Ground Meets Horizon, Day 5 with Keep It Complex, 2017.
Aprendizagem Criativa ou A Economia Criativa Invertida
James Bell
Com a expressão séria, como se estivesse prestes a anunciar a morte de um camarada querido, ele sussurrou a mim que não era necessário um agitador para dançar. De qualquer forma, certamente não com tal abandono descuidado.
Emma Goldman1
Quem faz a revolução? Isabella Dias, uma estudante de 17 anos do ensino médio do Rio de Janeiro, coloca essa questão ao abrir uma palestra2 sobre ocupações estudantis com a seguinte frase da feminista e anarquista Emma Goldman: “Se eu não puder dançar, não quero fazer parte da sua revolução”.3 O emprego de “eu” e “você” antes de chegarmos ao “nós” revela as relações de poder em jogo em qualquer luta e, em especial, para os fins deste texto, pois quero considerar a relação entre arte, ativismo e formas diferentes de conhecimento (e, por extensão, de existência) no mundo. Vou me valer de uma viagem de pesquisa ao Rio que ocorreu no outono de 2017, de uma troca entre artistas e organizações de artes e cuidado no Brasil e na Escócia e, em especial, do meu interesse a respeito de abordagens sobre aprendizagem — tanto no âmbito da arte como em outros — como uma forma de desaprender comportamentos e práticas profundamente incutidas em nós por meio de histórias do capitalismo, colonialismo e patriarcado.
Antes de continuar, talvez seja útil que eu me situe nessas discussões — já que no parágrafo anterior é fácil escorregar nas palavras “nos” e “nós”, pois isso é válido especialmente quando se discute prática no Brasil a partir de uma perspectiva branca do norte europeu como um ato potencialmente colonizador da linguagem. Meus doze dias no Rio proporcionaram relances de práticas e lutas em um país com muitos traços de uma economia neoliberal avançada — privatizações desenfreadas, degradação dos serviços públicos, grande riqueza e pobreza extrema — marcada por linhas claras de divisão racial preservadas por passados e presentes coloniais. Quero ressaltar que a escrita deste texto foi feita a partir de uma distância, pensando — dentro dos ambientes de aprendizagem da Escócia, do Reino Unido e da Europa — em Isabella e na luta da estudante para olhar para preocupações locais como um meio para explorar como preocupações similares aparecem em contextos específicos de formas diferentes. Escrevo também a partir de uma distância da minha antiga empregadora, a Collective, uma organização artística contemporânea de Edimburgo com a qual, ao longo de quatro anos e meio, eu cresci e desenvolvi ao lado de uma equipe pequena e dedicada nossos4 entendimentos sobre como trabalhar em conjunto, com artistas e com grupos diferentes. Na época da minha viagem de pesquisa ao Brasil, meu enfoque era o programa de aprendizagem da Collective, que trabalhava com duas escolas públicas primárias locais e fomentava uma noção mais porosa de aprendizagem em toda a organização. Ao mesmo tempo em que este texto é uma reflexão sobre o período em que estive no Brasil e na Collective, é também uma tentativa de pensar criticamente os potenciais da “aprendizagem” na arte, contra a arte e além da arte5 — um movimento que vai do protesto autônomo de estudantes no Brasil aos potenciais políticos da prática artística em ambientes de educação formal na Escócia.
Primavera Secundarista: Ativismo estudantil no Brasil
Voltemos ao Brasil e à discussão de Isabella sobre as ocupações estudantis das escolas de ensino médio que se propagaram em ondas pelo país em 2015 e 2016. Contrários ao contexto de agitação política que ocasionou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (2014-2016) e levou Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro de centro-direita, à presidência — evento considerado por muitos como um golpe de estado —, os estudantes protestavam contra diversas reformas educacionais estaduais e federais. Todas essas figuras de linguagem bem conhecidas para se referir a cortes dogmáticos na educação, a privatizações insidiosas do sistema público de educação e, especialmente, à “despolitização” da educação foram indicadores da agitação. Em 2015, estudantes de São Paulo protestaram contra “planos de reestruturação” que incluíam o fechamento de cem escolas públicas. Eles realizaram cerca e duzentas manifestações — conhecidas como Primavera Secundarista — que levaram, em última instância, à suspensão dos planos. O êxito dos estudantes de São Paulo se espalhou pelo país e deu origem a um movimento nacional que se articulou em duas outras ondas de protestos estudantis, sendo a mais recente delas o combate às reformas do governo federal, motivadas ideologicamente em 2016.6 Cabe destacar a proposta de lei Escola Sem Partido, que buscou restringir o ensinamento de ideias marxistas ou esquerdistas nas escolas; uma lembrança da forma como o neoliberalismo tenta esconder suas bases ideológicas com termos supostamente “neutros” que visam, na verdade, erradicar posições ou pensamentos políticos de oposição. Como afirma Louis Althusser: “o que está representado na ideologia […] não é o sistema das relações reais que governam a existência de indivíduos, mas a relação imaginária desses indivíduos com as relações reais nas quais eles vivem”.7 Com menos disposição para acordo nas ondas seguintes, a força do governo federal oprimiu os protestos estudantis, mas Isabella manteve a esperança e a alegria nessas lutas.
