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Detalhe do desenho de Aline Besouro

Casa 4 – Vicente, um bebê no curso

Diana Kolker Carneiro da Cunha

Quando eu e Rafa Éis fomos convidados pelo Instituto MESA para colaborar na coordenação de um programa na Casa Daros, nosso filho Vicente tinha apenas três meses. Jessica Gogan e Guilherme Vergara, pessoas preciosas, nunca colocaram empecilho na possibilidade de termos o bebê conosco e nos deixaram à vontade para decidirmos o que e como fazer.

No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda que durante os seis primeiros meses o bebê seja alimentado exclusivamente com o leite materno. O Ministério do Trabalho assegura o direito a quatro meses de licença-maternidade, podendo chegar ao máximo de seis meses. Isso significa que a maior parte das mulheres precisa deixar os seus bebês aos cuidados de terceiros. Como amamentar exclusivamente e em livre demanda se a maioria precisa voltar ao trabalho quatro meses após o nascimento? Vale lembrar que a criação do vínculo, a segurança emocional, o acompanhamento do desenvolvimento são tão importantes quanto a nutrição. E tudo isso precisa ser vivido pelo pai também. O que dizer dos cinco dias de licença-paternidade?

Sem dúvida, seria um privilégio trabalharmos junto ao nosso filho, mas, além disso, a proposta era apaixonante: coordenar um curso de formação para jovens artistas, com amigos que admiramos, numa instituição respeitada, inspirados no período que Gerchman dirigiu a EAV… Ficamos extremamente seduzidos, mas receosos sobre a viabilidade de trabalhar com um bebê. Decidimos aceitar, combinando que, se a rotina de trabalho o prejudicasse ou se nós não atuássemos com a mesma competência que sempre nos exigimos, os planos seriam reconfigurados. No mês seguinte começamos as reuniões de concepção do programa. A gerente de Arte e Educação da Casa Daros, Bia Jabor, e o então diretor de Arte e Educação, Eugenio Valdés Figueroa, receberam a desdentada presença com alegria e o nosso trabalho com muita confiança. Nosso pequeno, sempre grudado ao corpo materno, seguro e quentinho em um carregador de pano (sling wrap) e com acesso constante ao seu precioso “mamá”, pareceu bem receptivo à nova rotina. O desafio foi todo nosso. Difícil, porém delicioso.

Se a princípio acreditamos que a presença de Vicente era importante por possibilitar que trabalhássemos e ficássemos juntos nos primeiros meses de vida, logo percebemos que era mais do que isso. Vicente tornou-se uma parte muito significativa do grupo. Sua presença nunca atrapalhou a produtividade de ninguém, ao contrário, nos ativou na mesma medida que encheu o ambiente de vida, espontaneidade e delicadeza. Constituiu-se um clima muito favorável ao encontro. Por sua vez, ele também foi afetado pela relação com os artistas, pelas nossas experiências poéticas e pela Casa Daros. Numa fase em que o ser humano se transforma tanto é muito difícil mensurar os efeitos desses encontros. Muitas vezes me perguntei como seria Vicente se tivesse ficado em casa com outro cuidador ou comigo e sem o pai, ou em uma creche. E nós, como seríamos?

Durante o curso Vicente começou a brincar, abraçar, fazer carinho e a expressar seus incômodos. Ganhou seu primeiro apelido, Pequeno Buda, nasceram seus primeiros dentes. Descobriu sabores, texturas, cores, formas, sons e cheiros. Encantou-se pelos instrumentos musicais. Aprendeu que somos pessoas diferentes e, com isso, passou a se relacionar ainda mais comigo e com o mundo. Certamente ele entendeu isso antes de mim. Cercado de proteção, amor e cuidados de seus pais, mas também de pessoas que não são de sua família, esse novo habitante do mundo já conheceu a amizade.

O vídeo que compartilhamos a seguir é o relato da artista Aline Besouro, registrado no encontro de avaliação da experiência no Laboratório Contemporâneo, no dia 5 de fevereiro de 2015.