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Cena de Movement Mandela, número de dança apresentado por Nqobile Khumalo, Neo Doctor Ncube, Wesley Hlongwane, Emma Ramshala e Lerato Makopo, com coreografia de Mike Machaya, desenvolvida ao longo de sete meses. Originalmente apresentado com banda ao vivo na Point Gallery por ocasião de uma sessão de perguntas com o ex-condenado no Treason Trial e ativista da luta contra o apartheid Ahmed Kathrada em 25 de junho de 2011, Movement Mandela foi apresentado três meses depois para um público menor para documentação em um filme educacional. 24 de setembro de 2011, People’s Studio, Drill Hall, Johannesburgo. Foto: Rangoato Hlasane

Programa Educativo Extracurricular da Keleketla! (2008-presente): Acesso ao uso da literatura, das artes e de ferramentas de mídia para a educação e a vida

k!kollage (fragmentos, revisões e citações de textos escritos por/sobre/para Keleketla!)

O Programa Educativo Extracurricular da Keleketla! (KASP) foi instituído em 2008 como espaço de aprendizado para jovens que correlaciona a história e questões contemporâneas com a experiência vivida. O programa visa engajar os jovens na análise crítica de questões sociais políticas e econômicas contemporâneas da cidade, do país e do continente. O KASP passou por “fases” de desenvolvimento, cada fase um degrau a partir da anterior e uma conversa com práticas do mundo externo.

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Desde o início, a biblioteca foi receptiva a uma série de abordagens e buscou criar uma plataforma pública para compartilhar seus processos. Notadamente, o grupo de teatro que se apresentou neste dia mostrou uma produção que investigava a migração e a xenofobia um dia antes da chama violência “xenófoba” ocorrida na África do Sul em 18 de maio de 2008. Arte: Rangoato Hlasane

A abordagem de fases para o engajamento colaborativo, construtivo e coletivo de longo prazo resultou de uma insatisfação direta com a tendência do patrimônio histórico de trazer os jovens para visitas educativas guiadas por especialistas. Esse tipo de educação da herança histórica geralmente computa números como referência de alcance, ainda que sejam eventos pontuais. A Keleketla!, por outro lado, buscou um processo mais profundo, em que um número menor de jovens interessados pudesse explorar a herança histórica por meio de processos criativos, pontuados por um diálogo contínuo com artistas-facilitadores, historiadores convidados e, o mais importante, seus colegas. Dessa forma, eles investigaram a história e questões de identidade política e encontraram um espaço para questionamento por meio de obras de arte coproduzidas. O mais importante é que a comunidade imediata, composta principalmente de sócios da biblioteca, conseguiu entender o patrimônio histórico como uma infraestrutura relevante no sentido físico e conceitual.

2008–2010

Este período constituiu o mais verdadeiro ativismo, um trabalho de amor por todos os envolvidos e, possivelmente, o momento mais profundo de uma troca real. Os cofundadores acabavam de começar a trabalhar em Drill Hall, com acesso a um espaço amplo o suficiente para possibilitar o desenvolvimento de programas.1 Eles estenderam um convite para redes e novos parceiros de Johannesburgo, trocando o uso do espaço pela oferta de programas educacionais para jovens, uma demanda crescente paralela ao empréstimo de livros. Nessa fase, havia muito pouca “triagem” para a implantação de programas e os iniciadores/facilitadores praticamente gozavam de total liberdade com relação aos projetos.

Durante este período, fizemos tudo, desde pintura com dedos até um concerto/conferência intercontinental via Skype; desde apresentações de música ao vivo onde o ingresso era a doação de um livro até o Stokvel/leilão que arrecadou mais de 30.000 rands numa noite2; desde rádios piratas a bibliotecas móveis, quando Newtown3 ainda tolerava mercados de pulga comandados por vigaristas, ao GazArt4, quando Maboneng, um dos projetos recentes de valorização imobiliária de Johannesburgo, ainda estava na 2ª Fase. Por um breve período, a Keleketla! foi autônoma, uma posição informada pela liberdade criativa ilimitada que o ativista independente Steve Kwena Mokwena5 chamou de prática do “angazi” (não sei) em Johannesburgo e outros lugares.

