MCDFListening1
Evento com instalação pública, exibição de filme e discussão organizado pelo próprio MCDF como parte de seu intercâmbio com o fórum da juventude da South London Gallery, Art Assassins. Foto: Langalibalele Mathuthu

A dança também é uma forma de conhecimento: Rangoato Hlasane conversa com Mysterious Creatures Dance Fusion (MCDF)

Rangoato Hlasane e MCDF (Nqobile Khumalo, Neo Doctor Ncube, Wesley Hlongwane, Andile Nzuza e Invention Ramaisa)

Quem é o Mysterious Creatures Dance Fusion?

Nqobile Khumalo
A dança é uma linguagem livre e fácil tanto para comunicação como para expressão. Ela me permite usar gestos do dia a dia para me comunicar sem o uso de palavras. Seu significado vai além do significado dos movimentos físicos; ela pode incorporar todas as outras emoções muito melhor do que palavras às vezes, simplesmente porque é uma linguagem visual e a única mentira que pode contar é a própria mensagem, se não for representada com base nas emoções verdadeiras da pessoa.

Neo Doctor Ncube
É preciso ser atleta para dançar, mas para ser dançarino, é preciso ser artista. Na dança, existe vitalidade, uma força vital, uma energia, um despertar que se traduz em ação através de mim. E como não existe outro Neo, essa expressão é única e difícil de bloquear, porque se for bloqueada, dificilmente existirá por qualquer outro meio. Se perderá. A dança é uma linguagem artística que define quem eu sou. É assim que me comunico com meu povo; alguns podem entender e outros podem não perceber o que tento representar. Por fim, cito a frase: “A dança é uma expressão vertical de um desejo horizontal”. Lembre disso!

Wesley Hlongwane
Wesley Hlongwane começou a dançar em 2008. Trabalhou e se apresentou com diferentes artistas que o incentivaram e o apresentaram a diferentes técnicas e habilidades. Começou a trabalhar com a Biblioteca Keleketla! em 2010, com Nqobile Khumalo, Doctor Neo Ncube, Emma Ramashala e Lerato Makopo, sob a orientação de Michael Shelton Machaya, num número chamado “Movement Mandela”. Depois, trabalhou com The Forgotten Angle Theatre Collaborative, uma parceria contínua, como participante do MCDF. Entre os outros colaboradores estão Nyaniso Dzedze, alunos de Belas Artes da Wits School of Arts (Ruru Rusike, Grace Mmabatho Mokalapa e Daniella Dagnin) e, recentemente, Lindiwe Matshikiza, com sua produção interdisciplinar “Donkey Child”.

Andile Nzuza
Compreendo a dança como um espírito que fala e respeito sua presença, pois ela leva minhas emoções a se envolverem num outro nível de consciência e sabedoria da energia cósmica. Nasci como artista que canta, dança, representa e até faz ginástica.

Comecei profissionalmente em afro-fusion e dança contemporânea quando frequentava a companhia Moving Into Dance Moiphatong, no seu programa de aulas abertas, obtendo um certificado em 2013. Como indivíduo espiritual, danço para que meus ancestrais me transmitam iluminação e sabedoria.

Invention Tshibollo Ramaisa
A dança é muito importante para mim, porque posso contar muitas histórias usando apenas meu próprio corpo. Cada movimento tem seu significado único. Sei dançar diferentes estilos: afro-fusion, pantsula, hip hop e contemporânea. Sou um dançarino!

Sobre Mysterious Creatures Dance Fusion

Mysterious Creatures Dance Fusion (MCDF) é um grupo de arte interdisciplinar formado em 2011 por jovens integrantes do programa educativo extracurricular da Biblioteca Keleketla!. A Biblioteca Keleketla! é uma organização sem fins lucrativos situada no coração de Johannesburgo. A organização trabalha com jovens, principalmente estudantes, usando a arte como um dos meios de educação e informação. O Mysterious Creatures Dance Fusion foi formado para dar continuidade àquilo que seus fundadores haviam aprendido; para crescer e se desenvolver na dança e encontrar colaborações independentes de facilitadores; para explorar o movimento criativo tanto dentro do teatro físico como fora dele. Nossa missão é criar uma plataforma para jovens artistas e aspirantes colaborarem e colocarem em prática suas técnicas enquanto aprendem uns com os outros e crescem juntos.”

