Nº6 VIDAS ESCONDIDAS
Hüseyin Özinal, Fugitive Bodies, 2016-2018, Art Rooms Gallery, exposição de 16 de novembro a 9 de dezembro de 2018.

Fugitive Bodies1

Hüseyin Özinal

Comecei a sentir as dores da mudança no meu trabalho junto com a abertura das fronteiras em 2003 e meu retorno ao Chipre em 2004.

Tendo vivido a guerra como um menino de 13 anos em uma vila no sul do Chipre em 1974, sendo forçado a migrar para o norte quando da troca de população em 1975 e como alguém que testemunhou a divisão do Chipre, eu ainda carrego a dor e a raiva de todos esses traumas, apesar dos meus esforços em deixá-los para trás. Essa raiva e essa dor que sinto se manifestam e se expressam no meu trabalho eventualmente.

O estabelecimento da Initiative Against Homophobia [Iniciativa Contra a Homofobia] em 2006 e meu papel nela como um dos fundadores, bem como meu envolvimento em outros movimentos ativistas subsequentes, criaram um processo natural em que um foi sucedendo o outro.

Naquele momento, eu me vi no movimento pelos direitos dos homossexuais como uma pessoa que estava com o peso da raiva que sentia da divisão do Chipre e ciente da atmosfera discriminatória criada pelo direito penal que definia a homossexualidade como “relações contra a natureza”; relações definidas como crime punível com prisão.

No fundo (tendo crescido e vivido em uma sociedade homofóbica), era uma situação extraordinária voltar a um Chipre cujas fronteiras estavam abertas, depois de ter vivido quase 30 anos na diáspora, incapaz de me expressar e viver livremente.

Trabalhar como ativista independente, entre 2014 e 2017, na Gender Equality Platform [Plataforma de Igualdade de Gênero] criada pelo movimento feminista no norte do Chipre foi muito importante para a minha vida pessoal. Em especial, foi um elemento importante para ver em quais aspectos os movimentos LGBTQ e feministas se aproximavam ou se afastavam. Também devo ressaltar que minhas amigas feministas, tanto nessa plataforma quanto na vida externa, contribuíram muito para o meu trabalho recente. Seu conhecimento compartilhado e experiências pessoais ajudaram a nutrir minha pintura em diferentes áreas.

Na minha última série, Fugitive Bodies (2016-2018), meu trabalho sobre o corpo é um ponto que alcancei como o culminar desses processos.

O primeiro lar dos seres humanos, onde eles existem e podem ser eles mesmos, são seus próprios corpos. Desde o primeiro momento em que tive consciência da minha existência e do meu próprio discernimento, comecei a lutar “para ser eu mesmo”. O Chipre em que passei os primeiros anos da minha vida e juventude, e depois da abertura das fronteiras (embora no momento em que eu esteja escrevendo elas estejam fechadas devido à pandemia de Covid-19), assim como Istambul, onde morei por 30 anos nesse meio-tempo, sempre foram um campo de luta e existência para mim.

Tudo o que existe dentro do que é desconsiderado, o suprimido, o abusado, o eliminado, os outros que não são vistos, intencionalmente esquecidos pela heteronormatividade e ao mesmo tempo forçados a sentir a necessidade de aderir à normatividade: ter corpos ideais. Estamos lutando contra um mundo heterossexista, e é dessas questões que meu trabalho trata.

Só consigo prosseguir com a minha existência fazendo e trabalhando. Mesmo que as questões sobre as quais eu tenha trabalhado ultimamente sejam pesadas por vezes, mesmo que eu sinta que estou machucado e sofrendo, é bom para mim expandir os limites da minha arte ao mesmo tempo em que expando os meus próprios limites e produzir em um espaço político que carrega valores universais.

  • Hüseyin Özinal, Fugitive Bodies, 2016-2018, Art Rooms Gallery, exposição de 16 de novembro a 9 de dezembro de 2018.

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Hüseyin Özinal
Nasceu em 1961, em Binatlı/Limassol, Chipre, e migrou para Güzelyurt/Morphou após a guerra de 1974. Entre 1979 e 1984, completou sua formação artística em Pintura na Universidade Murmur e viveu em Istambul até 2004, quando regressou definitivamente ao Chipre. O interesse de Özinal pelo corpo na pintura, estados e políticas do corpo é paralelo ao seu papel como ativista na comunidade LGBTI. Desde 2016, seu trabalho enfoca questões como a incompletude do corpo – relutância em encontrar a forma e, principalmente, resistência a se tornar corpos ideais. Essa resistência é expressa em formas minimalistas e sutis, semelhantes à poesia. Para obter mais informações: http://huseyinozinal.com/ Contato: enkidu61@yahoo.com


1 Em português, Corpos Fugitivos. (N.T.)