo coletivo, onde “o testemunho tornou-se peça fundamental para a composição dessa prática”. A escrita foi sendo produzida como um “ajuntamento de ambas as filhas”, que se reconhecem movidas pela mesma dor transgeracional de denunciar “o silêncio” como parte das engrenagens de esquecimento do Estado.

Tornar público o escondido, dar forma ao silenciado, ao não dito ou visto, e testemunhar o legado (e continuação) da violência do estado não poderia ser mais urgente. Outro ensaio nesse estudo de caso é sobre a instalação/performance Leitura pública do Relatório Figueiredo, uma proposição da Escola da Floresta (uma escola alternativa em São Paulo liderada pelo artista Fábio Tremonte). O Relatório Figueiredo, redigido a partir da investigação parlamentar em 1967, conduzida pelo procurador Jader Figueiredo Correia, detalha crimes praticados por funcionários públicos do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) contra populações indígenas. O artista propõe em suas instalações, com mesas, microfones e as 7000 páginas do relatório, leituras em voz alta, colocando-nos em contato direto, de maneira crua, com esse material, ao mesmo tempo em que traz a sociedade para incorporar o ato espelhado de cumplicidades entre enunciação, vítima e testemunha dessa história das atrocidades cometidas pelo Estado contra os povos originários.

Entre o escondido e o testemunho abrem-se diversas práticas artísticas restaurativas, que se transformam em presença/agências do sensível, mobilizando formas críticas e restaurativas do testemunhar. Assim, foi elaborado o projeto Em busca de Judith, que se tornou um longa metragem a partir de uma ideia original de peça da atriz Jéssica Barbosa, com a direção do músico Pedro Sá Moraes. A descoberta do destino de sua avó, Judith, somente aos 32 anos, depois ter seu próprio filho, se transformou em matéria sensível e existencial para a busca pelo sentido da origem, loucura, da memória escondida em fragmentos perdidos da história de sua avó, Judith, e justiça restaurativa ao expor o silenciamento do racismo direcionado às mulheres negras. Judith foi internada num manicômio até o fim de sua vida quando seu pai só tinha dois meses de idade. O ensaio de Jéssica e Pedro nesse estudo de caso foi escrito em conjunto com Diana Kolker, curadora pedagógica no Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea, onde eles realizaram uma residência artística explorando o processo dessa construção.

Dando forma, reconfigurando memória e queering o arquivo

A busca por vidas escondidas, biografias e experiências ocultadas e apagadas, nos aproximam da conhecida imagem de Benjamin dos “catadores”, como trapeiros da história, peneirando verdades, achados, memórias – muitas vezes frustradas. Uma procura que termina por se revelar como investigação do mundo e de si mesmo, das relações familiares e sociais que sempre resultam ou mais precisam de uma espécie de reconfiguração ou reconstrução de memória.

Ensaio da Identidade, 2005-2020: Mayra Martell – Saudade: estar longe de quem te habita, a fotógrafa Mayra Martell documenta jovens mulheres que desapareceram, tomadas como mortas, na cidade de Juárez, México. Através de fotografias dos espaços e pertences pessoais das mulheres desaparecidas e visitas as suas mães enlutadas, Mayra dá forma ao escondido – à eterna presença/ausência de estar desaparecida, quando mesmo não encontrada mantém os elos afetivos do amor familiar. Ela iniciou esse projeto depois de ver posters nas ruas de buscas por pessoas desaparecidas: “Quando eu vi esses cartazes até minha alma ficou muda. Desde aquele momento eu não parei de sentir aquele vazio.” Para MESA, Joana Mazza, curadora e pesquisadora, apresenta uma seleção dos trabalhos da Mayra, situando sua prática dentro do contexto das vertentes do documentário fotográfico de ativismos sociais na América Latina.

No seu artigo Trazendo à luz: testemunhos visuais de sobrevivência, Carolina Pizarro Cortés explora três projetos/exercícios artísticos de protesto produzidos no Chile e na Argentina, dando especial ênfase a ressignificação de modos de sobrevivência de “vidas ocultas” de vítimas e seus herdeiros em estado contínuo de luto e luta. Carolina aborda os projetos de Julio Pantoja, que dão origem ao ensaio fotográfico e à exposição intitulada Los hijos. Tucumán veinte años después; a Arqueología de la ausência, da artista Lucila Quieto; e por último, a exposição Vivos recuerdos (Vivid Memories), encomendada pelo Partido Socialista do Chile. Através de diferentes usos de imagens, manipulação digital, fotomontagem, projeções encenadas, esses projetos partem de uma fotografia, seja íntima ou oficial, retrato ou cena, que inspiram poéticas de re-apresentação – re-encontros relacionais imaginários (presença/agência) de um/uma detido/a desaparecido/a entre vítimas e seus amados. As intervenções se tornam também performativas quando provocam inserções transtemporais em projeções e fotomontagens de natureza intermidiática dialogal ou relacional (ou o que ela chama “fotografia de segundo grau”). Aqui ao invés da ausência dos desaparecidos, o que é enfatizado é a presença relacional ainda viva.

A potência de reimaginar e reconfigurar arquivos, acervos e as próprias instituições a partir de vínculos afetivos é a base do artigo de Caroline Gausden, Recusas, resistência e acolhimento alternativo: Artistas, práticas queer e Glasgow Women’s Library [Biblioteca de Mulheres de Glasgow] (GWL). Com ele, é possível pensar ao avesso dos modi operandi das grandes instituições. Esta instituição é como uma casa com mesa de cozinha, mas também uma escultura social, des-escondendo suas práticas de hospitalidade para manter um espaço de acolhimento e criatividade, ao mesmo tempo investigando e desafiando as mesmas. Muito mais do que uma biblioteca, a GWL realiza eventos com parceiros em diversos locais rurais e urbanos, nacionais e internacionais. O artigo conta a genealogia da organização e iniciativas recentes de hospitalidade e queering em suas coleções por três artistas, Juliane Foronda, Kirsty Russell, e Tako Taal.

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Oferecemos esta 6ª edição como micro constelação do escondido na busca por modos possíveis de enfrentamento às engrenagens de silenciamentos. Por isso, investimos no mapeamento de iniciativas artísticas, coletivas e sociais em prol de um reencantamento do mundo, por uma plataforma-escola na contramão das injustiças e desigualdades sociais. Entendemos que temos muitas outras vidas e mundos escondidos, outras histórias para contar, memórias a serem desengavetadas, vidas e lutos a serem restaurados e reparados, lutas a serem regeneradas, arquivos e políticas a serem reconstituídos. Esperamos através dessa cartografia singular do escondido poder inspirar outras conclamações, contra narrativas, iniciativas de “do in” socioculturais e devoluções “polivocais” do mundo ao mundo. É importante enfatizar que seria impossível realizar essa edição sem a enorme generosidade e infinitas colaborações de todos os contribuidores que aqui agradecemos de todo nosso coração.