Ao contar sobre a ocupação de sua escola, Isabella fala com eloquência a respeito da importância da ocupação dos saguões e de outros espaços “informais” de aprendizagem fora da sala de aula, onde prevalece a hierarquia e o conceito binário professor/aluno. Isso nos leva de volta à questão “quem faz a revolução?”. Priorizar os espaços ilegítimos e informais de produção de conhecimento — o corredor, onde os alunos socializam, fofocam, dançam e brincam juntos — talvez seja como eles fazem revolução. Além disso, como bem destacou um professor de história de Isabella que também participou do painel de discussão, eles não fazem a minha revolução ou a revolução dos professores, mas a revolução deles. Uma revolução feita pelos estudantes e para eles, situada em suas culturas e seus conhecimentos, descoberta e feita em conjunto nos saguões das instituições ideológicas normalmente tão acostumadas a formar e moldar corpos em sujeitos de boa reputação sob o capital, ou seja, bons trabalhadores.8 Ou a mesma lógica que busca reprimir a articulação de formas de ser contrárias ao dominante ou normativo, revertida e usada como um local de luta — o local e produção de cultura e conhecimento.
Uma luta para saber: Arte, ativismo e educação
E quanto à arte? A generosidade de Isabella em compartilhar os gestos muito tangíveis e articulados da luta política dos estudantes oferece um meio para um fim a partir do qual eu gostaria de sugerir que algumas práticas de artistas e organizações artísticas que estão aprendendo possam aprender ainda mais, especialmente em relação à forma como fazemos com os outros.9 A mencionada “inversão” das lógicas de uma instituição, como uma escola, poderia alinhar as concepções de produção cultural de Pierre Bourdieu e nos ajudar a entender o que acontece quando a arte adentra uma estrutura institucional. Como afirmam os sociólogos, “o campo artístico é um campo de forças, mas é também um campo de lutas que tende a transformar ou a conservar esse campo de forças”. 10 Se a escola opera dentro e como um aparato (segundo Althusser) do campo de poder dominante (segundo Bourdieu), ela pode atuar como parte de uma luta contra essas estruturas, como pode ser visto no trabalho de artistas como Annette Krauss, que emprega estratégias de “desaprendizagem” como uma forma de desfazer ou desembaraçar práticas e comportamentos aprendidos. Os projetos de longo prazo de Krauss Site for Unlearning e Hidden Curriculum interagem com várias estruturas institucionais, tais como a galeria ou a escola, para desvelar ou tornar públicos conhecimentos diferentes, por exemplo, trabalhando com estudantes de ensino médio para explorar ou reivindicar os espaços físicos de suas escolas, como os saguões, por meio de gestos performativos, especialmente em um documento de vídeo.11
Fig 1. Un/Learning Economies. Oficina com Annette Krauss, Edimburgo, 2017.
Um outro exemplo do que eu gosto de chamar de uma luta no conhecimento ou no conhecer é a pesquisa colaborativa da professora Stephanie Cubbin e do grupo artístico Ultra-Red. Sua pesquisa The School and the Neighbourhood: A Subverted Curriculum, na escola St Marylebone CE School, em Londres, faz parte do antigo programa externo da Serpentine Art Gallery conhecido como The Edgware Road Project. Esse trabalho buscou realizar conexões entre a escola e sua localidade e subverter a “orientação do Ministério da Educação de acúmulo individual de conhecimento a ser repetido em um teste avaliado”. Foi feito um panfleto contendo planos de aula alternativos para professores com atividades transcurriculares que revelam alguns dos dogmas subjacentes incorporados ao sistema educacional inglês, como uma aula de geografia que leva em consideração a cidadania e o Estado pedindo aos alunos para responderem a perguntas do Teste de Cidadania Britânico.12 Assim como Krauss, Cubbin e Ultra-Red procuraram corrigir os aspectos “ocultos” ou menos tangíveis da escola trabalhando em colaboração com os jovens nas escolas e foram além ao reunir o material disfarçado de panfleto de aula para professores, permitindo que o conhecimento coproduzido fosse compartilhado com outros professores e escolas.
