Observatório da cidade: A restauração começa, 2017.

Instituindo colaboração e cuidado

Kate Gray, Diretora da Collective, Edimburgo

A Collective é uma organização de artes visuais pequena sediada em Edimburgo, Escócia que tem como função principal conectar pessoas para que produzam novos trabalhos com artistas e para eles. Envolve muito trabalho de “bastidores” no que diz respeito à colaboração de artistas, grupos, apoiadores, especialistas e comunidades na produção das iniciativas diversas e envolve também muito trabalho de “palco”, que é a apresentação ao público em exposições, eventos, workshops e outros projetos mais longos ou de formatos diferentes. Estamos instituindo uma nova iteração da organização por meio do redesenvolvimento e da reimaginação do antigo e icônico Observatório da Cidade, localizado no Calton Hill — um marco de Edimburgo com vista para a cidade.

Ao longo do processo de redesenvolvimento, buscamos reavaliar nossos métodos organizacionais. Esse texto abordará a mudança da organização para o Observatório da Cidade e tratará de projetos recentes feitos em coautoria e em colaboração, incluindo: o Programa Satélites; o Programa Constelações, projeto em andamento entre Petra Bauer e uma entidade local chamada SCOT-PEP; a recepção do Grupo de Leitura de Reprodução Social; projetos experimentais de avalição com a artista Shona Macnaughton; projetos de pesquisa de outros artistas. Pretendo delinear nosso processo de aprendizagem organizacional e a forma pela qual procuramos colaborar com artistas e outros apoiadores para desenvolvê-lo. Articulando o valor e as capacidades específicas das organizações de artes visuais de pequeno porte que empregam o cuidado como método, descobrimos uma relação com o cuidado.

Conectando “Bastidores” e “Palco”: O Cuidado como Prática

Diz-se muitas vezes que o cuidado é algo desvalorizado na sociedade contemporânea. Como a arte reflete a sociedade, talvez seja possível extrapolar e afirmar que o cuidado seja também desvalorizado nas organizações artísticas. Na Collective, cuidar é uma oportunidade de receber e de ouvir. Estamos engajados ativamente em uma discussão sobre como uma nova iteração da nossa organização artística pode instituir ativamente o cuidado como valor. Como a organização pode oferecer um contexto em que o cuidado seja valorizado e promovido como precondição da escuta atenta e da confiança?

Esse não é o tipo de cuidado que pode ser representado como cauteloso demais ou como cuidadoso, mas o tipo que visa valorizar as preocupações dos outros e indagar o que pode ser feito, o que podemos receber ou produzir juntos. A Collective é uma organização que reflete e valoriza os “bastidores” de todas as formas de produção e a vinculação intrínseca entre o que acontece nos “bastidores” e o que fica visível ao público no “palco” do espaço da exposição ou é tornando público. Aquilo que é invisível pode assim estar por ser subestimado estruturalmente. Como uma organização que torna o invisível visível pela apresentação, sentimos necessidade de refletir sobre essas áreas de “bastidores”.1


Histórias: Um Panorama Complexo

A Collective começou em 1984, por iniciativa de artistas, com o objetivo de atender à necessidade que sentiam de ver, mostrar e participar de um mundo além das paredes de seus ateliês e para ser, portanto, uma plataforma para artistas. Havia um ímpeto de acolher a mudança e a aprendizagem ao tornar públicas ideias e arte. A característica de ter sido iniciada por artistas permanece sendo a essência da organização. Contudo, a Collective cresceu e se transformou em resposta ao ambiente em que se encontra. Sem nunca se acomodar, a aprendizagem é a base do que a organização oferece. Por meio de várias iterações estruturais e da colaboração de grupos da equipe e artistas, a organização respondeu a mudanças e se desenvolveu para atender às necessidades de diferentes épocas. Sou diretora da Collective desde 2009. Ao longo desse período, evoluímos bastante, agora com a mudança para o Observatório da Cidade, no Calton Hill.


Construído entre 1800 e 1880, o Observatório da Cidade — localizado no meio de um jardim murado — já funcionou como um observatório astronômico, usado inicialmente por marinheiros para definir o tempo exato de navegação pelo globo. É um ícone importante do Iluminismo escocês que ressoa com histórias complexas e entrelaçadas desse período, entre elas, a do nascimento do capitalismo. Em 2010, estava em péssimo estado de conservação e corria o risco de fechar, não havendo perspectiva para seu futuro. A Collective se envolveu no desenvolvimento do Observatório da Cidade depois de produzir ali um projeto site-specific com artistas em 2010. Começou-se a discutir como o local, mantido para o bem comum pela câmara municipal de Edimburgo, poderia ser reimaginado e se tornar um novo tipo de observatório para a cidade.

Nosso desafio é redefinir o Observatório da Cidade, que abrigou, ao longo de sua história, telescópios para observação de estrelas, marcação de tempo e facilitação de rotas comerciais. Como seria e para que serviria um novo tipo de observatório? Como a Collective poderia criar, a partir de um espaço concebido como laboratório, um local para o desenvolvimento de atividades experimentais, criativas ou acadêmicas relacionadas às artes visuais? O Calton Hill é um local enigmático que atravessou diversos tempos, espaços e narrativas. Por exemplo, o pintor do século XVIII Robert Barker concebeu o conceito e a palavra panorama em 1787 enquanto caminhava por essa colina. Essas camadas complicadas da história sustentam esse local como um espaço para artistas, apoiadores e público verem e refletirem sobre a cidade, pesquisarem e realizarem trabalhos, além de ser um núcleo capaz de aproximar as pessoas.

A partir da produção de novas obras de arte e da aproximação de pessoas em torno de preocupações comuns a respeito do cenário sociopolítico contemporâneo, indagamos: como a organização pode promover e valorizar o cuidado? Isso se torna um desafio ainda maior quando entendemos a relação do local com a colonização. A Collective conseguirá decolonizar esse lugar, que está intrincado em um sistema de pensamento — legitimado cientificamente — do homem branco nascido do Iluminismo e do Imperialismo? Esse questionamento foi abordado pelo curador Simon Sheikh quando ele escreveu o texto “A Contemporary Observatory for the City” para nossa publicação de 2017 intitulada Towards a City Observatory: Constellations in Art, Collaboration and Locality: “Nossa missão atual é, portanto, decolonizar o observatório desestabilizando suas bases e transformando sua produção de conhecimento em uma zona de contato. O observatório deve se dedicar à incerteza, não à avaliação científica ou ao padrão de excelência burocrático”.2

Uma Troca de Método: Decolonização, Aprendizagem e Desaprendizagem

Ao embarcar na iniciativa multicultural Uma Troca de Método, entre Rio de Janeiro e Edimburgo, refleti sobre o significado que essa troca poderia ter para a Collective e para o nosso interesse mais amplo em práticas decoloniais, aprendizagem e desaprendizagem. Como organização, somos atraídos por instituições e indivíduos que refletem ativamente sobre o contexto em que estão atuando e aceitam a incerteza que isso traz. Há também complexidades adicionais ao pensarmos a decolonização dentro de um projeto de troca entre a Grã-Bretanha e o Brasil, mas que exigiriam um outro texto inteiro para serem estudadas profundamente. 3 Essa troca buscou a reciprocidade entre organizações engajadas localmente ao atrair pessoas para elas e ao olhar para fora de suas paredes. Para mim, essa posse do espaço e da incerteza é uma marca de cuidado para indivíduos, organizações e localidades.

