Nº6 VIDAS ESCONDIDAS
Pátio 29, Cemitério Geral, Chile, 2019. Foto: Javiera Santos Pizarro.

Vidas/Mortes Escondidas: Rumo a uma ontologia do desaparecimento forçado no Chile ditatorial1

José Santos Herceg

O escondido nos confronta com um modo de ser muito particular. Coloca-nos diante de um cenário ontológico diferente do usual. O escondido não está, mas supostamente continua sendo e, então, se espera que volte a estar presente. Não é percebido – não pode ser visto, não se pode sentir seu cheiro, não pode ser tocado – foi coberto, está oculto. Está desaparecido sensorialmente. Seu desaparecimento ontológico não foi confirmado; na verdade, presume-se que continue existindo, que continue sendo e, portanto, a busca continua. Uma busca que pode se estender no tempo, até mesmo para sempre, se o que não está tiver deixado de ser sem que se saiba, sem que se tenha notícia. O escondido também pode não ser; nesse caso, porém, não se saberá, não será possível saber, uma vez que ele não está. Não está à vista e, portanto, pode ser que ele ainda exista ou não: o escondido se situa entre o ser presumido e o não ser possível.

O desaparecimento forçado de pessoas compartilha com o ato de esconder essa condição ontológica anômala. Esconder é, de fato, um elemento essencial desse crime, definido como a “ocultação do paradeiro da pessoa desaparecida”, de acordo com o artigo 2º da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado.2 A seguir, mencionaremos diferentes momentos do desaparecimento forçado. Tomaremos o caso chileno como paradigma. Alguns desses momentos se distinguem temporalmente – antes ou depois; já outros, não: são simultâneos, mas sempre individualizáveis ontologicamente. São momentos de uma variação ontológica. São diferentes “cenas” do ser do desaparecimento.

O ser que deixa de estar: esconder a vida

As pessoas são detidas por agentes dos órgãos de segurança. São tiradas de suas casas, da rua, do trabalho com blefes e, sobretudo, com violência. Ibar Aibar relata em seu depoimento: “Assim que abri uma fresta da porta, um grupo ensandecido de policiais – com a cabeça coberta com capacetes de combate, coletes à prova de balas e armamento sofisticado – avançou com fúria em minha direção. Eles me agarraram pelo pescoço, me arrastaram para fora de casa e me jogaram com força no chão”.3 Os golpes são uma constante nos relatos de detenção, como confirma quem os vivenciou: “[f]ui agredido impiedosamente com coronhadas de suas metralhadoras, sem nenhum respeito sem nenhuma consideração, enquanto meu rosto e meu corpo sangravam abundantemente”.4 Os veículos ficavam do lado de fora, preparados. Cassasus conta que, na sua detenção, a carreta “[s]e deslocava como a parca quando sai em busca daqueles que vão morrer. Em silêncio e no escuro”.5 Tudo é rápido e eficiente. Tudo é cruel. Tato Ayress escreve: “[eles] empurraram nossos corpos resistentes até um furgão e nos empurraram para dentro dele…”.6

Uma vez dentro do veículo, vendam-lhes os olhos. Esse é o portal para o mundo das sombras. Ao entrar no automóvel, dizem a Manuel Ahumada: “‘– Canalha, feche os olhos e não vire a cabeça’. Não consegui fechá-los completamente, pois fui cegado por um pedaço de fita isolante que envolveu duas ou três vezes a minha cabeça. Com um golpe, fui para o mundo das trevas, de onde eu só sairia de vez em quando nos dias seguintes”.7 Violentados, espancados e golpeados, eles são arrancados de suas casas e separados de suas famílias, de suas vidas. Nunca sabem para onde vão. Ninguém avisa. Seu destino é desconhecido: a ditadura os escondeu. Eles não estão, mas devem continuar a existir: estão desaparecidos. Pode-se falar aqui de ser no modo de não estar. Os detidos continuam sendo, provavelmente ainda estão vivos, mas não estão mais à vista. Seu desaparecimento é, por enquanto, apenas sensorial: eles deixam o domínio da percepção. Não se pode mais vê-los porque não se sabe onde estão, pois estão escondidos.

O ser procurado: movimento infinito

Dois dias após o golpe, com o toque de recolher suspenso por algumas horas, as mulheres supostamente de luto saem em busca de seus respectivos companheiros. Deixam seus filhos pequenos com as vizinhas. Andam pelos quarteirões que as separam do primeiro quartel ou regimento. Perguntam, mas não obtêm resposta. São expulsas sem qualquer explicação. Ficam assustadas, como animais indefesos. Vão para um lado… depósito de cadáveres, hospital… para outro… Assistência Pública, necrotério. Traçam rotas, que seguem com precisão. Outro regimento, mais um quartel. Prefeituras, Comandâncias. Tenências8.