2010–2012

Teboho Semela conduz um ensaio do Freedom Community College e da Biblioteca Keleketla! com integrantes do coro da escola e jovens músicos profissionais contratados. Os ensaios eram realizados alternadamente na escola e em Drill Hall, ambos separados por três quarteirões ao longo da rua De Villiers. Agosto de 2012. Foto: Malose Malahlela e Rangoato Hlasane   TTeboho Semela conduz um ensaio do Freedom Community College e da Biblioteca Keleketla! com integrantes do coro da escola e jovens músicos profissionais contratados. Os ensaios eram realizados alternadamente na escola e em Drill Hall, ambos separados por três quarteirões ao longo da rua De Villiers. Agosto de 2012. Foto: Malose Malahlela e Rangoato Hlasane
Teboho Semela conduz um ensaio do Freedom Community College e da Biblioteca Keleketla! com integrantes do coro da escola e jovens músicos profissionais contratados. Os ensaios eram realizados alternadamente na escola e em Drill Hall, ambos separados por três quarteirões ao longo da rua De Villiers. Agosto de 2012. Foto: Malose Malahlela e Rangoato Hlasane

Graças a um subsídio do Fundo de Distribuição da Loteria Nacional da África do Sul, o programa educativo extracurricular se beneficiou de um ambiente dotado de recursos razoáveis para se refletir sobre a prática. A Keleketla! instituiu três projetos do KASP por ano entre 2010 e 2012. Identificamos possíveis facilitadores depois de definirmos os interesses dos jovens participantes. Altamente consultivo, o projeto sempre envolveu grupos focais com os jovens para identificar seus interesses. O método consistia em alunos, professores e jovens profissionais definindo um projeto juntos, buscando relevância.

 

Professores foram chamados para oficinas para investigar de que formas o nosso programa se relacionava e contribuía com o currículo. Com relação a Drill Hall, nosso programa envolveu esse prédio impregnado de história política explorando especificamente os módulos de história das séries 11 e 12 do Ensino Médio da África do Sul. Isso foi realizado por meio de um diálogo ao longo de um período de aproximadamente dez semanas. O diálogo foi interativo e girou em torno da herança histórica e experiências reais dos jovens (alunos do Ensino Médio e jovens profissionais).

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Terceira apresentação pública de Movement Mandela, número interdisciplinar com Wesley Hlongwane, Nqobile Khumalo, Neo Ncube, Lerato Makopo e Emma Ramashala, coreografado por Michael Machaya, projeção de vídeo de Thenjiwe Nkosi. 24 de setembro de 2011, Biblioteca Keleketla!, Drill Hall, Johannesburgo. Foto: Rangoato Hlasane

O diálogo gerou também uma produção criativa na forma de arte visual, áudio, texto, apresentação e outras ferramentas de expressão, aberta aos pais, aos professores e à população em geral (inclusive disponível on-line). Na verdade, uma grande parte das experiências desta fase do programa educativo extracurricular não se encaixou bem nas disciplinas; houve ampla polinização cruzada de formas e ideias. Segue abaixo um trecho de uma publicação a ser lançada em breve, 58 Years to the Treason Trial (2014), sobre este projeto ao mesmo tempo efêmero e duradouro:

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Untitled, apresentação teatral coreografada por Nyaniso Dzedze e encenada pelos então integrantes do Programa Educativo Extracurricular da Keleketla! (KASP), em número de dança e movimento contemporâneos; Nqobile Khumalo, Talia Ndlovu, Wesley Hlongwane, Neo Ncube, Grace Kasuza, Langalibalele Mathuthu, Cinderella Khoza, Simphiwe Shange e Emma Ramashala. O número foi o encerramento da caminhada que partiu de Constitutional e das oito semanas do programa Teen Talk, comandado por jovens. 23 de junho de 2012, Biblioteca Keleketla!, Drill Hall, Johannesburgo. Fotógrafo desconhecido

Um projeto muito significativo que surgiu das sessões de perguntas e do KASP é o Teen Talk, fórum para jovens em formato de talk show produzido por participantes do KASP. O projeto foi iniciado por Emma Ramashala, integrante do grupo de dança e uma das participantes mais antigas do KASP. Teen Talk foi patrocinado/encomendado pela organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) como oficina escolar da campanha Solidarity for Survival, contra a xenofobia, realizada em Constitution Hill entre maio e junho de 2012. O grupo de nove integrantes trabalhou sob a orientação de mentores experientes de diversas áreas, incluindo pesquisa, produção de TV e cinema e artes visuais. Além disso, o talk show convidou profissionais experientes, desde ativistas de questões relacionadas à Diáspora Africana até profissionais da saúde pública. O público era formado por um grupo diversificado de jovens moradores da Grande Johannesburgo. Como apropriação de um programa do tipo revista para jovens, os talk shows incorporaram dança contemporânea, poesia e música impregnadas de perspectivas originais e fortes expressões. Dessa forma, as apresentações geraram um diálogo enriquecedor sobre a migração por meio de processos e ferramentas de comunicação.

