Nº6 VIDAS ESCONDIDAS
  • Laura Lima. Retratos de mulheres resistentes ensaio fotográfico, 2021. Oscarina Siqueira.

São Gonçalo à frente: dar luz ao escondido no agir social. Relatos de mulheres resistentes: Marisa Chaves, Oscarina Siqueira, Cristhiane Malungo, Aila Ailita

Renata Bazilio (texto) Laura Lima (imagens)

Ao circular pela cidade, cumprindo a missão como docente de geografia em pré-vestibular comunitário, deparei-me com um slogan da ONG Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG). Torci o pescoço no ônibus em curso para captar a mensagem. Na ocasião estava imersa nos estudos sobre a fome das obras de Josué de Castro, quando acessei o site da instituição o projeto Alternativas Alimentares saltou aos olhos. Com o objetivo de transmitir aulas de culinária de aproveitamento integral dos alimentos, visava a redução das altas taxas de subnutrição presentes no município e um meio de levar informações sobre saúde e direitos das mulheres. Isso significou tanto um ato político, desencadeando a construção da rede de suporte para des-esconder a violência e empoderar vítimas, quanto um gesto de cuidado e proteção às mulheres, transversalizado com o reconhecimento da importância da alimentação.

Esses sentidos me reportaram a conhecer o trabalho desenvolvido por esta organização e a compreender, na prática, como se materializa a relação entre território, gênero e resistência. Em 2011 e 2012, atuei como estagiária em pesquisa no Projeto NACA (Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente) e articuladora de redes e de mobilizações sociais, no Projeto NEACA (Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítima de Violência Doméstica e Sexual), no MMSG. No acompanhamento da rede e das mobilizações pude ver como o contexto doméstico tem seus riscos e possibilidades, representando micro e macro-territórios das lutas dos movimentos. Assim, para tecer esta reflexão, parte-se da casa como ambiente em que mulheres, crianças e adolescentes estão submetidos a perigos.1 O que genuinamente representaria abrigo está carregado de vivência cotidiana do medo iminente da violência, endossado pelo dito popular: “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, e que tampouco importam os (as) filhos (as).

Dos abismos dos lares revelados pelo machismo inscrito historicamente na cultura, as inquietações das mulheres ganharam as ruas para promover a publicização das desigualdades de gênero, pautando a garantia da cidadania com base nos direitos humanos. Desse desconforto como impulsionador da solidariedade, as articulações de mulheres e feministas vêm se configurando em São Gonçalo desde fins dos anos 1980, a partir do que se projeta luz sobre guerreiras e as guerras invisíveis. Como exemplo de ações que merecem e precisam de reconhecimento, revelam-se a força da resiliência de ser gonçalense mediante a realidade periférica impressa sobre o chão das ausências e negligências do poder público. Coletiviamente, elas revertem o terror em acolhimento, a desinformação em presenças públicas, ao passo de formar uma rede de prevenção e proteção, compostas por pessoas e instituições, direcionadas às vítimas de violência doméstica e familiar.

Na perspectiva de homenagear essas lutas, este artigo atualiza minhas pesquisas e cartografias realizadas para bacharelado em 2013,2 juntando–se a relatos colhidos recentemente em entrevistas via WhatsApp, em contexto de pandemia, com: Marisa Chaves, mestra em Serviço Social pela ESS/UFRJ e fundadora e gestora de projetos do MMSG; Oscarina Siqueira, Pedagoga e Diretora Executiva do MMSG; Cristhiane Malungo, Pedagoga da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos de Niterói, que compõe a coordenação do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro, ex-colaboradora do MMSG; e a graffiteira3 Aila Ailita, atuante na Fundação Municipal de Educação de Niterói, que traz relatos da violência doméstica testemunhada na sua infância. As entrevistas estão acompanhadas pelo ensaio fotográfico elaborado por Laura Lima de Souza Santos, professora e fotógrafa de São Gonçalo que pesquisou para seu mestrado em Sociologia estes movimentos tão significativos.

Com a demonstração da efetiva participação e contribuição das mulheres atuantes nas mudanças políticas, sociais, culturais e artísticas, os registros que compõem este ensaio iluminam a esperança e a emergência de visibilidade de práticas cotidianas, em prol das vidas e lutas escondidas pela violência contra as mulheres, crianças e adolescentes.