Assim que ocorre o desaparecimento, os cônjuges, filhos, filhas, irmãos e irmãs começam a busca. Alejandro Witker conta que “[a]s mulheres iam de um departamento militar ao outro, coletando notícias sobre transferência de prisioneiros, muitos dos quais eram desaparecidos permanentes ou temporários; perguntando por nós, chegavam a ir ao necrotério”.9 Juan del Valle descreve a jornada de sua esposa procurando por ele em quartéis, regimentos, hospitais, necrotérios e até em cemitérios.10 Conta que ela recebia sempre a mesma resposta: “Não, senhora; não tem ninguém com esse nome aqui”.11 Centenas, milhares procuravam seus desaparecidos e não obtinham resposta. Muitos encontravam apenas maus-tratos, mas não desistiam. Rolando Carrasco relata: “Algumas são espancadas e outras são detidas. E há também as que recebem um tiro como resposta. Mas surgem mais”.12

Quando finalmente conseguiam encontrar seus desaparecidos, se instalavam do lado de fora, como uma crosta, um cordão que envolvia os complexos militares perguntando, exigindo. Os familiares sitiavam os locais, até mesmo os mais remotos, formando verdadeiras “colmeias”, como diz Carrasco.13 Entretanto, esse contingente externo era mutável. Os detidos nunca ficavam muito tempo no mesmo lugar. Assim que eram encontrados, eles eram transferidos de novo: voltavam a escondê-los, iam mudando o esconderijo. Da mesma forma, os parentes iam se deslocando, continuando a busca. O modo de ser de quem foi escondido pela ditadura é o de ser procurado. Ser procurado infinita e incansavelmente é o que caracteriza a condição ontológica do desaparecido. Foram, desde o início, e são, até hoje, os procurados. Você procura o que espera encontrar, o que sonha em encontrar. A procura pressupõe a existência do procurado. Não há razão para procurar o que já se sabe que não existe. Enquanto estão apenas escondidos, a procura persiste… a esperança persiste.

O ser não sendo: ser um desaparecido

Passemos do “estar desaparecido” para “ser um desaparecido”. Uma condição, um estado de coisas, transforma-se em uma definição; torna-se o modo de ser: detido desaparecido. Estella Schindel vê claramente essa mudança ao analisar a imprensa argentina. Os primeiros detidos estão desaparecidos e, com o tempo, eles se tornam desaparecidos. Essa transformação também atinge os familiares. Há um salto de ser parente de alguém que está desaparecido para ser parente de alguém é um desaparecido. Gatti ressalta acertadamente que o verbo “desaparecer não é conjugado junto com o verbo estar; é algo que se relaciona ao verbo ser”.14 Os desaparecidos não estão só desaparecidos, mas chegam a ser desaparecidos, o que constitui um “modo de ser” particular ou, como diz Gatti, um “novo estado de ser” que se situa entre a vida e a morte, a respeito de quem não se sabe se está vivo ou morto.

Ser no modo de “ausência” é característico desse modo de ser do desaparecido. A presença da ausência. Segundo Gómez Mango, o desaparecido está “sempre presente na própria ausência”.15 A falta, a carência, o vazio é o modo de ser do desaparecido. É um oco, espaço em branco, lugar abandonado. “A verdade é que o que sobra depois do desaparecimento se assemelha a um vazio (o esvaziamento), uma ausência”.16 Mas a ausência não é nada; ou melhor, é nada. Como diz Maillard: “Claramente, é muito diferente dizer ‘aqui não há nada’ do que dizer ‘aqui há o nada’”.17 A ausência que é o desaparecido tem consistência própria, existe, pois “[o] que existe tem muitas faces (o visível, o normal, o presente) e contrafaces (o invisível, o anormal, o ausente)”.18

A sua ausência – ausência em geral – nos apavora, não sabemos lidar com ela: timor vacui. “No Ocidente, pelo menos, a ausência é execrada e, quando nos deparamos com ela, reagimos com pavor, não a aceitamos e procuramos preenchê-la com significado”.19 O desaparecido desperta dor e horror. Ser no modo da chamada “ausência ruim”. A ausência do desaparecido não é qualquer ausência, é uma ausência ruim. “É uma ausência que dói, mas é mais do que isso porque é uma ausência ruim – inesperada, catastrófica, repentina, violenta – que se administra com dificuldade e que deixa quem a sofre em estados individuais e coletivos para os quais há poucos manuais, pois afeta tudo: coisas, provas, palavras, linguagem, imagens”.20

O não-ser que não está: esconder a morte

Um ex-agente que conta sua versão dos fatos afirma que trabalhou na Brigada Tucán sob o comando do coronel do exército Germán Barriga Muñoz e que em 1976 teve que amarrar Marta Ugarte Román com arames a um trilho de trem e depois colocá-la em um helicóptero Puma do Exército. A aeronave – com piloto, copiloto e um agente – rumou ao litoral para lançar sua “bagagem” ao mar.21