Nqobile Khumalo

A arte na vida

Neo: Como eu estava dizendo, tipo, das outras companhias de dança, percebemos que alguns dos números, as palavras [usadas nos títulos das obras] são só coisas que você não tem como imaginar, como Four Seasons, Shades, Five Hats (Quatro estações, Sombras, Cinco chapéus). Você pensa consigo: certo, o que é isso? O que está acontecendo? E esses Cinco Chapéus? O que são as Sombras? Entende? Então, para nós, os dois números que estamos treinando agora, eles têm uma mensagem.

Andile: Não estamos fazendo por fazer…

Neo: Com nosso número de dança Secrets of the Streets (Os segredos das ruas), as pessoas pensam muito nos segredos que estão pelas ruas. A religião é uma coisa que estamos trabalhando; uma coisa que está realmente à nossa volta.

Andile: A mais complexa!

Ra: …e Johannesburgo é cheia de igrejas, igrejas carismáticas, mas a religião vai além da igreja…

Neo: É por isso que, como Invention mencionou, somos bem únicos. É que alguns números de dança que a gente já viu não incluem teatro e canto. São mais dança e movimento.

Andile: Outra coisa, não queremos ser metafóricos; vamos direto ao ponto.

Neo: Não queremos complicar as coisas ou deixar a plateia confusa.

Ra: Como você consegue trazer [aquela sensação de] espanto, a novidade? Uma coisa que as pessoas ainda não viram, mas que tem uma mensagem. É tão difícil.

Andile: É, é difícil, mas como coletivo, precisamos sentar e usar nosso cérebro. E ir para as ruas e apresentar [ou fazer] a coisa underground. Como mencionei, o teatro é underground [desconhecido e não apoiado por minha comunidade], nem todo mundo já foi ao teatro. … “Eu já fui ao teatro”… “É o que aquilo?” Mas eu respeito o teatro; ele nos treinou como coletivo. Então, precisamos mostrar para as ruas como o teatro funciona, precisamos ser mais futuristas na nossa dança, nos entregar nas ruas, mas continuar com o teatro. Quando estamos nos apresentando na rua, é como se fosse teatro.

Invention: Tudo tem a ver com a criatividade, todos temos opiniões diferentes e podemos fazer algo novo.

MCDFSkaftien
MCDF se apresenta no Skaftien nº 3, Makhwapheni, Stevenson Gallery, Johannesburgo, África do Sul. 25 de fevereiro de 2013. Foto: Tawedzerwa Zhou

Dançar outras músicas

Ra: E aí, você é interdisciplinar; você combina todos essas coisas diferentes. Na “festa para escutar”, tínhamos instalações no espaço, nas paredes, no chão e também música. Vamos falar um pouco sobre música, ou som, seu papel? E sobre o silêncio também. Como você chega aos sons; que tipos de sons sensibilizam os Mysterious Creatures?

Neo: Para ser sincero, não é a música que todos conhecem. É underground

Andile: Quando você escuta música e sente sua alma chamar seu corpo, não sei como, mas você sente sua alma falar com você, tipo: ei, baba, escuta isso… faz isso! Porque você começa não fazendo nada, escutando. Música que diz: pensa e faz! Essa música é forte, eu chamo de música da alma.

Invention: Focamos mais na natureza: a chuva, as árvores e os sons da natureza.

Wesley: Mas, principalmente, música e instrumentos africanos.

Andile: Outra coisa, precisamos tocar nossa própria música. Temos um percussionista muito bom, sabe.

Espaço

Ra: Como você sabe, aqui na Keleketla! estamos numa posição difícil com relação ao espaço, mas também com relação ao financiamento de projetos. Como jovens africanos hoje numa cidade onde é difícil encontrar espaço e financiamento, qual é o futuro das artes?