Em uma visita inicial ao Rio de Janeiro, em 2015, fui apresentada ao trabalho do coletivo Norte Comum4 na época realizando uma residência no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica.5 O Norte Comum reune artistas, produtores culturais, cineastas e outros de diversas áreas da cidade na Zona Norte do Rio, tendo como objetivo principal desenvolver o uso de espaços públicos e a circulação como uma zona de contato. Visa criar possibilidades de troca que não são governadas por relações de capital e poder. Ao usar o espaço público para realizar encontros e promover diferentes tipos de eventos culturais e intervenções artísticas, particularmente fora dos espaços tradicionais, o coletivo busca desenvolver novas conexões.


Norte Comum no Hotel Loucura, Rio de Janiero, Brasil, 2014. Cortesia dos artistas.

O Norte Comum realizou seu trabalho como um coletivo independente, mas em várias ocasiões também contou com o apoio de instituições — como SESC, Instituto Municipal Nise da Silveira ou menores tais como Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Isso demonstra a importância das organizações artísticas de pequeno porte e de seus produtores, curadores e diretores que trabalham para identificar e apoiar os movimentos comunitários de cuidado. Coletivos como o Norte Comum precisam defender uma posição fora da instituição. Pode-se dizer, contudo, que é preciso haver um elemento de apoio, e as organizações de pequeno porte podem proporcionar uma comunhão de ideias capaz de trazer estabilidade sem colonizar o grupo.

Muitos dos membros do coletivo se conheceram trabalhando como produtores na ONG Observatório de Favelas, uma organização de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. Essa primeira visita ao Rio e o encontro com o coletivo representaram, em muitos aspectos, um encontro inicial de bastidores que veio a se tornar um projeto maior.

Em novembro de 2015, tivemos a honra, junto com a Artlink, de receber Jefferson Vasconcellos, do Norte Comum, e Izabela Pucu, ex-diretora/curadora do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, em Edimburgo, onde continuamos a troca e o diálogo entre artistas e organizações iniciados no mês anterior no Rio de Janeiro. Nossos interesses se uniram em torno daqueles que, explícita ou implicitamente, trabalham com práticas e métodos entre pessoas e grupos que colocam no centro da atenção indivíduos ou narrativas que são muitas vezes invisíveis por costume e suposição. De forma ampla, entendemos isso como cuidado. O objetivo era, por meio da troca, desenvolver nossa compreensão a respeito do nosso próprio método, do método dos outros e das particularidades de ambos para então trabalharmos em busca de um modo diferente de incorporar o hábito institucional de cuidado.


Uma Troca de Método correu em paralelo com o redesenvolvimento do Observatório da Cidade feito pela Collective com o objetivo de torná-lo um novo tipo de observatório para Edimburgo. Um aspecto crucial desse projeto de construção foi também a documentação e a avaliação do processo. A Collective tem um interesse contínuo em avaliação experimental e já havia comissionado uma avaliação de um grande projeto público chamado Somersault, de Julie Crawshaw,6 professora de história da arte e do design e antropóloga de arte. A avaliação de Julie foi feita unicamente a partir de sua perspectiva como pesquisadora que trabalha em conjunto com artistas, planejadores, membros da comunidade e outros. Sua pesquisa explora as relações humanas e não humanas no que se refere a fazer planos futuros. As avaliações são, em geral, direcionadas aos participantes dos projetos e realizadas pelos departamentos de marketing e desenvolvimento das organizações para registrar tanto a quantidade de participantes como a qualidade da experiência. Os registros são feitos normalmente por meio de questões que visam a “autoconfiança” ou as “competências de empregabilidade” desenvolvidas. No entanto, artistas e outros usaram a “crítica institucional”7 como ponto fundamental para uma compreensão alternativa de avaliação. O trabalho de grande importância de Andrea Fraser intitulado Museum Highlights, de 2005, identifica que “o fato de não existir fora para nós não significa que a instituição esteja totalmente fechada… significa que a instituição está dentro de nós”. Isso propiciou abordagens, intervenções, linguagens e gestos performativos destinados a abalar as operações transparentes de galerias e museus e os seus administradores.

Como entender avaliação nesse contexto? A Collective planejou comissionar uma nova avaliação experimental do redesenvolvimento do Observatório da Cidade com base tanto em avaliação do passado como em crítica institucional. Entramos em contato com a artista Shona Macnaughton, 8 cuja prática se fundamenta em performance, escrita e filmes. Sua prática questiona a tecnologia, a subjetividade e o trabalho, envolvendo frequentemente reapresentações no palco, roteiros performativos e ações configuradas para confrontar a plateia. Ela usa um método de reenquadramento de textos relacionados ao local de exibição, transferindo-os de seu contexto original para as condições políticas e tecnológicas atuais.

Nós comissionamos Shona para realizar uma avaliação experimental da organização ao longo do processo de mudanças estruturais para a instituição de um novo espaço. Seu trabalho, que reage às condições políticas específicas, às arquiteturas e ao espaço físico e virtual, foi concebido para questionar como a mudança de linguagem e design da Collective se relaciona com noções de cuidado. Como parte do processo, Shona foi convidada para participar de Uma Troca de Método por conta da relação entre os dois projetos e porque eles oferecem uma oportunidade adicional para refletir sobre a prática organizacional. Ela produziu um texto; uma versão desse escrito, que fala por si só e foi incluída nesta publicação.


A participação de Shona em Uma Troca de Método no Rio de Janeiro, em 2017, também reuniu noções de reprodução social, realização de cuidado e reflexão institucional. Shona estava em sua segunda gravidez quando foi ao Rio. Curiosamente, isso destacou questões que se tornaram explícitas pela reprodução social (tema que será abordado adiante) e implícitas na investigação conduzida pela prática que se baseia em metodologias subjetivas e interdisciplinares. Portanto, talvez não seja surpreendente que Shona tenha tido uma conexão forte com Millena Lizia, artista do Rio que aborda criticamente suas raízes afro-brasileiras, o legado da escravidão e como isso continua a se manifestar no trabalho doméstico. Usando objetos comuns e situações cotidianas para pensar sobre a conexão entre o sujeito e o ambiente, Millena usa seu corpo (e suas subjetividades) em performances nos ambientes onde costumes têm lugar. Explorando a relação entre o micro e o macro, o orgânico e o inorgânico, essa prática explicita as performances passageiras da vida cotidiana.