Os detidos são assassinados, mortos, e os seus corpos são retirados à noite, furtivamente, sem que ninguém veja. Em alguns casos, são destruídos. O que se esconde não é apenas o corpo enquanto vestígio ou rastro, mas a própria morte. Esconde-se sua morte, esconde-se seu não-ser. A ausência pode ser apenas um esconderijo: fora da percepção, além da vista. Em princípio, presume-se a existência do escondido. É possível, porém, que algo deixe de ser enquanto está escondido e seu desaparecimento se torne ontológico, que deixe de ser sem que se saiba. Seu desaparecimento definitivo não é revelado. O que deixou de ser está escondido: esconde-se o não -ser.

Pátio 29, Cemitério Geral, Chile, 2019. Foto: Javiera Santos Pizarro.

Acerca do desaparecimento forçado, Paz Rojas destaca que foram muitos os que participaram da sua execução, mas os que desempenharam um papel central foram “…aqueles que decidiram como e onde ocultar ou destruir os corpos”.22 As primeiras ocultações foram enterros clandestinos como aqueles realizados no Pátio 29 do Cemitério Geral. O Cemitério Geral era um esconderijo, lá corpos foram ocultados, lá a morte foi ocultada. Entretanto, esse não foi o único esconderijo usado pela ditadura. Fornos de Lónquén, Cuesta Barriga, Desertos do Atacama, morros, destacamentos militares, Pisagua etc. Também há corpos escondidos debaixo d’água: alguns jogados nos rios, outros no mar. A imperícia e inabilidade dominaram os primeiros dias do Golpe, mas “a técnica foi sendo aperfeiçoada aos mais altos níveis de ocultação, perversidade e crueldade”.23 Um plano chegou a ser concebido para esconder o que já estava escondido, para fazer desaparecer os desaparecidos. O chamado “Retiro de televisores” consistiu em desenterrar os corpos escondidos no solo e lançá-los ao mar. Segundo Paz Rojas: “Os corpos lançados ao mar desapareceram pela segunda vez de forma definitiva”.24

Fazer desaparecer completamente é remover do ser. “Fazer desaparecer, no sentido literal, consiste em apagar uma existência, não só fazer desaparecer o seu corpo, mas também eliminar toda a sua existência. Em outras palavras, é como ‘se eles nunca tivessem nascido’”.25 Paz Rojas fala sobre como a existência é interrompida matando até a própria morte.26 Depois, as mortes são escondidas novamente por trás dos pactos (pacto de silêncio, pactos transicionais), das negações, das informações falsas, da justiça tímida (na medida do possível) e, claro, das Comissões da Verdade, da exigência de reconciliação e dos intermináveis e tortuosos processos judiciais. O resultado são cinquenta anos de silêncio. Os desaparecidos não aparecem, a morte permanece escondida. Esconder é uma ação permanente: o que está escondido permanece escondido. O desaparecimento é um “crime de delito continuado”, segundo Paz Rojas.27

Ser e não-ser: paradoxo ontológico

Enquanto o desaparecido permanece como tal, ele é uma incógnita. Se o homem aparecesse, receberia um tratamento X; se o aparecimento fosse a certeza de sua morte, teria um tratamento Z. Porém, enquanto continua desaparecido, ele não pode receber nenhum tratamento especial, é uma incógnita, é um desaparecido, não tem entidade, não está… nem vivo nem morto, está desaparecido.28

Essa declaração famosa do ex-ditador argentino tem um caráter ontológico claro. O desaparecido é uma “incógnita”, diz Videla, “não tem entidade”. Nem vivo nem morto. Paz Roja ressalta acertadamente: “Eles modificaram o que é impossível e impensável ao ser humano, a não morte”.29 María José López explica muito bem essa “não morte” quando alude ao fato de que “…o ‘desaparecido’ é um preso que foi morto, mas em relação ao qual se criaram condições de irrealidade dessa morte, tornando-a ambígua. Trata-se de alguém cuja morte é sempre presumida, pressuposta, pois sabemos apenas que o perdemos de vista”.30 López fala em “obstrução da morte”.31 A morte está presa, estagnada; não pode aparecer e se manifestar.

Uma ambiguidade ontológica: ser e não ser. Entre a vida e a morte. Sem ser de todo (totalmente), o não-ser completo também se esvai. Não se sabe se eles estão vivos ou mortos. A morte, então, não chega a se tornar realidade, é apenas uma conjectura: não há provas, não há antecedentes, não há corpo. Os parentes “nunca aceitarão a morte; e se aceitarem, será uma morte oculta, desconhecida, sem nada, sem cadáver, sem restos, sem espaços, sem data, sem tempo”.32 Esconder a morte é permanecer na vida; ou melhor, permanecer na não-morte.