Andile: Esse problema de espaço e a Keleketla! saindo de Drill Hall1; é muito estressante e não é bom para o estímulo da nossa mente. A gente vai acabar dizendo “vamos nos apresentar e montar números” e tal, mas sem clareza para ninguém. É um espaço que nos aceita, sabe? Para nós como dançarinos e para a Keleketla! como projeto; não tem outra biblioteca como esta para se visitar em Johannesburgo. A mudança é uma privação, está tirando a arte de nós. Não queremos isso. Este é um patrimônio histórico. É um lugar de livros, de aprendizado; as crianças precisam aprender. Ler e escrever. Estímulo mental. Pensarem o que quiserem. Então, a Keleketla!…

Wesley: Não tem igual…

Andile: A Keleketla! não pode mudar de Drill Hall, ela é especial. E como amajita [grupo de amigos], como coletivo, no longo prazo, vemos nossa própria companhia de teatro. Gostaríamos de ver como nós [o MCDF] e a Keleketla! poderíamos trabalhar lado a lado. A Keleketla! traz crianças para a biblioteca. As crianças visitam biblioteca em busca de informações. Para fazer as coisas delas, o dever de casa. Depois, num dado momento, elas vão dançar, entende? Assim como a Keleketla! recruta as crianças, nós treinamos. Como pesquisa, elas iriam à Biblioteca Keleketla! para trazer um número de dança. O professor diz: “Pesquise isso”. O número de dança provavelmente é sobre cultura; sim, conhecemos nossas culturas, mas nunca nos aprofundamos. Entende, é por isso que os livros estão lá. Não sei como podemos fazer isso, mas a Biblioteca Keleketla! não pode se mudar daqui… estar em Johannesburgo é uma fonte de esclarecimento. A única biblioteca que faz a coisa toda, desde o trabalho interdisciplinar até o coletivo; é mais do que as outras bibliotecas. Não podemos nos mudar daqui, não! Por isso mencionei que é um patrimônio histórico. Precisamos lembrar daqueles que participaram do Treason Trial. Precisamos saber…

Invention: Como todos sabem, Wesley e Doctor [Neo], é como se fosse a casa deles, o lar deles, nós chamamos isso aqui de casa…

Wesley: Eu acho que a Biblioteca Keleketla! é como uma base para nós, para treinarmos uma geração mais jovem. Essa geração que estamos treinando, eles vão se tornar nossos próximos líderes, nossos próximos professores de dança e tudo mais, sabe? É que quando eles vêm pra cá, eles leem livros; ganham mais conhecimento, enquanto nós ensinamos dança, que é mais conhecimento. Então, a gente está, tipo, treinando o nosso futuro…

Wesley: Coreógrafos.

Andile: Nossos futuros artistas.

Wesley: Isso.

Invention: A dança faz eles virem para relaxar; é como um exercício. Mas a Biblioteca Keleketla! não pode mudar daqui… Não sei como, mas precisamos…

Neo: Vamos fazer um flash mob…!

Andile: Precisamos juntar todos; mina [eu], como indivíduo, gostaria de fazer uma reunião de diretoria com todos os sócios da Keleketla!. Nós, como dançarinos, sendo apresentados aos sócios… tem uma estratégia… Eu não saberia dizer, mas… Precisamos encontrar uma estratégia.