Vidas e lutas escondidas: Enfrentamento à violência contra as mulheres

A conquista da Lei Maria da Penha, resultado dos esforços de dar visibilizade às reivindicações, fortaleceu a luta ao definir as dimensões da violência, sendo elas física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. Este fato vem se refletindo no reconhecimento dos casos e no número de denúncias ao agressor, colocando São Gonçalo nas primeiras posições no ranking nacional dos municípios brasileiros de registros de violências contra as mulheres. Isso pode ser compreendido, como Marisa Chaves anota, na perspectiva de que “informação é poder”, pois a coragem de romper “o ciclo vicioso e silencioso da violência” está alicerçada no empoderamento de si, na vontade de resplandecer a vida, sendo o pedido de ajuda e a denúncia importantes passos. É justamente essa cidade que conta com mais de 40 instituições especializadas e não especializadas de atendimento no campo da segurança pública, saúde, assistência social, poder judiciário e das políticas públicas específicas às mulheres, distribuídas em seus cinco distritos.4 Em nossa entrevista, Marisa apresenta esta realidade:

Em territórios onde têm mais instituições abertas, campanhas sendo realizadas, material impresso, material digital divulgado, as mulheres tomam mais conhecimento e elas não estão sozinhas, e é por isso que se apresentam taxas crescentes de notificação. São Gonçalo sempre esteve à frente porque tinha mais porta aberta. O município que não tem registro e que aparece no final da curva, como se não tivesse violência, ele está, talvez, escondendo, deixando de forma velada um problema tão sério. Então, quanto mais instituições abrirem, quanto mais ações, eu acho que mais você retira da invisibilidade (…). Mas tem um dado curioso, nós temos caído a taxa de homicídio doloso contra a mulher, que desde de 2015 é qualificado como feminicídio.5 Mas eu posso afirmar que tivemos uma queda de feminicídio em São Gonçalo. Isso talvez esteja representado pelo trabalho de prevenção e as portas abertas, que permitem que as mulheres cheguem antes de ficar tão agravosa a situação que as estão afetando.

Alicerçadas na solidariedade do agir social, que a força política das ações e organizações de mulheres vem adquirindo ao longo do tempo, “coloca este município entre os primeiros a avançar nos debates e a investir em políticas públicas para as mulheres”.6 Essas articulações coletivas se conformam no jogo político enquanto resistência por demandarem a mudança de mentalidade que cria as desigualdades e submete as mulheres a diversas formas de violência, nas quais, na maioria das vezes, ninguém sabe ou quer intervir com o alerta aos fatos dramáticos da convivência familiar cotidiana. As barreiras para a abordagem social do tema são complexas, indo do desmerecimento e silenciamento do sofrimento da mulher, passando pela escondida rede de proteção, encontrando na escassez de investimentos, um impedidor para o crescimento de políticas públicas.

Marisa Chaves, Mulheres resistentes, 2021. Foto: Laura Lima.

É justo aí que a sociedade civil ativa de mulheres e feministas se fortalece e se posiciona, mesmo que não haja interesse no declínio do poder masculino. A resistência demarcada no campo do poder através do pleito por políticas públicas e a publicização de campanhas vêm se afirmando como um meio eficaz de conscientização. Ao percorrer o caminho pacífico de enfrentar a violência, nossa entrevistada Oscarina Siqueira comenta que “as frases que hoje as mulheres falam: ‘meu corpo, minhas regras’, eu acho que essas frases vieram pra ficar (…), elas são bem analisadas, as pessoas têm garra quando ouvem determinadas frases, elas têm uma garra com tudo isso”. Mesmo com estímulos comprometidos na defesa de direitos, ainda há muito trabalho a ser feito na desconstrução dos tabus e acesso à informação, sobretudo das zonas periféricas das periferias, tendo em vista que os desafios são profundos:

Mas até hoje a gente encontra vários lugares onde as pessoas não sabem. Só sabem da delegacia, mas não sabem do Centro Especializado de Orientação à Mulher, não sabem do Movimento de Mulheres em São Gonçalo. Por causa da pandemia, nós paramos um pouco as nossas palestras que eram levadas, a gente procurava ir em lugares mais distantes porque a gente sabia que nesses lugares as pessoas não tinham conhecimento, até pela questão de gasto de passagem. Mas as mulheres hoje em dia realmente, não chegam nem a 50% de conhecimento de seus direitos. Há pouco tempo, uma mãe ligou pra mim. “Faz alguma coisa por mim”. Eu já tinha dado o telefone do Movimento, endereço do Movimento, do CEOM, da delegacia (…). Mas ela, a menina não queria denunciar, ela não queria e a família estava falando pra ela, que ela tinha que ter um afastamento e ela achava que se fosse denunciar ele ia piorar o convívio. Eu disse: “Mas ela não pode ficar, porque ela vai ter medida protetiva, o que ela tem é que se afastar dele”. Mas tudo bem, a gente não pode impor, a gente estava mostrando o que já se conhece nesses quadros: eu vou melhorar, não vou fazer mais isso, e vai lá e a pessoa é novamente atingida.