A rede Schooling & Culture, que atua em solidariedade com, entre outros, o Radical Education Forum e a organização artística contemporânea The Showroom, de Londres, leva adiante a luta pela circulação e disseminação mais amplas de conhecimentos alternativos. Tem como objetivo abalar a “cultura de individualismo, competição e vigilância” da educação secundária, “reivindicando uma posição coletiva nova dentro e fora do contexto escolar por meio de autorrepresentação e experiência vivida.”13 Apesar de ser apoiado pela The Showroom, o grupo opera com autonomia, como visto em sua produção do segundo volume da revista Schooling & Culture. Publicado originalmente por professores e estudantes de esquerda radicais nos anos 1970 e direcionado também a eles, o novo volume, ao escrever sobre a primeira edição, enfrenta preocupações mais contemporâneas dentro do sistema educacional inglês, com artigos, planos de aula e cartazes de ensino feitos para circular entre professores que têm o desejo de romper com as restrições do currículo oficial. Vale notar em Schooling & Culture a maneira pela qual procura reformular o discurso político dentro da educação, pois contesta que “os locais de educação não são lugares neutros, mas estão situados — construídos por estratégia de conselho, política governamental, história, migração, austeridade e tendências globais — e estão passando por uma reestruturação política, social e econômica que está redefinindo constantemente as fronteiras desses locais”.14 Tenho um interesse especial na forma pela qual o grupo Schooling & Culture (que produz o periódico de mesmo nome) privilegia o que pode ser chamado de uma autonomia relativa — conceito que será aprofundado adiante. Ele não é simplesmente um “projeto de arte”, mas possui um desejo por uma política comum e formas de trabalho, que inclui praticantes culturais, localizadas num ponto intermediário, que recupera ou abre espaço, de maneira semelhante a Krauss, Cubbin e Ultra-Red.15
Fig 2. Schooling and Culture research materials, 2018. Courtesy Schooling and Culture and The Showroom.
Experiências e Resultados: As artes e as escolas públicas na Escócia
Para aproximar isso da minha experiência, quero refletir agora sobre a relação da Collective com escolas públicas primárias da Escócia, que trabalham com crianças de 7 a 11 anos, e sobre as complexidades de lidar com um conjunto de práticas educacionais neoliberais profundamente enraizadas. Gostaria de considerar a especificidade de o ensino das escolas públicas da Escócia estar estruturado em torno de “Curriculum for Excellence” [Currículo para Excelência] — um quadro que permite que um “assunto” seja ensinado por meio de diversas de áreas curriculares (por exemplo, aprender matemática usando métodos “criativos” ou as chamadas “Artes Expressivas”)16 para que se aprenda “de forma diferente” —, assim como a maneira pela qual as práticas acima mencionadas se articulam através desse “Curriculum for Excellence”. Embora esse sistema seja diferente do sistema acadêmico que gera preocupações17 ou do privilégio dado a disciplinas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática)18 no sistema educacional inglês e, à primeira vista, possa parecer uma forma mais aberta de aprendizagem, as bases ainda são inerentemente neoliberais. Apesar de ser mais difuso, o objetivo ainda está igualmente direcionado à produção de “futuros” trabalhadores, com alunos ensinados a serem “resilientes” ao longo da preparação para a precariedade de seus futuros inimagináveis.19 Abordagens “criativas” sobre aprendizagem (leia-se: trabalho) são inerentes ao ensino contemporâneo, e a arte contemporânea na educação (seja na galeria ou na escola) pode, portanto, facilmente ser cúmplice e mesmo liderar esforços para a promoção de políticas governamentais que, por extensão, são conduzidas pela economia.20