Paz Rojas se refere ao caso de Estela, cujo pai desapareceu. “Acontece uma coisa estranha comigo: para mim ele está morto, mas, logo depois, não está mais; no meu pensamento, na minha consciência e também nos meus desejos, ele está vivo”.33 Ela mesma explica: “Minha ambivalência era tão angustiante, tão angustiante, como sentir que estava morto, mas ao mesmo tempo não aceitar que tivesse morrido”.34 “Porque, no fundo, você não tem nada, nem vida nem morte, apenas o nada, um vazio”.35 A pesquisadora ressalta que ao longo do seu trabalho com os familiares há incertezas e principalmente ambivalências: “a morte é aceita às vezes, mas imediatamente questionada ou negada”.36 Sentimentos simultâneos, mas contraditórios: “o desejo de que estejam vivos com a sensação quase inexorável de que possivelmente estão mortos”.37

A condição ontológica dos desaparecidos é o paradoxo: uma ausência paradoxal. Os desaparecidos são e não são ao mesmo tempo e em relação à mesma condição: estão e não estão vivos, estão e não estão mortos.

O não-ser procurado: habitar o luto

Mirna Schindler: Hoje o corpo de Bautista van Schouwen foi encontrado no pátio 29. O que você tem a dizer?
Augusto Pinochet: Encontraram? Dou os parabéns aos caçadores de cadáveres.
Mirna Schindler: O que acha de terem encontrado dois cadáveres em uma única sepultura?
Augusto Pinochet: Que economia fenomenal!38

Augusto Pinochet

“Caçadores de cadáveres” é a expressão usada pelo ditador Pinochet. Expressão irônica, agressiva, desdenhosa e profundamente desprezível, mas verdadeira. Essa é a condição das mulheres que percorrem o deserto do Atacama em busca de restos de ossos de seus entes queridos, mas também todos aqueles e aquelas que até hoje perguntam pelo paradeiro de seus parentes. “Mais de quarenta anos depois dos primeiros casos de desaparecimento no Chile, a pergunta que seus parentes fizeram repetidas vezes, a pergunta fundamental, ‘Onde estão?’, ainda é pertinente e continua sem resposta”.39

Pátio 29, Cemitério Geral, Chile, 2019. Foto: Javiera Santos Pizarro

O que se busca não é mais a vida, mas sobretudo uma prova, um vestígio que indique a morte real: uma saída do paradoxo. Diz-se que só assim é possível concluir, aceitar enfim o que é apenas pressuposto, intuído, deduzido, mas em relação ao que não há certeza. Para os familiares, “a morte, se tiver ocorrido, foi ocultada, dolorosa, humilhante e acima de tudo desconhecida e, portanto, não pode ser aceita como o fim da vida”.40 Se não há certeza da morte, não é possível encerrar o processo de luto. Esse processo, como uma elaboração da perda, começa, segundo Rojas, após a morte de um ser amado. Não há certeza da morte no caso de desaparecidos. O luto, portanto, seria impossível. Há, contudo, uma morte incerta, presumida e provável. Iniciar o luto parece possível. Terminá-lo, no entanto, não seria possível, pois “…para os familiares dos detidos desaparecidos, sempre haverá uma polêmica entre a vida e a morte, já que nem a continuação da vida nem a morte puderam ser confirmadas. Portanto, o processo de luto fica parado, suspenso no tempo”.41

Os familiares habitam o luto. De acordo com Gatti e sua equipe: “o luto, aquele vazio, é habitável, é permanentemente habitável”.42 Vive-se em um processo de luto que nunca termina, um processo permanente e interminável de dor e incerteza. Um processo que não termina porque os ritos não são possíveis. “Diante do desaparecimento e do desconhecido, os ritos da morte ficam ausentes e, portanto, não há luto ou elaboração dele, tanto na família quanto na sociedade”.43

O que resta do não estar: os objetos

O desaparecido sempre deixa algo para trás quando sai da esfera da percepção. Rastros da sua presença, resíduos e vestígios. Não se pode mais vê-lo, mas seus pertences continuam presentes: suas roupas, seus lápis, suas fotos, seu quarto… O ambiente, o espaço, o lugar permanecem, embora o que preenchia tudo isso tenha desaparecido. Tudo o que fica está impregnado daquele que já não está mais: são seus pertences, é o seu lugar. São vestígios, materialidades impregnadas de uma vida agora ausente. Uma vida que pode ser reconstituída a partir deles. “As filhas muitas vezes assumem a tarefa de reconstituir a história do pai desaparecido com os poucos restos materiais que ele deixou, como roupas, livros, documentos e fotografias”.44