Perante a comunidade, é legítima a importância social de Oscarina e de todas as envolvidas nessa causa, bem como das instituições. Este fato está distante dos holofotes pois a grande realização do trabalho das representantes da luta está no dia a dia, através do poder da influência de sua presença e das trilhas que conduzem suas ações. Manter no escuro estas agendas ainda é um hábito da dominação masculina que está em processo gradual de ruptura. E, mesmo que as organizações sejam interpretadas como ativismos inglórios aos olhos do poder, o trunfo é salvar vidas e acolher mulheres e familiares afetados.7 A partir do lamento da violência, os propósitos da mobilização por políticas públicas se realizam quando há integração da vítima à Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Para que possa ser orientada e acompanhada por profissionais multidisciplinares, é a concepção de solidariedade e trabalho que sustenta essa rede e a torna grandiosa; mas, perante a persistência das ausências, muito dos esforços individuais, coletivos e institucionais se mantêm no obscurantismo da sociedade.

Oscarina Siqueira, Mulheres resistentes. Foto: Laura Lima.

Como resistência, enquanto São Gonçalo camufla a violência doméstica, representantes da luta por cidadania e a importância de seu existir social, a rede de acolhimento às vítimas, as disputas políticas compõem parte do cenário de invisibilidades. Todos esses fatores não desanimam a busca pela melhora da vida de quem sofre, pelo contrário, tornam-se uma motivação para expandir as ações. Prática e conceitualmente, a história vem demonstrando que os movimentos de mulheres na sua diversidade demandam melhorias comunitárias relacionadas a “creches, vagas ou melhorias nas escolas, postos e equipamentos de saúde, etc. São demandas que atingem a toda população e todos os sexos, mas têm sido protagonizadas por mulheres” e que os movimentos feministas interferem “nas políticas, participam das coordenadorias e das políticas sociais. Elas têm visibilidade e dão voz às mulheres, multiplicam os espaços de atuação das mulheres, estão em ONGs, nas passeatas, nos protestos, etc”.8 Desse modo, a ampliação da voz das necessidades da infância e da adolescência vêm desses movimentos sociais, pois em um lar violento que vitimiza as mulheres, o impacto se estende aos filhos diretamente afetados com a situação.

Nesta perspectiva, as instituições representam a luz para as mulheres, crianças e adolescentes através da demarcação territorial da abordagem do tema e acolhimento de vítimas, justo o que preza a Política Nacional do Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011), para que todos os municípios brasileiros construam suas redes de serviços de atendimento e enfrentamento. Assim, o extenso e comprometido trabalho realizado para o aprimoramento da rede e das instituições integrantes, se realiza com a busca pela visibilidade dos ativismos cotidianos das representações de mulheres e feministas, exercendo o papel da presença em espaço públicos, nas reivindicações por cidadania, como também nas expressões artísticas das ruas que alertam para as subjetividades das dimensões da vida humana.

Sendo assim, se segue uma síntese da trajetória de luta por políticas públicas em São Gonçalo, evidenciando um exemplo de potencialidade positiva deste município, maculado na imagem que circula pelas grandes mídias.

Trajetórias de lutas e conquistas na cidadania das mulheres em São Gonçalo

Os sentidos materiais e subjetivos imbuídos no protagonismo da luta global das mulheres e feministas reverberam como “ondas de transformação social [que] atingem virtualmente toda a superfície da terra”.9 Em São Gonçalo, tiveram início articulações, que se estendem por sua geografia desde os anos 1980 até a atualidade, para as quais também é possível traçar uma linha histórica de ações e acontecimentos políticos que indicam avanços e retrocessos no enfrentamento à violência contra as mulheres. A minúcia dessas análises pode ser visitada em pesquisa realizada anteriormente,10 e nesta oportunidade apresenta-se a trajetória das conquistas de políticas públicas específicas das mulheres. Ao reportar à história das organizações, Marisa Chaves, relembra:

Quando eu cheguei na delegacia como assistente social, eu procurei verificar o que tinha de mobilização social na cidade em defesa dos direitos das mulheres. E, na época, eu encontrei o Comitê de Mulheres e esse Comitê era um grupo de mulheres que discutiam a implantação da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de São Gonçalo. Fiz uma aliança no comitê e lutamos pelo Núcleo de Atendimento à Mulher (NUAM).