A Collective, claro, é cúmplice desse sistema pela forma como nosso programa de aprendizagem com artistas e jovens se encaixa habilmente na linguagem do Curriculum for Excellence. Mas eu gostaria de argumentar que tal cumplicidade pode ser um meio para um fim, uma tentativa de criar ou abrir espaço para que outras coisas aconteçam. Ao longo dos cerca de dois anos em que trabalhei nas duas escolas públicas primárias, trabalhamos com artistas, professores e jovens para nos conectarmos com a localidade da Collective em um observatório na colina Calton Hill. Monumentos espalhados pelo local homenageiam as histórias do Iluminismo e do Império. Ao trabalhar com as artistas Tessa Lynch e Catherine Payton, começamos a desfazer as histórias de Calton Hill, considerando encontros mais tácitos com a paisagem por meio do desenho e, então, de histórias orais alternativas feitas pelos jovens e direcionadas a eles. Esses foram todos passos experimentais para desvendar e decifrar a seguinte questão: quem faz a cultura (arte) e a história? As oficinas práticas com artistas e jovens foram combinadas com discussões contínuas com artistas, professores e jovens acerca dos nossos respectivos entendimentos sobre aprendizagem e olhar para a linguagem, como o uso de “criativo” na política educacional e na teoria cultural relacionada. Mais uma vez, esses foram passos experimentais para a produção de materiais de recursos para professores que permitiriam a articulação de uma abordagem diferente com a aprendizagem feita da mesma forma nas duas escolas.
A arte, sobretudo a arte contemporânea, se alinha nitidamente com as estratégias da “aprendizagem criativa”, com escolas e professores mais abertos a experimentar coisas “diferentes”, o que, por sua vez, dá à arte uma autonomia relativa dentro do currículo. É justamente o que a arte faz nesses espaços relativamente autônomos — como no trabalho de Krauss, Cubbin e Ultra-Red e Schooling & Culture — que foi uma grande preocupação durante o tempo que passei na Collective; um redirecionamento da noção privilegiada de vanguarda, ou da “arte pela arte”, para preocupações materiais e políticas altamente em dívida com as lutas negras, feministas e queer.
Concluindo: Think different.™ [Pense diferente]21
Para concluir esta reflexão, gostaria de revisitar alguns termos que surgiram ao longo do texto como importantes, mas foram igualmente contestados, tanto no relato de Isabella quanto na luta dos alunos e nas diversas práticas artísticas discutidas. O primeiro é autonomia ou as autonomias relativas que essas ações políticas e práticas artísticas evocam e a importância de enfatizar a oscilação constante (muitas vezes confusa) entre dominantes e dominados sob as forças do poder, seja do capital ou do colonialismo. Eu uso relativo ou, seguindo Harry Weeks, autonomia permitida22 para reconhecer o que Bourdieu esboça como uma codependência entre posições autônoma e heterônoma dadas, estando a última mais conectada ao campo mais amplo de poder, por assim dizer, das forças do mercado.23 Isso me parece útil para conceituar como podemos passar do ativismo político de Isabella para a natureza mais opaca dos trabalhos de produção de arte contemporânea dentro de espaços institucionais como a escola. Como já descrevi, as práticas artísticas críticas engajadas com políticas ativistas podem oferecer — em sua capacidade de criar espaços relativamente autônomos dentro do espaço rigidamente regulado da educação formal — novos imaginários e discursos políticos a serem feitos em conjunto.
Isso nos leva ao uso que faço da palavra “diferente” ao longo de todo o texto (especificamente em relação a conhecimento) e a lembrar que aprender de forma “diferente” pode ser ao mesmo tempo a quebra de lógicas de certas forças de poder, como o capitalismo, e a reprodução das mesmas lógicas, por exemplo, treinando o pensamento “criativo” e os aprendizes a empreendedores. Nesse espaço de diferença, é provável que, nas práticas de arte discutidas e (certamente) na minha experiência na Collective, ambas aconteçam continuamente e que devamos constantemente forçar a primeira, sempre buscando ir além. Penso aqui especificamente na minha compreensão de desaprendizagem, que vem de teóricos queer, como Jack Halberstam, que, ao pensar em fracasso, diz: “Sob certas circunstâncias, falhar, perder, esquecer, desfazer, não se adequar e não saber pode, de fato, oferecer maneiras mais criativas, cooperativas e surpreendentes de estar no mundo. O fracasso é algo que queers fazem e sempre fizeram excepcionalmente bem…”24 Eu usei essa citação em sessões de treinamento de desenvolvimento profissional, por exemplo, com professores do ensino fundamental, resumindo a abordagem da Collective quanto à aprendizagem na educação formal, mas eu sempre estive preocupado com o potencial de dissociação ou recuperação de experiências vividas de luta — seja a experiência de Isabella ou a queer — que informa tais afirmações, quando você as introduz em espaços tão definidos pelas lógicas do neoliberalismo (um ambiente formal de treinamento de professores, referenciando o Curriculum for Excellence etc).