O que está escondido não se vê, mas continua existindo, aparece nas materialidades que estão coloridas com a sua presença. Vê-las, sentir seu cheiro, entrar/passar por perto traz o desaparecido para o presente. Rosario diz: “Para mim isso é algo… Uma lembrança inesquecível, uma lembrança tão triste, e ainda moramos no mesmo bairro, no mesmo lugar, eu ando todos os dias pelos caminhos que eles percorreram, moro nos mesmos vinhedos; olho, e parece que os vejo…”45 No mesmo sentido, Doris conta: “Nos Natais que passei sozinha, fiz a mesa, estendi a toalha. Aí, eu não choro. Sinto que estou com meus filhos”.46 As fotografias ocupam um lugar especial no conjunto dessas materialidades. Reproduzem o rosto de quem não está mais aqui. “Por reunir um conjunto de traços distintivos da pessoa, o rosto singulariza essa pessoa e, ao ser impresso numa fotografia, permite vê-la repetidamente, na forma de uma imagem que atualiza a sua presença”.47

As materialidades que ficam tornam presente a realidade da ausência: deixam claro que a pessoa amada não está mais ali, que está ausente. Elas denunciam o não-ser. “A vida exalou sua presença em materialidades que, agora, têm que dar conta da ausência”.48 O vazio deixado pelo desaparecido é emoldurado pelo que resta. Como uma espécie de definição negativa que traça seus contornos, trazendo à presença sua ausência total. As materialidades também tornam patente a possibilidade de reaparecimento, a reconstituição do vínculo. Mantêm a esperança do retorno, do reencontro. “Se a ausência é uma característica definidora do desaparecimento, as materialidades únicas que deixam para trás são tanto testemunho desse apagamento violento como testemunho e forma possível – sempre irrealizável completamente – de retorno ou conexão com a pessoa desaparecida”.49

As materialidades evocam e convocam o desaparecido, o que explica a recusa em alterá-las, a eliminá-las. Os familiares guardam os pertences, não mudam os espaços: tudo fica como estava no dia do desaparecimento. Porém, tudo vai ganhando outros valores, novos significados com o passar do tempo. Doris diz:

Às vezes me sinto sozinha em uma casa enorme. Aí me faço acompanhar das coisas que eram deles, o poncho, o casaco – que era da batalha –, as botas. Tem um porta-retrato, o chapéu do meu filho que trabalhava com os camponeses – que é um chapéu de campo –, um arado, um jugo, estribos, desenhos. Tudo isso eu levo comigo, se estão na mesa os talheres de um, estão os pratos do outro. Para mim, a casa nesses momentos é um santuário.50

O não-ser que é representado: o paradoxo do aparecer

Altares de la Ausencia, de Gastón Salas, é “…um projeto fotográfico baseado em certos objetos pessoais que parentes de detidos desaparecidos guardam para si e que procura fazer uma representação visual dos acontecimentos mais terríveis de nossa história recente”.51 Não se trata mais dos objetos, mas da sua representação. A ausência continua presente, em sua representação: em suas representações. Estar sem estar: estar no modo de não-ser. São muitos os gestos, as propostas estéticas, as ações que foram e continuam sendo realizadas .

La cueca sola: mães, esposas, irmãs e filhas dançam, desde 1978, uma dança de casal típica do folclore chileno, mas na ausência do companheiro.52 El siluetazo: em 1983, em Buenos Aires, silhuetas humanas foram pintadas por toda a cidade, uma para cada desaparecido.53 Vivos Recuerdos: uma exposição que mostra como seriam atualmente dez desaparecidos da ditadura chilena.54 Desaparecidos, de Gustavo Germano: recria situações e cenas que eram cotidianas antes do desaparecimento, volta-se para a fotografia, agora sem o desaparecido.55 Arqueología de la ausencia, de Lucila Quieto:56 recria um álbum de fotografia impossível em que ela aparece com o pai desaparecido.

Representação da ausência: o paradoxo de Lefebvre. “Ausência? Como representá-la já que a própria representação preenche os vazios da ausência?”57 A representação tende a anular a ausência, pois ocupa seu não-ser com um ser representado. Deixa de haver vazio, deixa de haver o nada, passa a haver uma representação que ocupa o espaço, que preenche a lacuna. Ao ser representado, o desaparecido desaparece duas vezes: ele e sua ausência desaparecem. Ele passa a estar presente como representação. A existência permanente dos desaparecidos. O não-ser está, ele é em sua representação.