Juntas, Shona e Millena começaram a explorar seus trabalhos e métodos interconectados. A troca entre as duas artistas, publicada aqui como uma conversa por e-mail, explora questões como fazer faxina, cuidar das crianças e a relação delas com a reprodução social, além de instituição e colonização. A partir desses textos e dessas abordagens, podemos ver em ação a investigação baseada na prática e os métodos de mudança de artistas que destacam os hábitos de cuidado, especialmente em organizações. Quanto a gênero e raça, essas práticas sustentam conhecimentos informais ou tácitos que realizamos todos os dias. Essas obras e conversas nos instigam a refletir e a questionar como realizamos o cuidado no dia a dia e os valores que estão por trás.

Aceitando a Incerteza da Desaprendizagem

A partir de muitos encontros realizados no âmbito de Uma Troca de Método surgiu uma necessidade de refletir sobre a educação, tanto formal quanto informal, e sobre como a incorporamos pela performance e pelo gesto. Ao refletir sobre o processo de aprendizagem em um contexto de decolonização, surge uma relação necessária entre aprendizagem e desaprendizagem.

A artista Annette Krauss9 desenvolveu uma prática de pesquisa com base na sua compreensão a respeito das possibilidades de desaprendizagem. Em seu trabalho Sites for Unlearning, Annette fala de “uma série de colaborações, experimentos e conversas que ao mesmo tempo enfrentaram e moldaram as dimensões materiais, artísticas e políticas dos processos de desaprendizagem”.10 Em seu trabalho, o termo “desaprendizagem” é entendido como proveniente de movimentos sociais, educação alternativa, teorias feministas, pós-coloniais e decoloniais e, em particular, do trabalho de Gayatri Chakravorty Spivak em relação a “verifique seu privilégio”.Essa expressão se espalhou pelas discussões online, mas visa abordar a necessidade de desaprender positivamente os privilégios, seus gestos, performances e instituições, a fim de aprender uma nova maneira de atuar no mundo.

 

A pesquisa de Annette serviu de base para o programa de aprendizagem da Collective, articulado por James Bell, que também participou de Uma Troca de Método como produtor da Collective.Como a desaprendizagem é o cerne do nosso interesse na decolonização, a Collective desenvolveu certa abordagem ao ver o entrelaçamento entre aprendizagem e desaprendizagem. Um convite a Annette Krauss para nos visitar ajudou a desenvolver nossa compreensão sobre nossas práticas institucionais e a relação entre desaprendizagem e colaboração que estava em andamento. Os valores do nosso programa se centram no fato da aprendizagem e da desaprendizagem andarem juntas e em como podemos trazer diferentes formas de conhecimento para os ambientes educativos — o que pode ser de difícil abordagem para os professores da educação formal. Além disso, nosso programa de aprendizagem visa oferecer um caminho diferente para gerar novos entendimentos e formas de conhecimento através da produção de trabalhos artísticos. Foi por causa da forte conexão que buscamos entre aprendizagem, colaboração e cuidado que James Bell participou de Uma Troca de Método. O processo de troca promoveu o engajamento em práticas compartilhadas e métodos de aprendizagem e desaprendizagem, além da conexão com a preocupação a respeito da decolonização.

A Artlink fala de uma mudança de comportamentos aprendidos entre equipe, clientes e artistas. James reflete sobre a relação entre seu próprio trabalho dentro do programa das escolas da Collective e as reflexões do professor de ensino médio do Rio de Janeiro Luiz Guilherme Barbosa e da estudante Isabella Dias sobre o envolvimento que tiveram na ocupação de sua escola em 2016. Seu texto também menciona de que maneira o projeto em andamento The Hidden Curriculum, de Annette Krauss, ajudou a embasar o nosso trabalho. Em The Hidden Curriculum, os alunos trabalham com a Annette para abordar formas tácitas de conhecimento e hábitos de aprendizagem, ampliando o horizonte dos participantes e das organizações por meio de reuniões experimentais com o objetivo de desaprender colaborativamente.

São fortes as conexões entre artistas, instituições, métodos e práticas que se iniciaram em Uma Troca de Método e perduraram. Nossas experiências compartilhadas formam hábitos e entendimentos novos, embora tenhamos consciência de que nossas histórias sejam muito diferentes. Tenho consciência a respeito da dinâmica europeia; o Brasil foi colonizado por Portugal, e a Inglaterra é/foi colonizadora. O próprio financiamento que permitiu essa troca, concedido pelo British Council, poderia ser tido como cúmplice nessa história. Portanto, foi importante manter o foco em como a desaprendizagem colaborativa poderia facilitar uma negociação entre essas diferentes histórias. Existem histórias paralelas interessantes de pedagogia radical entre os dois países, incluindo Paulo Freire, educador e filósofo brasileiroque foi um dos principais defensores da pedagogia crítica, e pensadores escoceses como o RD. Laing, psiquiatra que escreveu extensamente sobre doença mental.

A visão de Laing a respeito das causas e do tratamento da saúde mental foi influenciada em muito pela filosofia existencial e era contrária ao uso de métodos químicos.11 Ele considerava os sentimentos manifestados pelo indivíduo como descrições válidas da experiência vivida, em vez de entendê-los apenas como sintomas de doença mental. Isso foi crucial para o desenvolvimento do trabalho centrado no paciente. Paulo Freire é mais conhecido internacionalmente pela Pedagogia do Oprimido, que se tornou uma referência para a pedagogia crítica.12 Sua noção de “prática da liberdade” como meio pelo qual as pessoas lidam criticamente com a realidade e descobrem como participar da transformação de seu próprio mundo está presente em muitas práticas atuais, incluindo a de artistas envolvidos nessas trocas. O mesmo ocorre com sua noção de conhecimento informal/tácito e seu questionamento a respeito dos sistemas de relações sociais dominantes, que ele propôs como “cultura do silêncio” e que podem ser entendidos agora como cultura da invisibilidade. Muitas dessas histórias e discussões são importantes para as organizações envolvidas em Uma Troca de Método.