Concluindo, eu gostaria de retornar a Emma Goldman e à citação “Se eu não posso dançar, eu não quero fazer parte de sua revolução” para pensar em (equívocos de) tradução e entendimento. Emma Goldman nunca disse realmente essas palavras. Na verdade, elas são uma paráfrase da citação que abre este texto, que, como explicado pela ativista feminista Alix Shulman, foi criada por um tipógrafo para ser um slogan com eficácia política, posteriormente estampado em broches, camisetas e bolsas.25 Eu fui instantaneamente atraído por Isabella quando ela iniciou sua conversa citando Goldman — ou uma tradução feita pelo tipógrafo de Goldman —, pois eu estava carregando uma sacola com as palavras “SE EU NÃO PUDER DANÇAR… ” estampadas na frente, o que me levou a assumir uma política em comum. Essa é uma experiência incrivelmente profética, em especial quando relatada com cuidado nesta reflexão; porém, neste texto, eu me distancio da história de Isabella, percorro outras práticas artísticas e chego à Collective talvez para mapear os potenciais ou os equívocos de tradução nas políticas que tentam trabalhar de forma diferente. Parece haver uma tensão irreconciliável na relação da arte contemporânea com o ativismo político. Devo enfatizar que a intenção não é abrandar a luta de Isabella com o pensamento experimental da Collective a respeito disso, mas há o que ser aprendido, como os movimentos para posições mais autônomas, como visto no trabalho de Schooling & Culture, para questionar continuamente, nessas tensões e lutas, as maneiras pelas quais fazemos movimentos de aproximação e afastamento quanto à arte no trabalho que nós fazemos.
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James Bell
A pesquisa ‘ativando o ativismo cultural feminista’ é o tema de seu doutorado na Universidade Northumbria, em Newcastle (2017). Foi artista e assistente de produção na Collective Gallery, em Edimburgo. Interessado em entender e discutir como as identidades são constituídas ou negadas dentro de um determinado espaço, e como isso pode ser autorado ou co-autorado por processos linguísticos. Entre os projetos selecionados estão: Aye, e Gomorrah…, Rhubaba, Edimburgo, 2017; The Sphere, parte de Other Spaces, Cooper Gallery, Dundee, 2016; Moloch! parte do Modelo Arbroath, Hospitalfield Arts, 2015; The Sunday Driver, Collective, Edimburgo, 2013; e 24 Spaces, Malmö Konsthall, Malmö, 2013.
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1 GOLDMAN, Emma. Living My Life. Nova York: Penguin Books, 2006.
2A palestra fez parte do programa de dez dias Cuidado Como Método #2, de 26 de setembro a 6 de outubro de 2017, organizado como parte de Uma Troca de Método, um programa de diálogo e trocas entre o Brasil e a Escócia (2015-em andamento). Gostaria de aproveitar a oportunidade para agradecer às nossas generosas anfitriãs e organizadoras, Jessica Gogan e Izabela Pucu, por montarem um programa tão cuidadoso e generoso; a Cristina Ribas e Rafael Zacca, por facilitarem e nos apoiarem ao longo dos dez dias de discussões, palestras e visitas; a Alison Stirling, Diretor Criativo, ArtLink, Edimburgo, por todo o planejamento e trabalho preparatório anteriores à viagem; e um agradecimento especial a Kate Gray, Diretora, Collective, Edimburgo, pelo cuidado e apoio dispensados a mim ao longo dos meus quatro anos e meio na Collective para desenvolver e aprofundar meus entendimentos sobre arte e prática como artista / curador / produtor / pesquisador / pessoa.