Os segredos das ruas: Mysterious Creatures Dance Fusion

Os segredos das ruas é um projeto voltado para a conscientização de massa sobre o problema dos moradores de rua em todo o mundo. A sede do Mysterious Creatures Dance Fusion fica no coração da “Cidade de Ouro”, uma cidade que atrai gente de toda a África em busca de trabalho. Por causa da superpopulação que leva ao fracasso, as pessoas acabam buscando moradia nas ruas, uma realidade que pode afetar direta ou indiretamente todos os cidadãos. Neste projeto, o MCDF contesta e investiga as visões e opiniões públicas sobre os desabrigados e enfatiza os talentos e habilidades que os moradores de rua possuem, talentos que praticamente nunca reconhecemos. Ao nos vestirmos como moradores de rua, conseguimos fazer uma pesquisa de campo, vivenciar o mundo na pele de um desabrigado. O projeto enfatiza algumas das muitas falhas da sociedade, aborda questões sociais como desemprego e pobreza. Este número de dança não é, de forma alguma, uma síntese do que nós somos ou uma representação da vida em Johannesburgo; trata-se simplesmente de um retrato teatral da vida nas ruas. Uma pessoa é uma pessoa independente de sua condição social ou econômica.

Os segredos das ruas: Mysterious Creatures Dance Fusion
Coreografia: Invention Ramaisa com MCDF
Encenado por: MCDF
Vídeo: Rangoato Hlasane
Edição: Malose Malahlela
Aprox. 4:00


O contexto e as ruas (aprox 2:58)


A performance (aprox 2:33)

Cada pessoa ensina outra pessoa

Invention: Como eu estava dizendo, foi duro, mas se você tem uma paixão, fica mais simples.
Todos começamos aqui, nos esforçando para ampliar os limites do nosso corpo; foi duro, mas estamos chegando lá. Ensinando, descobrimos como as pessoas chegam até a arte; ficamos sabendo mais sobre como as pessoas aprendem e conseguem absorver o que você diz. Inclusive, aprendemos como dançarinos, porque temos alguns alunos que são brilhantes na dança.

Andile: Tudo é o aprendizado…

Neo: Complementando… isso nos leva de volta ao Programa Educativo Extracurricular da Keleketla! [de alguns anos atrás]. Nós participamos; éramos muitos, muito confusos se era isso ou aquilo que a gente queria fazer… ou outra coisa.

Andile: Era uma casa cheia!

Neo: É, uma casa cheia… éramos muitos… mas aí o tempo passou e… vi que são poucas pessoas que estão muito interessadas e elas amam isso. Então, quando tinha show, eu só via certas pessoas que sempre estavam lá, para se apresentar, e dava pra ver que elas estavam desenvolvendo a técnica, o físico. Até o coreógrafo sempre sorria quando a gente se apresentava porque ficávamos nervosos, mas ao mesmo tempo, a gente curtia a apresentação. Agora, estamos ensinando no Freedom College [escola parceira da Keleketla!]. No momento, acabamos de observar algumas pessoas que deu pra notar que estão muito ligadas nisso. Algumas só estão lá à toa, mas outras querem aprender mais.

Andile: Algumas não têm certeza…

Neo: …exatamente como nós antes. Mas eu sei que, com o passar do tempo, elas vão ver de verdade. E vamos torcer para que elas não se deem conta tarde demais, quando – talvez os amigos estejam lá, fazendo o que nós estamos fazendo. Até nós, as pessoas que nós iniciamos queriam ser como nós somos agora. Infelizmente, seguiram outro caminho. Mas ao mesmo tempo, nos ensina isso; dar valor para uma coisa enquanto ela existe.

Invention: Quando estamos ensinando, temos que enfrentar dificuldades; alguns alunos batem na porta e você tem que correr atrás deles até irem embora. Isso melhora nosso jeito de ensinar, como jovem aluno, crescendo.

Ra: Como você lida com isso? Educação informal? Lidar com os comportamentos adolescentes, essas coisas?

Andile: A gente se acalma, só isso, você não pode ser rude com os adolescentes porque eles vão acabar te batendo.

Neo: Uma vez a gente estava lá… alguns deles acabaram se concentrando mesmo e começaram a assistir, provavelmente pensando: “Mas o que é que eles estão fazendo? Quem sabe eu aprendo alguma coisa”. Alguns criticariam mas outros… Dava pra ver porque alguns ficavam assistindo enquanto estávamos ensinando outros alunos. Parece que alguns têm medo de crítica, da pressão dos amigos. Os alunos, na maioria, são meninas; os garotos não querem, não é que não queiram, mas devido à cultura na escola, alguns têm medo de crítica, sei lá.