E Oscarina Siqueira, compartilha:

Eu era Presidente da Associação de Moradores da Fazenda Colubandê. Então eu recebi uma visita de um casal, Sueli Berna, ela e o marido: “- ah, me falaram que você é uma pessoa aqui no bairro que comanda a associação de moradores e nós estamos querendo lutar por uma delegacia de mulheres em São Gonçalo. Você gostaria de ir a uma reunião?” Eu disse: “- tudo bem”. O comandante da Polícia Civil era muito severo, e, teve um determinado momento, ele falou “- ah, não vai ter delegacia nenhuma, lá não vai ter mais delegacia não”. Resolveu não criar delegacia, mas sim um Núcleo de Atendimento à Mulher, o NUAM. Então, eu fiz parte desse comitê (…), isso em 1987.

Oscarina Siqueira, Mulheres resistentes. Foto: Laura Lima.

As articulações fenomenológicas conduziram às periódicas reuniões do Comitê, que atraíam cada vez mais lideranças para fortalecer a agenda da segurança pública e paralelamente discutir a execução do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e a formação da rede de serviços de atenção às vítimas de violência doméstica e sexual. Com o estímulo da Constituição de 1988, no ano seguinte fundou-se o Conselho Municipal da Mulher (COMUM-SG). Mediante as ausências de serviços e a necessidade de criar uma instituição que pudesse atender as mulheres com o cuidado necessário e merecido, realizou-se a integração das agendas com a fundação do Movimento de Mulheres em São Gonçalo, no dia16 de março de 1989, composta em ata, por vinte e cinco lideranças, oriundas de diferentes bairros e organizações. Em consequência da institucionalização do Movimento, o COMUM foi extinto, pois as pautas e o coletivo de entidades compunham ambos os espaços. Foi nesse contexto que o nome da ONG se formulou, a partir dos sentidos conceituais de movimentos de mulheres e movimentos feministas.

Como estratégia institucional, que funcionou também como um fator motivador da construção da rede de abordagem da temática das violências contra as mulheres, o primeiro projeto desenvolvido pelo MMSG foi o Alternativas Alimentares. As ações se descentralizaram em mais de 45 bairros através de aulas de culinária de aproveitamento dos alimentos da casca à semente, intermediando a divulgação sobre saúde, métodos contraceptivos, planejamento familiar e direitos em relação às violências. Ao significar presença, a força que a instituição foi adquirindo ao longo do tempo refletia no fortalecimento político das agendas feministas da cidade. Desse modo, após uma década de negociações com o governo do estado, a DEAM foi conquistada em 1997, e, no mesmo ano, implementado o Centro Especial de Orientação à Mulher Zuzu Angel (CEOM), no bairro Neves, um projeto municipal e autoral de Marisa, em que a vítima e familiares recebem acompanhamento continuado na área jurídica, psicológica e do serviço social.

Marisa Chaves, Mulheres resistentes. Foto: Laura Lima.

Como fruto do estímulo das organizações, foi realizada a 1ª Conferência Municipal dos Direitos da Mulher de São Gonçalo, ainda em 1997. Por intermédio da resistência, os anos 1990 foram prósperos à materialização de antigas reivindicações, e, com a eleição da primeira prefeita na cidade,11 instituiu-se a Secretaria de Integração e Políticas para as Mulheres com a Subsecretaria correspondente. Da VI Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres (2011) foi extraído o Primeiro Plano Municipal de Políticas para as Mulheres 2011-2013, direcionando prioridades e ações para o biênio seguinte. Isto significou um grande avanço coletivo da causa, alinhada aos ditames da política nacional. Em 2011 foi criado o CEOM Patrícia Accioli,12 no Jardim Catarina, que em 2019 se transmutou no Centro de Referência e Assistência Social para o idoso, mulher e pessoa com deficiência, utilizando-se de outras bases de atendimento e compartilhando o orçamento com mais duas agendas, com necessidades distintas. Este fato exprime a perda de autonomia das mulheres e o enfraquecimento da estratégia territorial de implementar em cada um dos cinco distritos de São Gonçalo, um CEOM.

Enquanto políticas públicas fundamentais na área da mulher, além do Núcleo de Atendimento à Mulher, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher e dos Centros Especializados de Orientação à Mulher, a Casa Abrigo, por sua vez, é uma demanda pautada desde as primeiras articulações da rede na cidade. Enquanto “moradia protegida e atendimento integral a mulheres em risco de vida iminente em razão da violência doméstica”, é “um serviço de caráter sigiloso e temporário”13 e regional, ou seja, não recebe somente gonçalenses. Como conquista, houve a construção do prédio viabilizada pela parceria entre os governos federal e estadual, e com a conclusão da obra, as chaves foram entregues oficialmente em 2012. No entanto, a Procuradoria Municipal da Prefeitura de São Gonçalo demandou a criação de uma lei para validar o exercício das atividades e compra dos equipamentos permanentes, que, infelizmente, ainda não ocorreu nas duas gestões posteriores. Sem a inauguração, o prédio está se decompondo após oito anos construído, indicando uma fatídica divergência política com os interesses das mulheres e das representações do MMSG, ilustrando uma situação tipicamente brasileira, com a qual quem sai perdendo é a sociedade.