3 SHULMAN, Alix Kates. “Women of the PEN: Dances with Feminists.” The Women’s Review of Books 9 (3): 13, 1991 https://doi.org/10.2307/4021093. [acesso em 06/03/18]
4 Eu uso “nosso” não para reduzir a amplitude de experiência e conhecimentos que compõem a equipe da Collective, mas sim para reconhecer tentativas de entrar em contato um com o outro e encontrar entendimento comum nos vários projetos e pesquisas dos quais todos se encarregam. Aproveito a oportunidade para agradecer a Siobhan Carroll, líder do programa, e a Frances Stacey, produtora, pelos diversos anos de cuidado, conversa, debate e apoio mútuo que, de uma forma ou de outra, fundamentaram meu pensamento e meu trabalho e estão entremeados nas palavras deste texto.
5 “In, against and beyond…” [“Em, contra e além…”] é uma expressão atribuída com frequência a John Holloway, sociólogo marxista, e que sempre considerei válida para pensar sobre as diversas formas pelas quais podemos agir dentro do âmbito das forças e lógicas dominantes, como o capitalismo. Ver: Asher, Gordon, Leigh French, Neil Gray e John Holloway. “In, against and beyond labour”, Variant 41 (primavera 2011): 28-31 http://www.variant.org.uk/pdfs/issue41/jholloway41.pdf[acesso em 06/03/18]
6 ALEGRIA, Paula; MORESCO, Marcielly. “Occupy and resist! School occupations in Brazil”. Open Democracy. https://www.opendemocracy.net/protest/brazil-school-occupations [acesso em 06/03/18]
7 ALTHUSSER, Louis. “Ideology and Ideological State Apparatuses.” In: Lenin and Philosophy, and Other Essays. Nova York: Monthly Review Press, 1970
8 Louis Althusser delineia o “aparelho” ideológico do Estado que atua para produzir ou reproduzir os meios de produção no capitalismo, incluindo cultura e educação: “…sempre existe uma ideologia no aparelho e em suas práticas. Essa existência é material”. Ibid, 166.
9 Invoco aqui um “nós” razoavelmente universal, mas me refiro em geral a artistas, curadores e praticantes da arte contemporânea com interesse especial em abordagens pedagógicas alternativas de aprendizagem e trabalho.
10 BOURDIEU, Pierre. “The Field of Cultural Production, or: The Economic World Reversed.” “The Field of Cultural Production, or: Essays on Art and Literature. Cambridge: Polity Press, 1993, 29—73. [ênfase do original]
11 KRAUSS, Annette. Hidden Curriculum. Artwork and archive, 2007—13. http://hiddencurriculum.info/hc.html [acesso em 06/03/18]
12 Gostaria de agradecer a Amal Khalaf, curadora de projetos na Serpentine, pela generosidade em compartilhar suas experiências do Edgeware Project, do qual The School and The Neighbourhood fez parte de 2008 a 2016.
13 Schooling & Culture. 2018. “About”. http://schoolingandculture.org/about/ [acesso em 06/03/18]
14 Editorial – The State We’re In’. Schooling & Culture 2, 1 (primavera 2017): 5.
15 Preciso fazer um agradecimento especial a Louise Shelley, curadora de projetos colaborativos, The Showroom, por compartilhar a prática em uma visita de pesquisa a Londres em 2016. Louise falou sobre as complexidades de lidar com o sistema de academias em Londres e me colocou em contato com aliados e amigos do Radical Education Forum e do Schooling & Culture. Eu participei de um lançamento do School & Culture em junho de 2017 e gostaria de agradecer ao grupo de artistas, praticantes culturais e professores por uma conversa estimulante que em muito impulsionou meu pensamento sobre a educação radical e minha própria maneira de trabalhar com jovens.
16 Education Scotland define os “resultados” da aprendizagem por meio das artes expressivas da seguinte forma:
“Minha aprendizagem por meio das artes expressivas:
- me possibilita vivenciar a inspiração e o poder das artes
- reconhece e nutre minha criatividade e meus talentos estéticos
- me permite desenvolver habilidades e técnicas relevantes para formas de arte específicas e referentes às quatro capacidades
- cria oportunidades para que eu possa aprofundar meu entendimento sobre cultura na Escócia e no mundo de forma ampla
- é aprimorada e enriquecida por parcerias com companhias profissionais de artes, adultos criativos e organizações culturais.”