Comissionando Artistas em um Contexto

A Collective comissiona obras novas de mais de nove artistas por ano, trabalhando com artistas e apoiadores para produzir e apresentar cada projeto. A cada ano, trabalhamos com artistas internacionais para comissionar o primeiro projeto deles na Escócia e com um grupo de praticantes artísticos emergentes da Escócia por meio do Programa Satélites. Esse programa foi desenvolvido especialmente para dar apoio a praticantes em um momento crucial e emergente de suas carreiras que, a partir de inscrições abertas, são selecionados por um comitê diferente a cada ano. Uma vez fazendo parte do programa, artistas e produtores associados recebem apoio por meio de programas estruturados de retiros, workshops, visitas a ateliês e discussões em grupo, atualmente facilitadas pelo artista James N. Hutchinson junto com Frances Stacey e Siobhan Carrollos, membros da equipe da Collective.


Vídeo sobre o programa Satellites.

A analogia dos “bastidores” e do “palco” se faz útil para descrever esse programa; as pequenas exposições publicamente visíveis “no palco” são públicas, mas os “bastidores” invisíveis compostos por workshops, discussões e retiros que levam a um programa experimental de desenvolvimento liderado por pares formam uma plataforma invisível relevante. É comum que essa concentração intensiva de recursos em poucos artistas por ano seja insustentável, mas esse é o próprio alicerce da organização e o núcleo gerador do programa. O processo de conhecer a prática dos artistas de forma tão íntima tem, em geral, repercussões nos anos seguintes. Não é coincidência que Shona Macnaughton tenha sido parte do grupo em 2013, já que o cuidado que é inerente a esse programa influencia todos os outros. A Collective amplia as práticas artísticas para conectar apoiadores, escolas e outros atores. Nosso objetivo é juntar pessoas, mas sempre respeitando as especificidades de cada encontro. Sabemos que não vamos “acertar” sempre e que fracassar é uma oportunidade para desaprender equívocos. Visamos, portanto, desafiar os outros e nós mesmos a entender o que pode ser, mantendo essas possibilidades abertas.

As possibilidades de desenvolver maneiras significativas e comuns de trabalhar localmente nos levaram a criar uma linha de programa que chamamos de Constelações.Essa série de comissões externas baseadas em pesquisas tem como objetivo unir pessoas para que desenvolvam ideias e parcerias, além de incluir discussões, exibições e caminhadas. Cada encontro e resultado público oferecem oportunidades para artistas e público se envolverem com a localidade. Nosso projeto atual Constelações ilustra como essa linha de programa oferece conexões de longo prazo, marcadas por uma consideração e maneiras diversas de abordar preocupações mútuas, que podem ser descritas também como cuidado.

 

Um desses projetos inclui o comissionamento de Petra Bauer, artista e cineasta da Suécia que explora o filme como um espaço onde negociações políticas podem ter lugar.13 Ela foi comissionada e apoiada pela Collective para realizar um projeto em colaboração com a SCOT-PEP,14 entidade localizada em Edimburgo que se dedica à promoção dos direitos de trabalhadores do sexo. Ao longo de três anos, Petra trabalhou com a SCOT-PEP liderando uma série de workshops fechados que exploraram, por meio de estratégias cinematográficas, os desafios e as lutas diárias dessa organização. Por meio de um processo contínuo de escuta, compartilhamento de conhecimento sobre direitos trabalhistas e produção de filmes, o grupo indagou: “Como agir politicamente quando há um estigma impedindo que você se exponha publicamente?”.

Essas discussões deram origem ao roteiro de um filme que tem em sua essência performance e gesto. Esse projeto, ainda em andamento, contou com o apoio de perto do produtor da Collective, Frances Stacey, ao longo de seu desenvolvimento e será exibido na Collective em 2018. Nosso objetivo com esse projeto é criar laços mais fortes, solidariedade e ferramentas úteis para a SCOT-PEP e para aqueles que apoiam a organização. O ato de cuidar na escuta e no desenvolvimento de reciprocidades também encorajou todos os envolvidos a pensarem sobre o que a visibilidade e a invisibilidade oferecem conforme negociamos as necessidades específicas do grupo e o risco específico implícito para eles.

Os projetos dos artistas permitiram que a Collective se envolvesse com a complexidade do nosso panorama — tanto onde estamos trabalhando (nossa localidade) como o horizonte que estamos nos esforçando para alcançar (a possibilidade de abordar preocupações compartilhadas) — ou imaginasse diferentes panoramas através dos olhos deles. Com a prática de trabalhar com artistas engajados em formas tácitas e explícitas de desaprendizagem, nós nos unimos para pensar através do fazer e para descobrir muitas formas de fala e de visibilidade. Descobrimos maneiras de considerar como a arte pode agir como uma lente para colocar em foco aquilo que é difícil de localizar ou tornar visível. Ao criar espaço para um processo gerativo de produção em vez de apenas apresentação, nossas expectativas precisam permanecer flexíveis. Isso pode trazer desafios para uma organização, mas que se mostram úteis para discutir os objetivos e as intenções de artistas, cidadãos ou apoiadores. O desafio da colaboração significativa nesse contexto e do falar por meio da arte está no cerne do compromisso da Collective com a possibilidade de confiança mútua.

Por um Novo Observatório da Cidade

O conceito de panorama, de Robert Barker, era específico para representação visual. Agora nos vemos cravados em uma colina tentando desaprender muito do que ficou emaranhado nesse local desde que ele cunhou a expressão. Isso inclui noções pseudonaturais de visão, fala e cultura e de quem pode ser visto, quem será ouvido e quem pode produzir cultura. Nosso objetivo é começar a complicar as histórias simplistas absorvidas e a desfazer narrativas complexas para torná-las visíveis ao público.

Considerando sempre como a Collective pode cuidar por meio da atribuição de um novo propósito ao Observatório da Cidade de Edimburgo, indagamos: como ela desempenhará esse papel? Como pode se engajar? Como isso se articula com sua natureza complexa através da conexão de uma multiplicidade de vozes? E o que isso pode significar para o nosso cenário sociopolítico contemporâneo? Uma Troca de Método nos deu ferramentas valiosas para refletir, discutir, ampliar nosso panorama e reconhecer as conexões entre os diferentes atores dentro de um panorama específico, tanto contemporâneo como histórico. Nesse novo tipo de Observatório da Cidade, como a Collective vai apoiar artistas e outros a se expandirem e se entrelaçarem com os atores da paisagem, sejam pessoas, arquiteturas ou objetos? E o que pode ser produzido entre artistas e outras pessoas dentro desse panorama global?