Na perspectiva das ações de visibilidade pública, destaca-se finalmente a “Caminhada São Gonçalo de mãos dadas pelo fim da violência contra as mulheres”, que, ao se apresentar anualmente no centro da cidade no dia 8 de março, sendo a última realizada em 2019, se submete a intervalos influenciados pela antipatia política de prefeitos. Nesta caminhada, cartazes e gritos publicizam o que vem sendo levantado pelos movimentos feministas da atualidade. O ânimo e a coragem empregadas nessas ações evidenciam a força das mulheres refletidas no poder de sua organização.

Sob o histórico das articulações, demarca-se o protagonismo do Movimento de Mulheres em São Gonçalo nos debates por políticas públicas e na promoção de ações, mantendo sua participação social por militância e na concorrência de editais públicos. Este posicionamento preserva a autonomia distanciando-se da política de partidos, e busca dialogar com o Estado através de conferências políticas e presença em fóruns e conselhos de direitos, nos três níveis de governo. Além disso, a ONG também se posiciona como um serviço de utilidade pública, que, ao incorporar a demanda da violência na infância e adolescência, ampliou o trabalho, como Marisa Chaves comenta a respeito das “lacunas (…) que, embora tivéssemos conseguido avançar na área da mulher, a exemplo das conquistas da DEAM e CEOMs, faltava uma assistência continuada às crianças e adolescentes, que também são expostas as diversas formas de violação”. Como forma de reação a esta triste realidade, foram criados o Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente e o Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente, desenvolvidos como projetos da instituição.

Com o propósito de apresentar a trajetória política de mulheres e feministas, que despertam a visibilidade da temática da violência e fiscalizam a rede de proteção e acolhimento, isto se expressa como um exemplo de potencialidade positiva e resiliência em São Gonçalo. Como reação às trevas produzidas pelo machismo, essas pessoas, articulações e organizações carregam em si o sentido da esperança reverberando na vida de mulheres, crianças e adolescentes vítimas de crimes bárbaros acometidos na casa e que formam estatísticas alarmantes da moral, ética e realidade.

Pandemia, violência contra as mulheres e a população preta

Com a escassez de serviços de atendimento às demandas das mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violências, a utilidade pública do MMSG foi se assumindo com o tempo, afetando principalmente São Gonçalo, e este fato ficou mais evidenciado na pandemia do Sars-Cov-2. Mesmo com a imposição do distanciamento social, a ONG permaneceu de portas abertas e atendeu muitos casos de estupro. No entanto, novas formas de comunicação foram criadas para facilitar o acesso e o teleatendimento disponível no site, tem sido uma ferramenta crucial neste contexto pois “entraram muitas mulheres no chat e foram atendidas por várias técnicas da instituição, realmente querendo saber qual o espaço delas, o conhecimento, dúvidas, informações”, como comenta Oscarina. Ao cumprirem a responsabilidade social que o Estado pouco assume, a despeito do aumento no número de casos de violência durante a pandemia, Marisa Chaves apresenta:

O que a pandemia provocou na vida das mulheres foi o aumento do tempo de convivência com o agressor. Elas ficaram mais tempo com o agressor, e ao mesmo tempo, tiveram uma reduzida rede primária de apoio. Quando eu falo a rede primária é a família extensa e a comunidade. Na medida em que elas não tiveram mais essa rede extensa, nem comunidade, passaram a não ir para o trabalho e nem os filhos para a escola, ficando assoberbadas com muitos afazeres domésticos e, ao mesmo tempo, muito oprimidas por não terem a quem recorrer quando da convivência com este agressor, começaram a sofrer diversas formas de abuso. Eu não afirmo que a violência aumentou na pandemia, o que aumentou foi o tempo de convivência com o agressor. Diante do pouco conhecimento sobre o teleatendimento do MMSG, muitas mulheres acharam que as delegacias não estavam registrando, que o juizado da violência não estava aplicando medida protetiva de urgência, elas ficaram com a sensação de que nada funcionava.