Ver: Education Scotland. Curriculum for Excellence: Expressive Arts – Experiences and Outcomes. Livingston, 2009. https://education.gov.scot/Documents/expressive-arts-eo.pdf [acesso em 06/03/18]
17 No Reino Unido, academias são escolas independentes financiadas diretamente pelo governo central, administradas por um truste e patrocinadas frequentemente por uma empresa, grupo de fé ou semelhante. Isso rompe com o sistema de escola pública, que compete historicamente às autoridades locais (governos municipais) e recebe delas seu financiamento. Governo do Reino Unido. Types of school. https://www.gov.uk/types-of-school/academies [acesso em 06/03/18]
18 STEM significa Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Envolve várias estratégias de governos do Reino Unido, incluindo a Escócia, para promover e melhorar o rendimento em matérias STEM, vistas, nas palavras do governo do Reino Unido, como essenciais “para o crescimento de uma economia dinâmica e inovadora”. Ministério da Educação, Governo do Reino Unido. STEM strategy. https://www.education-ni.gov.uk/articles/stem-strategy [acesso em 06/03/18]
19 De acordo com a Education Scotland em um relatório de impacto sobre a importância da “criatividade”: “Prevê-se que os jovens que saem da escola hoje sigam carreiras diversas no futuro. Isso significa que eles terão que ser criativos, flexíveis, adaptáveis, capazes de identificar rapidamente seus próximos passos e ter a capacidade para implementá-los — habilidades que estão todas no âmbito da criatividade”. Education Scotland. Creativity Across Learning 3-18. Livingston, 2013. https://education.gov.scot/parentzone/Documents/Creativity3to18ImpactReport.pdf [acesso em 06/03/18]
20 Para um relato da disseminação das “economias criativas” que ocorreu em governos sucessivos do Reino Unido, especialmente de Tony Blair e do Novo PartidoTrabalhista (Neoliberal) em meados dos anos 1990, ver o trabalho de Angela McRobbie (embora muitas vezes aborde o papel do ensino superior e avançado na produção de trabalhadores neoliberais, considero que vale para todos os níveis de ensino, particularmente quando as artes ou as indústrias criativas introduzem suas práticas de trabalho através de programas educacionais e de assistência em escolas públicas): McROBBIE, Angela. Be Creative: Making a Living in the New Culture Industries. Cambridge; Malden: Polity Press, 2015. Ver também: McROBBIE, Angela. “Re-Thinking Creative Economy as Radical Social Enterprise,” Variant 41 (primavera 2011): 32—33. http://www.variant.org.uk/pdfs/issue41/amcrobbie41.pdf [acesso em 06/03/18]
21 Refiro-me aqui ao slogan publicitário da Apple, “Think Different” [Pense diferente], usado de 1997 a 2002, para demonstrar o uso escorregadio da linguagem e a ambiguidade e um termo como “diferente” que, assim como o termo “aprendizagem criativa”, pode muito facilmente se render aos objetivos mais explícitos das relações sob o capital, ou seja, ao uso do conhecimento e da cultura na reprodução de tais relações.
22 WEEKS, Harry. “The Permitted Autonomy of Contemporary Art”. Apresentação, The Institute for Advanced Studies in the Humanities, Universidade de Edimburgo, 2016.
23 Dentro de um determinado campo, os agentes, sejam eles artistas, críticos ou objetos (uma obra de arte), ocupam várias posições e são definidos em relação uns aos outros, o que por sua vez constitui “o campo”, como explica Bourdieu: “o espaço de posições não é outra coisa senão a estrutura da distribuição do capital de propriedades específicas que rege o sucesso no campo”. A interdependência entre o campo da arte e o campo do poder, pendente para o campo mais dominante, ou seja, o último, cria uma dupla hierarquia no campo artístico constituída por dois pólos: sendo um deles heterônomo, mais ligado ao campo do poder, marcado pelo sucesso na forma de lucro econômico (por exemplo, vendas de obras de arte), e o outro autônomo, marcado por um “grau de consagração específica (prestígio literário ou artístico)”. BOURDIEU, Pierre. ‘The Field of Cultural Production, or: The Economic World Reversed’. The Field of Cultural Production: Essays on Art and Literature. Cambridge: Polity Press, 1993, 3-4.
24 HALBERSTAM, Judith. The Queer Art of Failure. Durham: Duke University Press, 2011, 2-3.
25 SHULMAN, Alix Kates. ‘Women of the PEN: Dances with Feminists’. The Women’s Review of Books, 1991, 9 (3): 13. https://doi.org/10.2307/4021093. [acesso em 06/03/18]