O não-ser que está sem estar: aparição espectral

María José López destaca que “[o] desaparecido, pelo menos pela experiência chilena, nunca desaparece completamente, permanece de forma simbólica como uma figura política que ‘reaparece’ constantemente na sociedade, como uma  tarefa  pendente, como o resultado de um crime ainda não resolvido”.58 Ele reaparece no dia do detido desaparecido, em cada foto colada no peito de cada parente, na manifestação ou marcha pelos Direitos Humanos. Ele ocupa seu lugar no espaço público como motivo e símbolo de uma luta implacável para descobrir seu paradeiro, para saber a verdade, para conseguir justiça. “Mas um desaparecido é muito mais do que um símbolo. Um desaparecido (…), que chamaremos de reaparecido, é a interpelação e a urgência da justiça como gesto inalienável…”.59

Quanto aos desaparecidos, é uma reaparição fantasmagórica. “O fantasma é a marca do luto impossível, necessariamente impossível, que impede que se retire de cena os ausentes a ponto de todo presente se tornar um presente assediado por aquelas presenças-ausências que aparecem fantasmagórica e furtivamente”.60 Segundo Derrida, o modo de ser de quem não é, de habitar de quem não habita, de existir de quem não existe, é “assediar”.61 Os fantasmas dos desaparecidos reaparecem com insistência. “Uma visita atrás da outra, visto que ele volta para nos ver, e que visitare, frequentativo de visere (ver, examinar, contemplar), traduz bem a recorrência ou a reaparição, a frequência de uma visitação.”62

Mas assediar não é apenas voltar, reaparecer muitas vezes, mas, acima de tudo, fazê-lo com uma demanda. Eles voltam incansavelmente porque algo está errado, porque algo não está no lugar, porque há um erro, um delito, um crime que desequilibrou tudo, que tirou o mundo do eixo. O espectro indica que há um deslocamento, que algo está desalinhado e deve ser reajustado. Derrida fala que os espectros “apresentam demandas”.63 Como em toda história de terror, como na mais antiga de todas, a de Atenodoro contada por Plínio, o Jovem, um fantasma só é conjurado se for confrontado e suas demandas forem atendidas. “Ver o fantasma não é suficiente. É preciso ouvi-lo e seguir suas indicações fragmentadas. É preciso dar-lhe a palavra”.64 Porém, “para dar-lhe a palavra é preciso vê-lo e reconhecê-lo como um fantasma”.65 

O quase estar do não-ser: achados frustrados

O que não está poderia aparecer. O que não desapareceu ontologicamente poderia aparecer diante dos olhos a qualquer momento. Não se têm notícias dos detidos e, portanto, continuam a ser procurados. Ao longo do caminho, há esperança, expectativa… há muitas quase descobertas, quase aparições. Depois de se saber que ocorreram execuções e enterros clandestinos em Cuesta Barriga, o juiz encarregado do caso foi até lá para comandar as escavações. Paz Rojas conta que os familiares compareceram por 63 dias seguidos. “No calor sufocante, assistiram ao trabalho na mina e esperaram com a paciência e a dor acumuladas por quase 25 anos”.66 Por fim, as escavações foram suspensas, pois se constatou que não havia corpos… Nada foi encontrado.

Há achados que são apenas relativos a vestígios, a rastros que não levam a uma aparição concreta. A investigação do juiz Guzmán o conduz ao mar de Quinteros. Os mergulhadores submergem e esbarram com os trilhos da história. Por fim, o botão preso a um deles surge como uma prova irrefutável: pessoas foram atiradas ao mar ali. Mas quem foi “enterrado” no fundo do mar: de quem era aquele botão? Os quase também se manifestam quando o que se encontra é muito pouco, quando o rastro é tão ínfimo que não leva ao desaparecido. Estela diz: “pedíamos à médica do Serviço Médico Legal a certeza da morte dele, pois aqueles pedaços de ossos que nos apresentaram não nos permitiam considerá-lo como morto… mas até hoje e apesar de tudo, não podemos dizer que ele está morto”.67 Esse quase pode se dar devido à imperícia ou falta de vontade. As conquistas da Equipe de Antropologia Forense da Argentina mostraram que no Chile isso não foi possível, muitas vezes, porque não era desejado.

Existem outros quase por atribuição errada. Como em alguns casos de erros do Instituto Médico Legal do Chile: “em alguns casos aconteceu um erro grave, doloroso e alienante, para não dizer transtornador. Os parentes aceitaram com dificuldade que não se tratava mais de encontrá-los vivos, mas que haviam sido encontrados mortos e, de alguma forma, finalmente, haviam iniciado seu processo de luto. Mas aqueles mortos não eram seus mortos: os restos não pertenciam a esses parentes”.68

O não-ser que está: encontrar a (não) morte

Aparecer, do latim apparescere: “tornar visível”, “revelar-se”. Sair do esconderijo, trazer à luz. Aparecimento sensorial. É visto, é sentido. Reaparecer: voltar, retornar. Reaparecer tem a ver com encontrar o que foi perdido, achar o que foi escondido. Mas não se encontra exatamente aquilo que se perdeu. Os detidos desaparecidos que retornam não são os mesmos de antes. O que se encontra, muitas vezes, são apenas os restos. Surge um não-ser do ser amado.