Pequenas Organizações Artísticas e o Common Practice

A noção de cuidado e sua relação com organizações artísticas têm se revelado como uma preocupação comum de muitas organizações no Reino Unido. O Common Practice,15 fundado em 2009, é um grupo de defesa que trabalha pelo reconhecimento do setor de artes visuais contemporâneo de pequena escala em Londres. Esse grupo é um exemplo do enfoque no cuidado e da colaboração que desenvolve reflexão e prática no entendimento do cuidado. O Common Practice visa promover o valor do setor e suas atividades, atuar como base de conhecimento e recurso para membros e organizações afiliadas, assim como desenvolver um diálogo com outras organizações locais, nacionais e internacionais. Os membros fundadores do grupo foram Afterall, Chisenhale Gallery, Electra, Gasworks, LUX, Matt’s Gallery, Mute, The Showroom e Studio Voltaire. A Collective é uma das organizações afiliadas fora de Londres.

O projeto representa uma gama diversificada de atividades, incluindo comissionamento, produção, publicação, pesquisa, exposições, residências e ateliês de artistas. O Common Practice comissionou artigos de pesquisa, entre eles Practicing Solidarity, escrito por Carla Cruz, pesquisadora e artista de Londres, que tem relação com Uma Troca de Método. Esse artigo se baseou na conferência Bens Públicos, organizada pelo Common Practice com Andrea Phillips em fevereiro de 2015.16 Ele expande as noções de meritocracia e solidariedade, examinadas por Phillips e pelos membros do Common Practice, incluindo a Collective, em discussões públicas. O artigo analisa a natureza cada vez mais competitiva do setor das artes e questiona as consequências da “opção por não participar” dessa competição em favor de mais reciprocidade. Por fim, destaca o surgimento da cooperação e da solidariedade como estratégias para superar a competitividade, a individualização e a precariedade de quem trabalha com arte, bem como o possível desenvolvimento disso na economia em geral.

Como parte da conferência Bens Públicos, Kodwo Eshun, artista do The Otolith Group,17 falou a respeito das possibilidades e capacidades das organizações de artes visuais de pequeno porte promoverem o cuidado como valor. Isso se opõe às organizações de grande porte que podem não ter a capacidade (ou o hábito) de fazer isso, possivelmente porque não têm a habilidade ou a flexibilidade para desaprender. Kodwo acredita que o cuidado é algo realizado e que talvez seja importante refletir a respeito das plataformas sobre as quais o cuidado possa se apoiar. Plataformas, ele nos lembra, são estruturas sobre as quais a realização do cuidado pode ter lugar. Organizações pequenas, como a Collective, a Artlink e todas as organizações brasileiras envolvidas em Uma Troca de Método e no Common Practice de Londres, podem ter a estrutura específica necessária. Essas organizações de pequeno porte que conectam artistas e atores dentro das comunidades e localidades reproduzem o cuidado pela performance e pelo gesto criando bases relevantes para testes.


Kodwo Eshun do The Otolith Group na conferencia Public Assets organizada por Common Practice, Londres, 2015. Video via AQNB Productions

Kodwo considerou em seu discurso para a Bens Públicos que a etimologia da palavra curador, vinda do substantivo latim curatus, como em “cuidar”, originalmente pertencia aos encarregados dos menores de idade, daqueles com doença mental etc. Essa palavra se transladou para aquele que cuida de objetos em museus e, mais recentemente, para o idealizador, supervisor e guardião de uma exposição ou um programa. Organizações de artes visuais pequenas podem ter absorvido essa ideia (de cuidar) até torná-la uma atitude de cuidar e uma produção viva com artistas e outros atraídos para a visão, o projeto ou o método. Uma comunidade de trabalho e para o trabalho. Ideias e pessoas precisam ser cultivadas e cuidadas pela estrutura ou organização que tem a capacidade de assumir riscos de forma responsável. A capacidade de cultivar, a aventura de um processo (com outros e para outros) e a produção de trabalho com apoio está no cerne dos programas da Collective Satélites e Constelações.

Esse desejo de ser uma plataforma de produção viva está refletido em Uma Troca de Método e em todas as organizações e artistas envolvidos na Escócia e no Brasil. Na Collective, com produtores experientes e cuidadosos, acreditamos que temos o cuidado necessário para conectar e facilitar uma ampla gama de conversas que podem surgir a partir de exposições ou resultados públicos, mas não estarem diretamente relacionadas isso. O valor dos projetos com os quais nos envolvemos está principalmente nos “bastidores” do projeto, que é fundamental para a produção, mas não é apresentado ao público. Assim, a organização é uma plataforma para prática, produção e também para “tornar público”. 18 O cuidado é central para desenvolver práticas, manter conversas duradouras e tornar público.

Com projetos como Common Practice e Uma Troca de Método, vemos que pequenas organizações cultivam e levam isso a público com artistas, grupos e apoiadores. Eles podem manter espaços para ouvir uns aos outros ou ouvir juntos. Ao aprender e desaprender, reconhecer o cuidado no trabalho através de projetos e refletir sobre nós mesmos e os papéis que desempenhamos, nós nos concentramos em cultivar ideias que unem as pessoas e fornecem uma plataforma para preocupações compartilhadas. Por meio das trocas desse projeto (Brasil-Escócia), da reflexão que ele ofereceu e do “espessamento” do pensamento que muitas mentes e práticas trazem ao tópico do cuidado, aprendemos muito e continuamos a evoluir.

 

A Collective vai se debruçar sobre a possibilidade de um novo tipo de Observatório da Cidade, um desafio coletivo, um mecanismo para colocar em foco coisas diferentes, tornando o invisível visível. Temos o orgulho de colaborar com tantas organizações e artistas dinâmicos, atenciosos e meticulosos que nos ajudam a refletir sobre o nosso papel e a nos desenvolver por meio da desaprendizagem. A produção de tipos diferentes de conhecimento ocorre aos poucos, mas é crucial para nosso futuro em comum. Ao sustentar o potencial que a arte tem para trazer contribuições significativas a essa época tão complexa, estamos cuidando do futuro.

Reprodução Social: Cuidado como Método

Há muitos desafios complexos no estabelecimento da desaprendizagem dentro do Observatório da Cidade. O compartilhamento e a conscientização de teorias e métodos específicos fazem parte disso, e a Collective recebe com frequência grupos que compartilham preocupações ou linhas de investigação. Um grupo que estamos recebendo no momento é Grupo de Leitura de Reprodução Social, fundado por Kirsten Lloyd e Victoria Horne em 2014.19 Esse grupo sempre funcionou de forma praticamente autônoma em relação a outras instituições, embora as fundadoras tenham ligação com o meio acadêmico. É um grupo direcionado pelos membros e que responde aos interesses deles em pesquisa coletiva. Nesta publicação, temos a sorte de ter um texto de Kirsten que conecta Uma Troca de Método com sua própria pesquisa em reprodução social.20

Ao receber esse grupo de leitura feminino, a Collective articula um interesse em métodos de compartilhamento e de reciprocidade. O conceito de reprodução social geralmente sustenta as discussões que temos em torno de trabalho e hábitos ocultos implícitos em nossas práticas organizacionais. Muito de como pretendemos nos engajar e refletir sobre a produção de arte e como ela acontece se centra em nossa crença de que a prática artística pode ser uma ferramenta para começar a afrouxar — talvez para até mesmo desvendar — os hábitos inconscientes da maneira como operamos. Essas estruturas e hábitos transmitem a desigualdade de uma geração para outra. Portanto, desvendá-los e repensá-los pode ser fundamental para mudanças maiores. O sociólogo Pierre Bourdieu identificou quatro tipos de capital que contribuem para a reprodução na sociedade: o capital financeiro, o capital cultural, o capital humano eo capital social. Eles estão entrelaçados e afetam as várias formas de capital com as quais uma organização artística está envolvida com frequência. Então, observamos discussões recentes para encontrar uma maneira útil de utilizar essas ideias.