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Mission Why, apresentação teatral do aprendiz Wesley Hlogwane com seu mestre Nyaniso Dzedze em Constitutional Hill, em 16 de junho de 2012, durante o Teen Talk, fórum público comandado por jovens. Foto: Jet Khumalo

Já participei de muitas oficinas, mas Teen Talk foi uma oficina completamente diferente. Por que digo isso? Porque as outras oficinas eram dirigidas e lideradas por adultos e praticamente não levavam em conta as perspectivas dos jovens em certas questões discutidas. Teen Talk foi/é a criação de uma jovem (Emma) e a própria equipe consistia principalmente de jovens. Havia adultos entre nós, mas todas as decisões eram tomadas em grupo, porque a voz de todos, não importa quão pequena, era importante. Em Teen Talk, discutimos basicamente como os ataques xenofóbicos de 2008 nos afetaram e como nós, como sul-africanos, estamos aprendendo com os nossos erros a tentar não repetir os mesmos erros.”

Tammy Trish Sibanda,
Integrante da equipe e co-apresentadora de Teen Talk

Caminhada/marcha <i>We Are One!</i> de Constitutional Hill a Drill Hall em 23 de junho de 2012, para enfocar migração, xenofobia e acesso à saúde para toda a população da África do Sul.  Foto: Reneilwe Mathibe <Caminhada/marcha <i>We Are One!</i> de Constitutional Hill a Drill Hall em 23 de junho de 2012, para enfocar migração, xenofobia e acesso à saúde para toda a população da África do Sul.  Foto: Reneilwe Mathibe
Caminhada/marcha We Are One! de Constitutional Hill a Drill Hall em 23 de junho de 2012, para enfocar migração, xenofobia e acesso à saúde para toda a população da África do Sul. Foto: Reneilwe Mathibe

O KASP é um espaço para expandir as experiências intelectuais e sociais dos jovens por meio de ferramentas e processos de arte e comunicação, com efeitos públicos, envolvendo temas locais e globais de formas que contribuem para o aprendizado e a expressão pessoal. A programação regular desta fase, em lugar de atividades pontuais, possibilitou o crescimento contínuo por meio de degraus de informações, ou seja, informações específicas para um discurso compartilhado. A programação regular atraiu ainda mais os integrantes a voltarem a cada ano, alguns do quais passaram para o ensino superior com fortes laços com a Biblioteca Keleketla!. Assim, o programa apoiou e problematizou uma “comunidade”.

Uma mistura de sons do coro da escola e banda colaborativa, na interseção de hinos e canções de protesto, usando as práticas dos participantes com a música como ponto de partida de interesses correspondentes. O Freedom Community College trabalhou em um projeto musical de oito semanas com os jovens profissionais Tito Zwane (baixo), Simphiwe Tshabalala (bateria), Zweli Mthembu (guitarra base), Zithobile Sibiya (teclado) e o maestro Teboho Semela (violino).
Entre setembro e outubro de 2012, Biblioteca Keleketla! e Freedom Community College, Johannesburgo. Gravado e mixado por Malose Kadromatt Malahlela.

O KASP contribui para o Ensino Médio e desenvolve jovens pensadores e solucionadores de problemas. Desenvolve talentos e habilidades em métodos artísticos e pensamento crítico. Nosso programa educativo extracurricular contribui, assim, não só para as demandas do Ensino Médio, mas também desenvolve a expressão e articulação numa cidade/ambiente/história cuja representação é feita por forasteiros. A marca óbvia dos cinco anos de atuação e reflexão do projeto foi a publicação de um livro de 100 páginas, um arquivo que reconstitui, reflete e faz propostas para e a partir da arte, educação, vida, arte na educação, educação na arte e arte na vida.

2013-Presente

A ocupação da Keleketla! em Drill Hall é um legado precário de uma década atrás, um não-arranjo da prefeitura de Johannesburgo e suas agências de desenvolvimento com relação à propriedade, manutenção e desenvolvimento do local visando uma delegação social, cultural e patrimonial para a comunidade imediata e Gauteng como um todo. Em 2013, isso afetou a garantia da continuação da programação da Keleketla!