O olhar da linha de frente do atendimento às vítimas corrobora com a informação de que “feminicídios e violência contra mulher cresceram na pandemia, mas denúncias diminuíram”.14 O funcionamento dos serviços municiais que compõem as Redes de Atendimento à Mulher em Situação de Violência foi posto à prova, assim como a aplicabilidade jurídica das leis de proteção à mulher. Em contexto tão sensível encerrando o primeiro quinto do século XXI, agendas silenciadas estruturalmente vêm se afirmando a partir da força histórica da luta, tal como as questões das mulheres pretas. Na perspectiva da violência, é uma reivindicação evidenciar o recorte racial nos dados para tirar do escondido o que é inerente às pretas, pois o processo de superação social das desigualdades segue um longo percurso de ampliação de direitos e representatividade. E o que vem se processando no interior da ampla luta feminista com forte presença de brancas é a resistência na racialização da violência, e isso torna menos plural as realidades das mulheres e menos efetivas as ações nas suas especificidades.

Cristhiane Malungo, Mulheres resistentes. Foto: Laura Lima.

Cristhiane Malungo comenta:

Se a gente for pegar o próprio histórico das lutas feministas, não só aqui no Brasil, mas de um modo geral, se trabalhou gênero por um bom tempo, sem um recorte racial. É como se a gente pudesse trabalhar as relações de gênero sem incluir a racialidade como um ponto, que é um ponto significativo e que vai fazer toda a diferença (…). Nós mulheres negras, a gente vem já desde algum tempo nessa luta ferrenha, tanto no movimento feminista, quanto no movimento negro, (…) discutindo gênero dentro do movimento negro. A gente tem a capacidade aqui no Brasil, de trabalhar questões ligadas à violência de gênero e à violência doméstica, com todos os dados que a gente tem, (…) as mulheres negras são as que mais são acometidas por essas violências e ao mesmo tempo, a gente consegue trabalhar com isso sem racializar. Como é que num país que historicamente trata essas pessoas como coisas, trata as mulheres negras como um corpo que era para me dar prazer ou pra me servir, trata essas mulheres como subalternizadas, como é que eu vou achar que de um tempo pra cá, de quase num passe de mágica, isso não vai existir mais? A gente tem uma cultura de relação com as mulheres negras, com seus corpos, muito violenta.

O avanço na visibilidade de questões estruturais históricas negligenciadas permite ressignificar a sociedade, rumo a promoção do bem-estar social coletivo. Seja pela violência doméstica e sexual provocada na casa, seja pela violência urbana praticada no exercício dos necropoderes na rua, seja pela letalidade do coronavírus, as particularidades da população preta são urgentes.

Christiane continua:

Quando a gente fala de violência urbana agora tem um discurso um pouco mais afinado de genocídio da população negra, de genocídio da juventude negra, de necropolítica, não só matar, extermínio físico, mas deixar morrer e como deixar morrer. A gente tem visto na pandemia como isso tem ficado muito explícito. Tem um vírus que vai acometer todas as pessoas, ele não vai escolher. Só que a gente tem condições estruturais que faz com que esse vírus seja letal para um grupo e não letal pra outro. E qual é esse grupo que o vírus está sendo letal? É o grupo mais pobre e que, não por coincidência, é a população preta.

Cristhiane Malungo, Mulheres Resistentes. Foto: Laura Lima.

Embora se demarque avanços nas políticas da educação através das ações afirmativas previstas na Lei nº 10.639/ 2003, que institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira em todo o ensino regular da rede pública e privada, e da Lei nº 12.711/2012, que institui percentual de vagas nas universidades para o ingresso de negras (os), a área da saúde carece de investimentos. O racismo estrutural se manifesta expressivamente neste campo, asfixiando o desenvolvimento de pesquisas e ocultando resoluções necessárias. Sendo a população preta marginalizada em diferentes setores da sociedade, inúmeros esforços vêm sendo efetivados para a conscientização e transformação dessas realidades.

É na orientação de dar luz ao escondido que se materializam as perspectivas da esperança no agir social. As reações perante as opressões e desigualdades que tecem as lutas históricas, se realizam no dia a dia de organizações e da representação de pessoas, assegurando valores humanizados de interpretar e se relacionar com a vida e a sociedade. Mediante o caos instaurado pelos poderes criadores das desumanidades, é na trilha da afirmação do olhar sobre o que tem sido feito para superar retrocessos, que se percebe o quanto se avançou em termos de solidariedade. É nestes sentidos e sob estas percepções que se posiciona a importância de apresentar exemplos de potencialidades e resiliências para as próximas gerações, ensejando que o século XXI seja farto de relatos e iniciativas capazes de despertar na (o) outra (o), a consciência das prisões produzidas na casa e na rua.