O Grupo de Leitura de Reprodução Social definiu que seu interesse em reprodução social surgiu como um termo do pensamento feminista para descrever a reprodução do cotidiano e da força de trabalho sob o capitalismo. Esse trabalho complexo, que inclui, sem se limitar, a criação de filhos e trabalhos domésticos, foi excluído historicamente das análises da economia “real” ou monetária e da relação de remuneração. A noção de reprodução social se relaciona com a educação e a saúde de diversas formas, que eu acredito terem uma conexão fundamental com as noções de cuidado. É assim porque essas atividades e hábitos, excluídos da economia monetária, são uma sinalização crucial de cuidado. Temos refletido a respeito da reprodução social como uma forma de expandir nosso entendimento do seu possível significado para artistas e para uma organização artística. Além disso, questionamos como isso é negociado no campo mais amplo das artes, entendendo que é transversal e que conecta muitas outras áreas de estudo.

 

O grupo de leitura leu textos escolhidos por seus membros, começando por “Wages Against Housework” (1975), de Silvia Federici. As narrativas, muitas vezes ocultas ou excluídas, como aquelas abordadas pela reprodução social, fornecem uma lente através da qual podemos entender as complexas relações entre cuidado e produção. Isso fica evidente também no projeto da Collective comissionado entre Petra Bauer e SCOT-PEP, que indicou questões de reprodução social e autonomia nos quadros institucionais. Essa forma de reprodução pode tornar visíveis hábitos pessoais e institucionais específicos, criando uma estratégia que nos permite refletir sobre como uma organização artística pode tentar criar as aberturas de possibilidades em direção a uma prática feminista e decolonial. A Collective entende que seu desafio é alargar essas aberturas e oferecer conexões transversais dentro delas, ao mesmo tempo em que reconhece o regime econômico feroz no qual operamos.

No texto mencionado anteriormente “A Contemporary Observatory for the City”, o crítico Simon Sheikh vai além e fala da Collective como um novo tipo de Observatório da Cidade: “Se a instituição é, então, uma máquina que produz assuntos específicos, o que se pode pedir da transformação, não de uma fábrica em uma galeria, nem de uma galeria em um espaço de trabalho imaterial, mas do observatório histórico em uma galeria contemporânea?” E como observou a artista Hito Steyerl no ensaio intitulado “Is a Museum a Factory?”, “o museu geralmente não torna o trabalho visível, mas oculta o trabalho real de instalação, limpeza etc., mas é, ainda assim, ‘… um espaço para produção’ e ‘um espaço para exploração’”.

Esse é um panorama complexo com muitos colaboradores, e a Collective reconhece todos os artistas, grupos, apoiadores e membros da equipe que colaboram para desenvolver o nosso método organizacional em constante evolução. A influência de artistas e outros é palpável em nosso trabalho e, como organização, geralmente mantemos um espaço, uma plataforma na qual outros podem atuar. Precisamos tomar cuidado para não colonizar o conhecimento ou as ideias daqueles com quem colaboramos no processo de decolonização. Neste texto, defendi que, embora seja um processo complexo, talvez as organizações de pequeno porte estejam em melhor posição para fundirem “bastidores” e “palco”; trabalhando juntos, com o cuidado como método, podemos instituir novas formas de plataforma que também sirvam melhor a nossos apoiadores.

 

***

 

Kate Gray
Diretora do Collective, Edimburgo desde 2009, onde anteriormente liderou o programa Collective’s One Mile (2006-2009). O coletivo reúne as pessoas em torno da produção de novos trabalhos e o programa de Kate na Collective concentra-se na co-produção entre artistas e pessoas que não se descrevem como artistas. Comissões recentes incluem Dineo Seshee Bopape, Hito Steyerl, Goldin e Senneby, Jesse Jones, Slavs e Tatars, Simon Martin, Grace Schwindt e Petra Bauer. Kate liderou a transferência do Colectivo, reorientando o Observatório da Cidade, no icónico Calton Hill de Edimburgo, para ser um novo centro de arte contemporânea em 2018. Estudou em Oxford e Sheffield Hallam Universities antes de concluir um MFA na Glasgow School of Art. Ela foi a primeira coordenadora de Rhubaba, galeria de artistas e estúdios (2014-2017) e é professora visitante na Escola de Arte de Glasgow e Faculdade de Arte de Edimburgo.

_______

1 “Palco” e “bastidores” é um conceito discutido no âmbito do Programa Satélites e foi introduzido especificamente pelo artista James N. Hutchinson, que é o facilitador de grupo do programa desde 2015. Ele se refere em especial ao texto “Backstage and Processuality: Unfolding the installation sites of Curatorial Projects”, de Ines Moreira, publicado em The Curatorial – A Philosophy of Curating (Org. de Jean Paul Martinon, Londres/Nova York: Bloomsbury, 2013), no qual a autora afirma que “Os bastidores se referem, também, a um estado de incompletude, a um lugar inacabado onde o ‘fazer’ tem lugar. Bastidores dão origem a exposições, estendem os ateliês dos artistas e criam estruturas expositivas de instalações espaciais a cenografias,” 225-234.

2 Towards a City Observatory: Constellations in Art, Collaboration and Locality é uma publicação que foi produzida pela Collective em 2017. Refletindo a respeito da longa jornada para se chegar a esse ponto, Towards a City Observatory convida artistas, escritores e pensadores a imaginarem um novo tipo de observatório que aproxime as pessoas por meio da arte contemporânea. Essa publicação representa um momento de pausa para a Collective no limiar da mudança e aborda alguns de seus principais projetos dos últimos cinco anos para nortearem o futuro. Towards a City Observatory traz contribuições de Charles Esche, Lesley Young, Simon Sheikh, Emma Hedditch, Wendelien van Oldenborgh, Sharam Khosravi e muitos outros pares que ajudaram a Collective a se tornar uma entidade plural desde sua constituição em 1984. O design do livro foi feito por Åbäke para uma edição limitada de duzentos exemplares que possuem uma beirada bicolor singular. Um pdf grátis pode ser obtido aqui e uma versão impressa sob encomenda pode ser adquirida aqui.