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Turma de história da 11ª série (equivalente, aproximadamente, ao penúltimo ano do Ensino Médio) do Freedom Community College assistindo à primeira documentação da primeira apresentação pública do então Programa Educativo Extracurricular da Keleketla!, em número de dança e movimento do grupo intitulado Movement Mandela. A sessão foi uma das fases inicias da criação e divulgação de conteúdo próprio paralelamente ao acervo tradicional de livros da biblioteca. 14 de setembro de 2011, Biblioteca Keleketla!, Drill Hall, Johannesburgo. Foto: Rangoato Hlasane

Muitas conversas com pessoas da nossa escola parceira, o Freedom Community College, levaram à abertura de um espaço subutilizado compartilhado em suas instalações em De Villiers Street para projetos focados em educação e intercâmbio. É um relacionamento aberto, que cresce organicamente, sem nenhuma sinalização clara de entrada e saída. É recíproco e depende de necessidade e negociação.

Durante essa época, um novo relacionamento de intercâmbio de conhecimento foi instituído com a Kgagatlou Secondary School em Ga-Mphahlele, Polokwane, na província de Limpopo, África do Sul. Num tipo de jogo para formar pares, a Keleketla! espera desenvolver uma relação de trabalho entre o Freedom Community College e a Kgagatlou Secondary School, ambientes de aprendizado situados em lados opostos do espectro, porém com tanto em comum; rural e urbano. A publicação 58 Years to the Treason Trial, a ser lançada em breve, apresenta páginas com conteúdo criado pelas duas escolas parceiras. Durante todo esse tempo, ninguém sabe realmente se “a Keleketla! ainda está em Drill Hall ou o quê?” Num certo sentido, como anuncia Talib Kweli6, “Apenas acabamos de começar; a jornada ainda está longe de terminar”.

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1 Keleketla! fica em Drill Hall. Construído em 1904 nas ruínas de uma “prisão de locais” como base militar para fortalecer o poder colonial britânico após a Guerra dos Bôeres, Drill Hall teve participação na mobilização de forças durante as duas Guerras Mundiais e na repressão a agitações civis e várias greves de mineiros nas primeiras décadas do século XX. Em 1956, foi transformado em tribunal para o “Treason Trial”, julgamento de acusados de trair a África do Sul. Nas décadas de 1970 e 1980, funcionou como importante base de recrutamento de jovens brancos para o serviço militar nas guerras de fronteiras e repressão da resistência interna ao apartheid. Abandonado pelas forças militares do apartheid no início da década de 1990, foi invadido por posseiros, o que levou a dois incêndios e uma série de fatalidades. De 2002 a 2004, Drill Hall foi reconstruído como patrimônio histórico por esforço da prefeitura de Johannesburgo. As ambições da prefeitura são outra história, mas é nesse local de passados sobrepostos que uma “biblioteca” foi fundada e evolui diariamente.

2 U$ 2.691 ou R$ 6.468 (considerando o câmbio de 1 rand da África do Sul = 0,089 dólar e 0,215 real)

3 Newtown, antigo Newtown Cultural Precinct, é um dos espaços culturais liderados por artistas mais antigos de Johannesburgo, remontando aos dias da luta pela libertação. Abrigando o Market Theatre, Museum Africa e uma série de centros de treinamento da indústria criativa, Newtown também abrigou a primeira e segunda Bienais de Johannesburgo. Além disso, também é conhecido como espaço que ganhou reputação como lugar de artistas por meio de um desenvolvimento orgânico liderado por artistas, e não pelo Estado ou imobiliárias. Entretanto, o local foi vendido para investidores privados para “uso misto…” após os recentes projetos de valorização imobiliária de Johannesburgo, como partes dos distritos de Braamfontein e Maboneng.

4Gazart é um modelo alternativo, independente, de criação e exposição de arte baseado na prática coloquial de gazating/koezating – a união de recursos limitados para realizar algo em comum para um coletivo” –, fundado pelos artistas de Johannesburgo Molemo Moiloa e Nare Mokgotho, com um éthos semelhante ao Stokvel e ao SKAFTIEN.

5 Diretor-fundador do espaço interdisciplinar de Johannesburgo The Afrikan Freedom Station, Steve Kwena Mokwena usa o paradoxo do “angazi” (não sei) para imbuir seu espaço de um espírito de criação inabalável.

6 “The Manifesto”, 1998, Reflection Eternal (Talib Kweli & DJ Hi-Tek), Rawkus Records