Com as vivências aqui expressas, o que se ressalta são processos de luta permanente, evidenciando as articulações em São Gonçalo para implementação da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência como representação e inspiração aos municípios brasileiros a contarem suas histórias e geografias feministas e de mulheres. Neste movimento, se faz fundamental o aprofundamento nas especificidades desta luta, atentando à amargura social provocada pela manutenção do racismo. E, na distração do ir e vir do cotidiano urbano, há de se atentar aos muros em que facilmente essas demandas da vida se tornam visíveis, através de graffitis, que ao identificar expressões e sentimentos revelam a pluralidade e as emergências de atenção às subjetivações humanas.

Relatos de vida e arte

Como alternativa de saída, cura, libertação, ação e profissão, contempla-se o poder da arte na perspectiva das histórias de vida através da graffiteira e gonçalense Aila, que se posiciona enquanto resistência de representação da mulher nesta cultura de rua, pintando desde os anos 1990. Na atualidade, a artista atua como graffiteira da Fundação Municipal de Educação de Niterói e nesta oportunidade, compartilha sobre sua convivência em um lar marcado pela violência doméstica na infância e adolescência, revelando a importância das artes em sua caminhada:

Eu cresci num lar violento. Minha mãe não tinha estudo, era pobre, tinha uma dependência tanto emocional, como financeira. Meu pai espancava minha mãe direto e ele era Policial Militar, dava coronhada (….), enfim. Nunca vi nada parecido, sinceramente, nunca vi. Só quem matou a mulher, o feminicídio, mas a gente vivia com esse terror de que isso podia acontecer a qualquer momento. Ele matava minha mãe a cada dia. Era diferenciado. Tem de vários tipos a violência, mas era do tipo hard (…). O medo que a gente crescia de acontecer alguma coisa pelo fato dele ter duas armas dentro de casa, e ele era oficial, então era difícil denunciá-lo, complicado mesmo (…). Isso tudo mexia com minha autoestima, porque o pessoal falava, os vizinhos julgavam, tinham crianças que não podiam brincar comigo (…), e realmente a arte foi uma coisa que fez eu me sobressair, o desenho, a dança, a minha espontaneidade, minha facilidade, o meu gosto. Eu era bem artística, então isso fez minha estrela brilhar. Eu tô bem, graças a Deus, eu sobrevivi.

Aila Ailita, Mulheres resistentes. Foto: Laura Lima.

Aila, enquanto graffiteira, se mantêm na cena da arte de rua desde os primórdios das articulações e dos eventos em São Gonçalo, considerado a nascente do graffiti no estado do Rio de Janeiro.15 Uma vez que tratar das questões de gênero no interior desta cultura marcadamente masculina é um artigo à parte, Aila sobreviveu se posicionando e superando as manifestações do machismo deste meio. Sua marca é a bonequinha sempre sorridente, que comunica diretamente a alegria por onde está expresso seu graffiti. Como testemunha da violência doméstica, buscou suas formas para lidar com o sofrimento marcado na alma.

A arte na minha vida tem uma coisa do incentivo desde bebê, do meu pai. Eu aprendi a falar com ele desenhando, ele gostava muito de desenho. Aí eu fui crescendo e fui gostando e as pessoas começaram a reparar que eu era diferente. Era um incentivo, porque meu avô era desenhista (…), mas ele não era formado academicamente, (…) e eles desenharam o primeiro torpedo da marinha do Brasil (…). Aí eu venho de artistas (…), fui desenhando, continuou na escola (…). Assim fui vivendo uma vida artística, que é recompensada em experiência, comunicação, expressão e independência financeira. A arte na minha vida é tudo, só perde pra Jesus porque ele que me deu e me dá força pra seguir, ânimo (…). E aí, foi assim, a arte foi me pegando de vários lados (…). Eu carrego muitas feridas dessas violências no lar, então (…) a relação que eu tenho com a arte mesmo é algo assim como salvação, como proteção, é minha alegria (…).

Nos relatos de Aila expondo a compreensão lúcida da libertação das trevas, do terror da casa e dos reflexos emocionais e psicológicos da convivência com a violência, a arte se manifestou a partir de referências, incentivos e como ferramenta de emancipação de si e do mundo, e a espiritualidade, por sua vez, orientando a trilha em direção à luz. Sua dramática realidade vivida saiu do escondido nesta ocasião para encontrar-se com a existência de inúmeras famílias que atravessam o labirinto cotidiano das opressões machistas, como também para assumir seus relatos como representação de força e coragem para seguir com as cicatrizes deixadas pela violência, utilizando-se do encantamento e das possibilidades das artes, um meio de transformação.

Aila Ailita, Mulheres resistentes. Foto: Laura Lima.