3 Não é meu objetivo aqui analisar todas as complexidades do pensamento sobre a descolonização no projeto de troca com o Brasil, pois isso daria origem a um outro texto. No entanto, alguns aspectos devem ser reconhecidos, incluindo a natureza complexa do financiamento do British Council e as armadilhas de definir uma organização, o indivíduo e as sutilezas das relações entre eles a partir de um entendimento em evolução a respeito de um contexto diferente. Isso foi discutido diversas vezes internamente na Collective ao longo do projeto e também ao longo do processo de edição desta publicação.

4 Em 2014, o Norte Comum se uniu ao Hotel da Loucura (2010-2016) um projeto que emergiu no Instituto Municipal Nise da Silveira em conjunto com a iniciativa Universidade Popular da Ciência e Arte Popular, e uma iniciativa do Núcleo de Ciência e Arte inaugurado na Secretária de Saúde da perfeitura do Rio de Janeiro. O coletivo passou a ocupar uma antiga enfermeira do hospital psiquiátrico Instituto Municipal Nise da Silveira e iniciou diversas atividades para os usuários com foco na expressão criativa e questões humanitárias. Ver os depoimentos de Jefferson Vasoncellos e Pablo Meijuiero na parte 1 do vídeo Cuidado como método nesta edição. [nstitutomesa.org/RevistaMesa_5/portfolio/cuidado-como-metodo-arte-politica-e-clinica-em-4-territorios-no-rio-de-janeiro/]

5 O projeto no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica e a residência do Norte Comum estiveram vinculados à pesquisa e curadoria de Izabela na realização da exposição ‘Bandeira na Praça’ resgatando a história do happening/protesto artístico em 1967 no Rio de Janeiro em paralelo às iniciativas de intervenções públicas contemporâneas realizadas por diversos artistas e coletivos.

6 Apresentado como avaliação, Somersault é a exploração da experiência de participar de All Sided Games (2013-2015), de Julie Crawshaw, comissionado pela Collective. Somersault embasa a compreensão do significado que All Sided Games teve para os participantes e explora de que forma as avaliações podem capturar melhor a complexidade das associações relacionais de participação em uma obra de arte. All Side Games se propõe a encontrar novas maneiras de trabalhar com as famílias em suas localidades, buscando áreas de interesse mútuo ao pensar e agir através da produção e da apresentação de arte. Seis comissões reuniram artistas (Jacob Dahlgren, Mitch Miller, Cristina Lucas, Nils Norman & Assemble, Florrie James e Dennis McNulty), outras pessoas e grupos em locais usados ou construídos para os Jogos da Commonwealth em Edimburgo em 1970 e 1986 e em Glasgow em 2014. O projeto também explorou e expandiu as ideias de local com o simpósio e programa intensivo O Que É Perto? O livro pode ser acessado aqui.

7 Crítica institucional é o ato de criticar uma instituição como prática artística. Na década de 1960, as instituições artísticas costumavam ser vistas como um local de “confinamento cultural” e que, portanto, deviam ser atacadas estética, política e teoricamente. Existem muitos expoentes da crítica institucional, incluindo Hans Haacke. É verdade que, a partir dos anos 1980, curadores, produtores e diretores realizaram discussões críticas dentro de organizações artísticas que se centravam exatamente nesse tema, fazendo da instituição não apenas o problema, mas também a solução potencial. A formação da Collective por artistas em 1984 — momento em que estavam bastante cientes da crítica institucional — pode ser vista também como uma forma de crítica institucional. Portanto, para assegurar que a organização não se torne um local de “confinamento cultural”, percebo que é necessário manter a prática dos artistas como a força motriz da Collective.

8 Shona Macnaughton foi codiretora da Embassy Gallery. Desde então, ela tem buscado sua prática artística própria que apresenta ao público em exposições, performances, palestras e textos. Além disso, ela participa de projetos com o coletivo Eastern Surf. Sua prática se fundamenta em performance, escrita e filmes e questiona a tecnologia, a subjetividade e o trabalho, fazendo reapresentações das relações entre os personagens, roteiros e ações configuradas para confrontar a plateia. Seu trabalho usa um método de reenquadramento de textos relacionados ao local de exibição, transferindo-os de seu contexto original para as condições políticas e tecnológicas atuais. Assim, reage ao clima político em torno de arquiteturas específicas, que podem ser tanto o espaço físico como virtual e a forma de funcionamento de seus designs. O site pode ser acessado aqui.

9 KRAUSS, Annette. Sites for Unlearning: On the Material, Artistic and Political Dimensions of Processes of Unlearning. Brooklyn: Autonomedia (a ser publicado em 2019).

10A prática de Annette Krauss tem base conceitual e aborda a interseção entre arte, política e cotidiano. Seu trabalho gira em torno de conhecimento informal e de processos de normalização que moldam nossos corpos, a maneira como usamos os objetos, como nos envolvemos em práticas sociais e as influências disso na nossa forma de conhecer e agir no mundo. Seu trabalho artístico surge da interseção de mídias diferentes, tais como performance, vídeo, pesquisa histórica e cotidiana, pedagogia e textos. Krauss (co)iniciou diversas práticas colaborativas de longo prazo (The Hidden Curriculum; Sites for Unlearning; Read-in; ASK!; Read the Masks. Tradition is Not Given; and School of Temporalities.) Esses projetos refletem e desenvolvem o potencial de colaboração ao mesmo tempo em que visam abalar as “verdades” consideradas ponto pacífico na teoria e na prática. Os sites de seus vários projetos podem ser acessados aqui, aqui e aqui.

11 R.D. Laing nasceu em Glasgow. Ele nunca negou a existência de doença mental, mas seu olhar era radicalmente diferente da perspectiva de seus contemporâneos. Para Laing, a doença mental poderia ser um episódio transformador; o processo de passar por uma disfunção mental era comparado a uma viagem xamânica. O viajante poderia voltar da viagem com percepções significativas, tornando-se, como consequência, mais sábio e sensato. No primeiro e mais conhecido livro que escreveu, The Divided Self: An Existential Study in Sanity and Madness (1960), ele contrastou a experiência da pessoa “ontologicamente segura” com a de uma pessoa que “não consegue ver a existência, a vivacidade, a autonomia e a identidade de si mesmo e dos outros com naturalidade” e que consequentemente arruma estratégias para evitar “se perder”. Laing defendia que o antigo sistema, baseado em Bedlam, que encarcerava pessoas com doenças mentais e as travava com drogas antipsicóticas e eletrochoque contribuiu para o sofrimento psicológico e emocional das pessoas. Com sua crença no poder da autocura, ele teve papel importante no movimento contrário aos hospícios, que lutava em prol do modelo de cuidado comunitário, que é a regra hoje no Reino Unido. No entanto, esse processo foi defendido pela primeira vez em 1962 pelo conservador Enoch Powell, ministro da saúde na época, principalmente por razões econômicas. Seu legado é, portanto, considerado maculado.