Não é mais o que era. Ninguém volta a ser o mesmo depois de ter estado desaparecido, depois de ter sido um desaparecido. Tudo mudou, a cidade não é mais a mesma nem a sua vida. Tudo mudou para sempre. Os reaparecidos são, em muitos aspectos, como os mortos-vivos: como zumbis. Não estão mortos tampouco vivos. Párias sociais suspeitos de traição, sem recursos financeiros, sem apoio político, ostensivamente traumatizados… Sua vida não existe mais. A única alternativa era, muitas vezes, desaparecer de novo: o exílio.

Ser o que sobrou. Um cadáver, apenas ossos, até mesmo uma parte do corpo do desaparecido faz com que reapareça. Um não-ser que aparece e alivia. “Encontrar seus filhos, os restos, por mais terrível que seja – já que é uma confirmação da morte considerada de forma ambígua – é uma verdade absolutamente necessária. Encontrá-la, por fim, porque era algo que você tinha, uma história, mas isso de você não saber é terrível também porque, em última instância, a morte é REAL”.69 Um reaparecer angustiante porque mina a esperança. Rosario diz: “[e]u estava meditando depois da descoberta: procurei tanto por eles e eles estavam tão perto. Foi tão terrível, sempre tive esperança de que eles pudessem estar, de que poderiam chegar a qualquer momento; eu vivia com essa incerteza e de repente isso me dava esperança; eu pensava uma coisa e pensava outra. Depois tudo desmoronou”.70

Cenas para uma ontologia da desaparição

O ser que deixa de estar: esconder a vida

O ser procurado: movimento infinito

O ser não sendo: ser um desaparecido

O não ser que não está: esconder a morte

Ser e não-ser: paradoxo ontológico

O não-ser procurado: habitar o luto

O que resta do não-estar: os objetos

O não-ser que é representado: o paradoxo do aparecer

O não-ser que está sem estar: aparição espectral

O quase estar do não-ser: achados frustrados

O não-ser que está: encontrar a (não) morte

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José Santos Herceg
Graduado em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Chile e doutor em filosofia pela Universität Konstanz, Alemanha. Atualmente é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IDEA) da Universidade de Santiago do Chile. É autor dos livros: Conflicto de Representaciones. América Latina como lugar para la filosofía (2010), Cartografía Crítica. El quehacer profesional de la filosofía en Chile (2015), Lugares espectrales. Topología testimonial de la prisión política en Chile, (2019), La Tiranía del paper: de lamercantilización a la normalización de las textualidades

Email: jose.santos@usach.cl


1 Este trabalho faz parte da pesquisa intitulada Tortura: concepto y experiencia (Fondecyt 1180001, 2018-2020).

2 ONU (22 de setembro de 2006).

3 AIBAR, Ibar. Sol y cielo abonaron mis sueños infinitos. Santiago do Chile: Emege Communications, 2002. p. 142.

4 Ibid., 144.

5 CASASSUS, Juan. Camino en la oscuridad. Santiago do Chile: Debate Editorial, 2013. p. 19.

6 AYRESS Moreno, Carlos Tato. Sobrevivientes. Un suceso posterior al golpe pinochetista. Havana: Editorial de Ciencias Sociales, 2008. p. 14.

7 AHUMADA LILLO, Manuel. Testimonio: Cerro Chena – un campo de prisioneros. Santiago de Chile: Leonardo Sepúlveda producciones gráficas, 2011. p. 67.

8 CARRASCO, Rolando. Prigué. Santiago de Chile: Ediciones Aquí y Ahora, 1991. [1ª Ed. Moscou: Novosti, 1977]. pp. 58-59.

9 WITKER, Alejandro. Chile; Prisión en Chile. México: FCE, 1975. p. 32.

10 DEL VALLE, Juan. Campos de concentración, Chile 1973-1976. Santiago do Chile: Mosquito ediciones, 1997. p. 53.

11 Ibid., p. 54.

12 CARRASCO, Ibid., 59.

13 Ibid.

14 GATTI, Gabriel. “El lenguaje de las víctimas: silencios (ruidosos) y parodias (serias) para hablar (sin hacerlo) de la desaparición forzada de personas”. Universitas Humanística, n. 72, 2011. p. 99.

15 GÓMEZ MANGO, E. El llamado de los desaparecidos. Sobre la poesía de Juan Gelman. Montevidéu: Cal y Canto, 2004. p. 17.

16 CASADO-NEIRA, D.; CASTILLEJO-CUÉLLAR, A.; DÍAZ, P.; RUIZ-ESTRAMIL, I.B. “Materializando la desaparición: la singularidad de sus cosas”. Oñati Socio-legal Series [online], 9 (2), 2018. p. 240.

17 MAILLARD, C. “Apuntar al blanco: El vacío y su representación”. Contra el arte y otras imposturas. Valência: Pre-Textos, 2009. p. 96.

18  GATTI, G.; PERIS, J.; ROBLES ELONG, I.; RODRÍGUEZ MAESO, S.; SÁEZ VALCÁRCEL, R. “Regreso al vacío: sobre ausencia y desaparición social”. Oñati Socio-legal Series. 9 (2), 2018. p. 188.