A gente vai lá porque sabe que as quartas-feiras são livres e as pessoas vão fazer esportes; algumas talvez venham para a nossa aula como bode expiatório [uma desculpa por não praticar esportes], mas algumas talvez porque sabem que querem “fazer arte, já que não sou uma pessoa de esportes nem nada”. Já vi que a maioria corre para a nossa aula quando vê um professor dobrando no corredor. O primeiro dia que fomos lá acho que tínhamos um total de seis alunos, mas está crescendo a cada quarta-feira – vemos mais gente nova e eles estão afim mesmo. Estamos construindo de baixo para cima mesmo.

Invention: Fomos ao Freedom College para criar algo que ficasse lá, e eles vão reconhecer isso quando o tempo passar.

Neo: Na verdade, temos que ir a diferentes escolas para deixar essa marca. E eles vão pensar “os Creatures estiveram aqui e deixaram isto”. Conforme a gente avança, também vai deixar isso para os outros. Então, tem que ser uma coisa que cresce, igual à Keleketla!, entende?

Invention: O motivo para o envolvimento do Freedom College é que algumas escolas não têm arte, quer dizer, arte visual, artes dramáticas, dança. Então, vimos uma oportunidade de ensinar as crianças para elas aprenderem mais sobre dança.

Neo: Parece que é só no subúrbio que você consegue encontrar estudos da arte e que se pode seguir a arte como carreira. A maioria das escolas na cidade são mais voltadas para o esporte. Tem um pouco de arte para coisas específicas. Entendo que a maioria das escolas tem um coro e teatro às vezes. E, em termos de dança, só existe a tradicional, então trazemos algo diferente. Trazemos contemporânea e afro-fusion.

MCDFListening2
Evento com instalação pública, exibição de filme e discussão organizado pelo próprio MCDF como parte de seu intercâmbio com o fórum da juventude da South London Gallery, Art Assassins. Foto: Langalibalele Mathuthu

Se você consegue andar, consegue dançar

Grupo: Eles estão acostumados com street dance. Kwaito. Pantsula.2

Ra: Você pode falar um pouco sobre isso? Acho que é importante. Qual a discussão entre arte urbana; street dance, por assim dizer – o pantsula, bhujwa3, hip hop versus a dança contemporânea/afro-fusion. O que aprendemos com os dois?

Andile: Sabe, eu sempre enfatizo essa fala que a dança é um espírito que fala. É que, como ser humano, você tem o corpo, a alma e o espírito, sendo que a alma sabe tudo, a alma é o próprio Jah. Então, o espírito te conecta com a alma. Assim, como dançarinos… tem uma frase que li num livro que afirma que todos os dançarinos são indivíduos espirituosos.

Para começar, o afro-fusion contemporâneo não é brincadeira de criança, estamos contando histórias; é um ritmo teatral de dança. É por isso que precisamos de uma coreografia específica que te dê muito espaço. Precisamos ver a técnica do seu afro-fusion; precisamos da técnica da (sua) dança contemporânea. Como dança que intriga, ela fascina. Por isso, quando fazemos o projeto no Freedom College, têm pessoas olhando pelas janelas, disciplinadas e intrigadas. Eles querem ver esse espírito que fala. Ficam imaginando: o que eles estão dizendo? Sabe? A reação delas é assistir e se acalmar; todos aqueles socos na porta acabam.

Ra: Isso é interessante, responde à pergunta de como lidar com comportamentos adolescentes.

Neo: Estamos tentando trazer algo diferente no Freedom College. Eles pensaram que estávamos lá para ensinar uma coisa comum. Alguns até ficaram confusos mesmo.

Andile: É confuso também. O afro-fusion tem a ver com a África, então quando você está fazendo essas danças ditas ocidentais, contemporâneas e balé, como homem ou pessoa do sexo masculino, as pessoas pensam que você é afeminado. Pensam que você é gay.