12 A Pedagogia do Oprimido (1968), de Paulo Freire, propôs uma pedagogia com uma relação diferente entre professor, aluno e sociedade. Com base em sua experiência ajudando adultos brasileiros a ler e escrever, Paulo Freire inclui uma análise de classe marxista detalhada em sua exploração a respeito da relação entre o colonizador e o colonizado. Em seu livro, Freire chama a pedagogia tradicional de “modelo bancário de educação” por considerar o aluno como um recipiente vazio esperando para ser preenchido com conhecimento. Defende que a pedagogia deve tratar o aprendiz como cocriador de conhecimento.

13 Petra Bauer trabalha no sentido de pensar o filme como uma forma de ação política. Conectando estética e política, artista e cineasta, ela reflete sobre sua experiência de fazer filmes políticos e lança um argumento teórico em Sisters! Making Films, Doing Politics que — por meio das ideias de Hannah Arendt sobre a constituição da arena política — revela os mecanismos estéticos subjacentes às estratégias contemporâneas para a produção cinematográfica feminina e coletiva. Seu projeto de PhD, Sisters! Making Films, Doing Politics se baseia em um extenso arquivo histórico de teoria do cinema e produção cinematográfica radical, com atenção especial aos coletivos de filmes britânicos dos anos 1970 e aos filmes feitos por cineastas palestinos e israelenses. No centro da investigação se encontra Sisters!, projeto cinematográfico colaborativo de Petra com a organização feminina Southall Black Sisters, de Londres. Pode-se baixar a tese de Petra aqui. Seus projetos colaborativos no Reino Unido podem ser vistos aqui e aqui.

14 A SCOT-PEP é uma entidade liderada por trabalhadores do sexo que luta por segurança, direitos e saúde de todos que vendem sexo na Escócia. Defende que trabalho sexual é também trabalho e que trabalhadores do sexo merecem proteção, como direitos trabalhistas. Junto com a Anistia Internacional, a Organização Mundial da Saúde e a Global Alliance Against Traffic in Women, defendem que a descriminalização do trabalho sexual é o que pode melhor garantir a segurança e os direitos das pessoas que vendem sexo. Querem se organizar e se sindicalizar para conseguir melhores condições nos locais de trabalho, para fazer as vozes dos trabalhadores do sexo serem ouvidas e para questionar políticas punitivas que buscam limitar a migração e tornam os migrantes que vedem sexo mais vulneráveis a exploração e abuso. Consideram que a melhor forma de enfrentar a exploração é através do fortalecimento e a defesa dos direitos dos migrantes que vendem sexo, especialmente aqueles indocumentados. O site com vários recursos pode ser acessado aqui.         

15 Artigos de pesquisa do Common Practice de Londres podem ser acessados aqui. Há também filiais do Common Practice em Nova York e em Los Angeles. Os membros fundadores do Common Practice em Nova York são Artists Space, The Kitchen, Light Industry, Participant Inc., Printed Matter, Triple Canopy e White Columns. O site pode ser acessado aqui. Os membros fundadores da Common Practice em Los Angeles são East of Borneo, Human Resources, LACE, LA><ART, MAK Center, REDCAT e X-TRA / Project X. O site pode ser acessado aqui.

16 Com base no trabalho anterior sobre valor e sustentabilidade no setor de artes de pequena escala do Reino Unido, o Common Practice organizou uma conferência de um dia para discutir as maneiras pelas quais as organizações artísticas produzem valor artístico além da mensurabilidade e quantificação, proporcionam ao mercado espaços para a experiência pública adicional e, ao fazê-lo, contribuem de forma significativa para a riqueza cultural. Dessa forma, as organizações artísticas de pequeno porte demonstram a necessidade de consolidar, em vez de diminuir, o financiamento estatal para as artes como um bem público central. A conferência ocorreu em 15 de fevereiro de 2015 no teatro Plataform, em Central Saint Martins. Alguns palestrantes: Jesús Carrillo, Kodwo Eshun, Charlotte Higgins, Maria Lind, Andrea Phillips e Lise Soskolne (W.A.G.E.). Pode-se assistir a todas as contribuições aqui.

17 The Otolith Group é um coletivo premiado liderado por artistas que foi fundado por Anjalika Sagar e Kodwo Eshun em 2002. A prática deles une produção de filmes e vídeo, escrita de artistas, workshops, curadoria de exposições, publicação e desenvolvimento de plataformas públicas para leituras atentas da imagem na sociedade contemporânea. O coletivo The Otolith coexiste pela curadoria, programação, publicação e apoio a apresentações de obras de artistas, contribuindo para uma área de exploração crítica entre a cultura visual e exposição na sociedade contemporânea. O site pode ser acessado aqui.

18 “Tornar público” é uma expressão usada em geral por quem defende uma noção ampliada de curadoria que vai além das exposições, incluindo outras formas de fazer a arte acontecer e ser levada ao público. Muitos artistas, curadores, produtores e diretores adotaram simultaneamente outras formas de produzir arte e permitir que exista de uma maneira que faça mais sentido em relação ao tipo de arte, ao tempo e ao lugar. Maria Lind diz que “o termo ‘curadoria’ é usado como uma modalidade técnica de tornar a arte público”. LIND, Maria. “Performing the Curatorial: An Introduction” in: Performing the Curatorial: Within and Beyond Art ed Maria Lind (Berlin: Sternberg Press, 2012), 11. Outros teóricos também aprofundaram essas ideias.

19 Nas áreas da antropologia, sociologia, estudos religiosos, design centrado no ser humano e desenvolvimento organizacional, uma descrição “densa” de um comportamento humano é aquela que explica não apenas o comportamento, mas também seu contexto, de modo que o comportamento se torna significativo para um estranho. O termo foi introduzido no século XX pelo filósofo (1900-1976). Mais tarde, o antropólogo Clifford Geertz desenvolveu o conceito em seu livro The Interpretation of Cultures (1973).

20 Kirsten Lloyd. “Caring in Public: notes on the Mediation of Social Practice” [http://institutomesa.org/revistamesa/edicoes/5/kristen-lloyd/]