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Daniel Leão. amérikari. Frame do filme, 2015

Ensaio visual: Amérikari

Daniel Leão

das manifestações de junho ao sertão do cariri, o mundo terminou muitas vezes.
na central do brasil no cemitério são joão batista no mamão apodrecendo do outro lado da rua onde malabaristas cegos perseguiam o amor – longe, o el niño tomava, quizás, la huaca del sol y de la luna.
no tumulto glauber, graciliano, guimarães eram entidades abstratas, gil cantava o fim de tudo, coutinho estava morto, resnais estava morto, o botafogo fora da libertadores.
quando cheguei ao cariri as correntes levavam ao sul, os pássaros voavam no interior de são paulo, órion perseguia as irmãs de calipso, a roseira estava sem flores, o mundo estava à flor da pele.

O documentarista Daniel Leão fez parte do grupo de pesquisa O Sentido do Público na Arte, que visitou Juazeiro do Norte, Crato e o entorno em maio de 2014. Eles realizaram visitas de campo e um encontro em colaboração com organizações e indivíduos locais – artistas, artesãos, mestres de reisado, poetas e pesquisadores da região. Neste ensaio visual, Daniel cria uma montagem poética de suas impressões e uma homenagem à região e às pessoas encontradas. O vídeo dura aproximadamente dez minutos. Agradecimentos a todos os envolvidos e especialmente Pablo Lerner, pela música.

pelo menino que pastoreia carros em frente ao aeroporto e sonha ser policial, pelas lascas de madeira de assaré, pela tinta nas mãos de stênio, pela dança vermelha amarela e espelhada da terreirada, pela voz do poeta cordelista, pelo hambúrguer preparado pela menina rainha do reisado, pelo homem que imita pássaros no mercado público, pelo padre italiano contra o mst e a favor das ligas camponesas, pela pedra das ligas camponesas, pelas crianças titubeando pai-nossos, pelas pétalas de rosa recolhidas sobre a lápide do padim e entregues à última católica da igreja, pela música nordestina do argentino que vive na bulgária, pela comida comida em pé aos pés de padre cícero e de meninos soltando pipa numa cozinha com varal, pelos bacamarteiros que nos esperaram pra brincar, por me lembrarem corisco na terra do sol, pelos olhos amigos cheios d’água, pelas ruas cheias de moto, pelo café sem açúcar, pela menina que usa all star e ouve smiths, pelo cara que faz pífanos e tem o olhar fundo e o coração partido, pela sala sagrada de s. gonçalo, pelos palavrões de padim quando soube da chegada de lampião a juazeiro, pelas mesas fartas, pelos analfabetos à mesa dos doutores, pela maria do horto, pelo ônibus lotado, pelo ônibus vazio que lembra kieslowski, pelo compartrilhar, pelo pavão, por não haver crise na cultura, pelas noites em claro, pelas memórias dos esquecidos, pelo carinho e boa disposição, pelos céus do cariri, pela carteira amarela, pela asa branca da menina de seis anos, pelas conversas de coração, eu sou todo agradecimento a vocês.