19 Ibid., 186.

20 Ibid., 186.

21 OLIVA GARCÍA, Julio. “Yo lancé prisioneros al mar”. El Siglo. 16 out. 2004.

22 ROJAS, Paz. La interminable ausencia. Santiago de Chile: LOM, 2009. p. 117.

23 Ibid., p. 117.

24 Ibid., p. 108.

25 LÓPEZ, María José. “El “desaparecido” como sujeto político: una lectura desde Arendt”. Franciscanum 164, V. VII, 2015. p. 85.

26 ROJAS, p. 10.

27 Ibid., p. 181.

28 VIDELA, Jorge. Conferência de imprensa, pergunta de José Ignacio López. 1979.  https://www.youtube.com/watch?v=ASMPYg0YueU

29 ROJAS, p. 107.

30 LÓPEZ, p. 80.

31 Ibid., p. 81.

32 ROJAS, p. 105.

33 Ibid., p. 76.

34 Ibid., p. 80.

35 Ibid., p. 85.

36 Ibid., p. 56.

37 Ibid., p. 104.

38 PINOCHET, Augusto. Conferência de imprensa, pergunta de Mirna Schindler. 1991.  https://www.youtube.com/watch?time_continue=5&v=Uiv4rT_Ja1U&feature=emb_logo

39 LÓPEZ, p. 89.

40 ROJAS, p. 105.

41 Ibid., p. 102.

42 GATTI et al., 193.

43 ROJAS, p. 104.

44 FAÚNDEZ, X.; AZCÁRRAGA, B.; BENAVENTE, C.; Cárdenas, M. “La desaparición forzada de personas a cuarenta años del Golpe de Estado en Chile: un acercamiento a la dimensión familiar”. Revista Colombiana de Psicología, 27. 2017. p. 95.

45 ROJAS, R.; SOTO, R.; ÁLVAREZ, A.; MARTÍNEZ, P.; MENICONI, D.; MATUS, N.; ÁLVAREZ, A.; DÍAZ, V. Memorias contra el olvido. Santiago do Chile: Amerindia, 1987.

46 Ibid., p. 159.

47 FAÚNDEZ et al., 95.

48 CASADO-NEIRA et al., 241.

49 Ibid., p. 241.

50 ROJAS et al., 159.

51 http://parquecultural.cl/web/wp-content/uploads/2014/09/Dossier-Los-Altares-de-la-Ausencia.-.pdf

52 Veja: GALLARDO, Milena; MEDALLA, Tania. “Para una política de la insistencia: trayectorias y desplazamientos de la Cueca Sola en Chile (1978-2019)”. Índex. Revista de arte contemporáneo. N. 8, 2019. pp. 192-200.

53 Veja: LONGONI, Ana; BRUZONE, Gustavo (Orgs.). El Siluetazo. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2008.

54 As produtoras Wolff BCPP, Ojo de Buey, SalaMágica e o músico Darío Segui são os responsáveis por essa exposição. https://www.youtube.com/watch?time_continue=4&v=XDu0XcjBvTA&feature=emb_logo

55 https://culturainquieta.com/es/inspiring/item/7759-ausencias-impactante-proyecto-fotografico-sobre-los-desaparecidos-de-argentina.html

56 A série está disponível online em http://www.me.gov.ar/

57 LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: Contribución a la teoría de las representaciones. Trad. de O. Barahona e U. Doyhamboure. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1980. p. 257.

58 LÓPEZ, p. 87.

59 QUINTANA, María Marta; MONTESERÍN, Hector Eduardo. “Diapositivas espectrales. Fragmentos para una interpretación de las desapariciones (o de lo siniestro fantasmático), Pasado Por-venir”. Revista de historia. Ano 5, N. 5, 2010-2011. p. 201.

60 Ibid., p. 201.

61 DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: El estado de la deuda, el trabajo del duelo y la nueva internacional. Trad. de José Miguel Alarcón e Cristina de Peretti. Madrid: Editorial Nacional, 2002. p. 36.

62 DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: O estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Rio de Janeiro: Editora Relume-Dumará, 1994. p.138

63 Ibid., p. 37.

64 CARRASCO, Ana. Presencias irReales: Simulacros, espectros y construcción de realidades. Madrid: Plaza y Valdés, 2017. p. 211.

65 Ibid., p. 224.

66 ROJAS, p. 83.

67 Ibid., p. 85.

68 Ibid., p. 109.

69 PIZARRO, Angélica. WITTEBROODT, Ingrid. “La Impunidad. Efectos en la elaboración del duelo en madres de detenidos desaparecidos”. Castalia. Revista de Psicología de la Academia. N. 3, 2002. p. 132.

70 ROJAS et al., p. 54.