Wesley: Toda dança requer disciplina dos músculos. Como você trata eles, o que você dá para eles para prevenir cãibras, etc.

Andile: Na dança de rua, não se dá atenção aos músculos e ao cuidado com o corpo. Falta de disciplina, costuma ter a ver com você mesmo, o gueto e tudo mais.

Invention: Basicamente para mim, esses gêneros são os mesmos, mas tem tudo a ver com conhecer o corpo e o movimento. É o trabalho com a mão, a fluidez, o ritmo e o movimento.

Andile: No pantsula, o trabalho com os pés é importante, é uma coisa incrível, mágica, os passos; se você não souber os passos, você está perdido.

Invention: Todos sabemos esses gêneros, pantsula, kwasa4, etc.

Neo: Ecléticos; fazemos tudo.

Ra: Por falar em espíritos e na dança ser um espírito que fala; qual a responsabilidade do dançarino para com o espectador?

Andile: O ambiente lida com espírito; nosso meio ambiente lida com espírito, espírito bom e mau; como alimentamos nosso espírito como indivíduos? Então, você tem que ter cuidado quando fala sobre espírito. A competição na dança é o espírito mau; não vem de dentro; dançar é união. A dança tem a ver com troca; uníssono, solidariedade. Precisamos estar em comunhão.

Invention: A espiritualidade é como uma igreja, tem a congregação e um pastor. Como dançarino, você é como um pastor. A plateia decide se vai pegar ou largar. O espírito é energia; se tem uma discussão entre dois dos integrantes, a apresentação é prejudicada.

Andile: A dança também é uma forma de conhecimento; estamos trocando conhecimento uns com os outros e com a plateia.

_
1 A Biblioteca Keleketla! fica em Drill Hall. Construído em 1904 nas ruínas de uma “prisão de locais” como base militar para fortalecer o poder colonial britânico após a Guerra dos Bôeres, Drill Hall teve participação na mobilização de forças durante as duas Guerras Mundiais e na repressão a agitações civis e várias greves de mineiros nas primeiras décadas do século XX. Em 1956, foi transformado em tribunal para o “Treason Trial”, julgamento de acusados de trair a África do Sul. Nas décadas de 1970 e 1980, funcionou como importante base de recrutamento de jovens brancos para o serviço militar nas guerras de fronteiras e repressão da resistência interna ao apartheid. Abandonado pelas forças militares do apartheid no início da década de 1990, foi invadido por posseiros, o que levou a dois incêndios e uma série de fatalidades. De 2002 a 2004, Drill Hall foi reconstruído como patrimônio histórico por esforço da prefeitura de Johannesburgo. As ambições da prefeitura já são outra história, mas é nesse local de passados sobrepostos que uma “biblioteca” foi fundada e evolui diariamente.

2 Pantsula é um estilo de dança extremamente popular que remonta à década de 1950 e evoluiu junto com a música popular da época. Devido ao seu apelo popular (inclusive conotações negativas de banditismo), o pantsula é rejeitado erradamente. As normas de vestuário contemporâneas do pantsula privilegiam os uniformes de trabalho, de marcas como Dickies, Samson, Alaska e Converse All-Star. Existem muitos vídeos de pantsula no YouTube, um deles é muito interessante em sua comparação com “Run the World”, de Beyonce.

3 Bhujwa é um dos estilos de dança mais novos, caracterizado pelas roupas, que incluem jeans skinny e as camisas mais fashion. Literalmente derivado do termo “bourgeois” (burguês), o gosto das roupas é de alto nível e termos como “metrossexual” são associados ao estilo bhujwa, assim como a ascensão social. O bhujwa geralmente é criticado pelo exagero e falta de conteúdo e autenticidade.

4 Kwasa [kwasa kwasa] é um ritmo de dança originário da República Democrática do Congo nos anos 1970, que se popularizou com músicos como Kanda Bongo Man, e é intimamente ligado à música soukous. O kwasa se disseminou na África do Sul depois que o músico Kwaito adaptou o movimento da dança com o lançamento de “kwasa kwasa”, em 1997.