Partilhar é resistir

O compartilhamento da vivência se apresenta como um meio poderoso de libertação e inspiração a outras mulheres, crianças e adolescentes, a reconhecer, denunciar relações abusivas e se empoderar. Através do percurso social de iniciativas individuais e coletivas para a construção de redes de suporte conquistados com a persistência da atuação de mulheres e feministas, instrumentalizam-se os propósitos dos serviços de atendimento, proteção e atenção às vítimas reivindicados. Seja pelo viés da arte, seja pelo viés político, o sentido de dar visibilidade à violência contra as mulheres é uma estratégia de solidariedade e superação em que partilhar é resistir.  Decerto que São Gonçalo é protagonista nesta luta escondida.

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Laura Lima
Tem 27 anos, é formada em História (UERJ) e mestre em Política Social (UFF). Nos últimos anos tem se dedicado à área da educação em escolas e em espaços culturais, desenvolvendo atividades que visam promover a democratização da cultura, da arte e da ciência, bem como a conscientização e promoção dos direitos humanos, buscando estar sempre atenta à interseccionalidade. Hoje é professora de História na rede particular de ensino e desenvolve uma pesquisa acadêmica sobre Políticas Públicas para Mulheres. Também é fotógrafa, amante das cores quentes e saturadas e da beleza do cotidiano.

Renata Bazilio da Silva
É professora e geógrafa formada pela UFF, especializada em Gênero e Sexualidade pelo CLAM/ IMS/ UERJ, mestra em Cultura e Territorialidades pelo PPCULT/ IACS/ UFF. Na trajetória profissional, lecionou Geografia para o ensino Fundamental II e pré vestibular, e como geógrafa atuou no MMSG, nos projetos NACA e NEACA; no IBASE, no projeto Indicadores da Cidadania. Como resultado da pesquisa de mestrado, se fortaleceu o exercício da curadoria em arte urbana, em que busca desenvolver e contribuir à visão interdisciplinar das ciências e das práticas.


1 Inspiração na literatura de Heleieth I. B. Saffioti.

2 Dos conceitos estruturantes da geografia – espaço, lugar, território, região, paisagem-, imergi nos sentidos das territorialidades e na criação do Mapa da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência de São Gonçalo (2013).

3 Utiliza-se o termo “graffiti” para referenciar a origem da cultura nos Estados Unidos, na perspectiva dos (a) artistas participantes da pesquisa da autora. SILVA, Renata Bazilio. Cartografia Cultural do Graffiti a partir de São Gonçalo: memórias de 1990 aos anos 2010. Rio de Janeiro: Instituto de Artes e Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, 2019. Dissertação de Mestrado em Cultura e Territorialidades.

4 São Gonçalo (sede), Ipiíba, Monjolos, Neves, Sete Pontes.

5 Feminicídio. Lei Federal nº 13.104, de 9 de março de 2015.

6 BITTENCOURT, Luciana; PINHEIRO, Luci Faria. Mulheres, direitos e participação social: a construção de políticas públicas a partir das Conferências Municipais de Direitos das Mulheres de São Gonçalo. IX Jornada Internacional de Políticas Públicas. Universidade Federal do Maranhão, 2019.

7 Conversa com os editores Jéssica Gogan e Luiz Guilherme Vergara, dezembro de 2020.

8 GONH, Maria da Glória Marcondes. Mulheres em movimento. Movimento de mulheres. In: Novas teorias dos movimentos sociais. São Paulo: Edições Loyola, 2012. p.131- 160 ( p.147).

9 Anthony Giddens apud Stuart Hall. In: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu Silva, Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.15.

10 SILVA, Renata Bazilio da. Territorialidades dos movimentos de mulheres em São Gonçalo: 1980 aos anos 2010. Rio de Janeiro: Departamento de Geografia, Universidade Federal Fluminense, 2013. Trabalho de Conclusão de Curso em Geografia.

11 Aparecida Panisset. Partido Democrático Trabalhista. Mandatos: 2004-2007; 2008- 2012. Aprovação da Lei nº 164/ 2008.

12 Juíza alocada no Fórum de São Gonçalo, assassinada pela milícia que julgava, em 12/08/2011. Também atuava sob a perspectiva de gênero nos pareceres, sendo, portanto, uma perda significativa para a representação das mulheres em São Gonçalo.

13 BRASIL. Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília, DF. Secretaria de Política para a Mulher da Presidência da República, 2011. (p. 27).

14 Leda Antunes, Feminicídios e violência contra as mulheres cresceram na pandemia, mas denúncias diminuíram, na Celina, plataforma sobre mulheres e diversidade, Jornal O Globo (19 de outubro de 2020). https://oglobo.globo.com/celina/feminicidios-violencia-contra-mulher-cresceram-na-pandemia-mas-denuncias-diminuiram-24700296

15 Op cit. SILVA, Renata Bazilio. Cartografia Cultural do Graffiti a partir de São Gonçalo.